Métodos da Gnose (Irfan) – Metodologia para o auto-conhecimento

De: Ismail Ahmed Barbosa Júnior

O tema principal deste artigo é uma análise objetiva dos métodos tradicionais do i’rfan concernentes ao processo do auto-conhecimento e da expansão da consciência. Há uma vasta e diversificada literatura dedicada a análise do sufismo (como é mais conhecido no ocidente), sobretudo em seus aspectos artísticos, os dados históricos e um sem número de teorias e especulações filosóficas sobre o tema. Não desejamos aqui seguir tais abordagens que, muito embora sejam interessantes e cheguem a fascinar os pesquisadores, não nos parecem suficientes para uma verdadeira compreensão dos objetivos do sufismo. A questão essencial que está no centro de nossa abordagem é o que esta tradição espiritual propõe ao homem contemporâneo, produto de uma época de diferentes concepções de mundo em conflito. Sob esta perspectiva o que este artigo pretende é trazer a luz sobre a aplicabilidade da ciência do i’rfan, que longe de ser uma tradição presa ao passado, segue um processo dinâmico de evolução constante que não conhece restrições do tempo.

O termo Gnose (i’rfan) talvez seja o que melhor se aproxime de uma definição do que o sufismo realmente seja. A dimensão esotérica do conhecimento espiritual presente no cerne de todas as tradições religiosas reveladas. Consideremos portanto como um fato que, todas as mensagens reveladas contavam com um corpo externo de aspectos ao alcance de todas as pessoas, no qual se encontravam as leis, os regulamentos e os princípios gerais da fé e das práticas e que, junto a isso, se encontrava uma dimensão interna, a gnose da mensagem. Todos os grandes mestres sufis reconhecem que a semente do sufismo foi semeada no mundo no tempo de Adão (A.S.) e que se desenvolveu em estágios com o advento de cada profeta e mensageiro, num processo contínuo que não conhece limites no tempo e no espaço. Ao que parece, esta compreensão atemporal da ciência do conhecimento espiritual desnorteia os pesquisadores que tentam precisar o início da tradição sufi ou estabelecer contornos definidos a uma determinada cultura ou época.

E exatamente esta característica é que dá ao i’rfan a possibilidade ilimitada de ação na consciência humana, posto que está intimamente ligado a essência dos seres humanos. Trata-se de um método por si mesmo de conhecer a essência das coisas sendo portanto, a ciência em sua forma mais pura.

Parte 1

Nesta primeira parte trataremos do conhecimento das coisas a partir do ponto de vista da gnose. O ponto de partida no que se refere ao conhecimento, para o sufismo, é a compreensão e a distinção do que seja conhecimento parcial e conhecimento verdadeiro. A natureza da mente e da percepção comum do homem se conforma a uma determinada perspectiva da realidade das coisas e por conseguinte tendemos a aceitar como verdade aquilo que conseguimos perceber. Para a gnose esta conclusão não resiste a uma análise profunda, uma meia verdade não é a verdade, e, frequentemente é tão prejudicial quanto muitas mentiras.

A mente comum se fixa a um padrão de julgamento que corresponde a uma percepção fragmentada da realidade. Em tal condição, todas as nossas certezas não passam de suposições as quais tomamos por verdades e nada mais. Para o gnóstico sufi a questão não é conhecer mais ou menos, mas sim, conhecer com profundidade. Portanto, as questões metafísicas e filosóficas não são apresentadas como teorias, já que a menos que a mente do receptor não esteja capacitada para adotar pontos de vista livres de padrões estabelecidos pela cultura e pela sociedade, sua compreensão dessas questões não será mais do que disparate e especulação mental. Isso se assemelha ao estado de um homem que nunca tenha visto o mar e que se ponha a falar sobre o assunto tomando por base a palavra e a informação recebida de terceiros, um homem que tenha realmente visto o mar estará em mais condições de falar sobre o assunto, e outro que tenha entrado no mar estará num nível superior de conhecimento, ainda que não se compare a outro que seja um mergulhador experiente.

Mesmo a questão da fé ou descrença não é contextualizada pela gnose numa visão qualitativa, a medida em que a fé ou a ausência dela não seja necessariamente resultado de percepção da realidade. Numa discussão entre um crente e um agnóstico, ambos podem não possuir qualquer experiência real do que estão a discutir. Um homem pode crer ou descrer apenas em razão da sociedade e cultura a que pertence e em que foi criado. Esse tipo de convicção ou conhecimento está aquém da dimensão de consciência em que o i’rfan opera.

A gnose difere sobremaneira da filosofia escolástica no que se refere aos métodos. Enquanto a última restringe a busca à esfera da reflexão e da razão, a gnose sufi procura trabalhar todas as faculdades do homem em equilíbrio, a intuição é exercitada tanto quanto o raciocínio para que o homem não se torne cativo nem de um nem do outro. Do ponto de vista da gnose, mesmo os mais bem elaborados conceitos da razão podem não raro, se tornarem fardos ou obstáculos a uma compreensão verdadeira da realidade objetiva. De fato, a gnose não aceita sequer como possibilidade que a reflexão pautada nos padrões singulares do que nos seja familiar seja utilizada como um caminho seguro para a realidade objetiva.

Com efeito, a Gnose centra sua atenção nas características viciosas da mente comum, as inclinações desta a se apegar a padrões fixos de pensamento e a tomar informações e conhecimento parcial como conhecimento real. Ela parte desta condição para expor seu método. Conhecer os condicionamentos e padrões da mente comum é um passo para promover um processo de despertar da consciência.

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O dizer do Profeta (S.A.A.S.): “Quem conhece a si, conhece o seu Deus”, corretamente interpretado à luz da gnose se refere ao conhecimento do Eu essencial e este é adotado como um primeiro passo do conhecimento verdadeiro. Este é o princípio da gnose na busca da realidade objetiva.

O primeiro passo do que aspira o caminho da gnose é a compreensão de que aquilo que entende de si mesmo é, essencialmente, um conjunto de condicionamentos, idéias pré-concebidas e crenças fixas que se confundem com o seu ser original. Ao dar este primeiro passo o indivíduo deixa de pensar que compreende a si e o mundo que o cerca, e o seu ego dominante começa a ceder lugar a uma consciência real. Para a mente comum o padrão da lógica é que determina o caminho, para a gnose porém, há um limite bastante estreito para esse caminho, a confiança não parte da lógica, e somente ela pode liberar o homem de seus próprios condicionamentos. A mente comum transita entre os extremos da dúvida e da confiança cega no que lhe pareça lógico. Para a gnose a verdade não se baseia nem na dúvida do materialista, tampouco na lógica comum, portanto, ela age em diversas dimensões da compreensão e em diferentes canais da percepção, não sendo de modo algum entendida pela limitação da lógica ou pelo processo da dúvida.

Estes são, de fato, extremos de uma mesma linha, a linha da ignorância, e como tais não podem conduzir à verdade. A sensação de segurança que proporcionam a quem se apega a eles é muito atraente para a mente grosseira, ao passo que a expansão da consciência traz em si todo o medo que há no desconhecido. Três características são comuns na mente limitada e condicionada a padrões primários: 1) a inflexibilidade no entendimento dos fenômenos 2) O apego às aparências 3) Uma errônea compreensão do que seja liberdade.

A primeira característica é a adoção do falso pressuposto de que uma determinada noção ou atitude deva seguir sempre o mesmo curso, isto é, o que seja apresentado como certo deva sempre se manifestar da mesma maneira. A ignorância neste caso, reside na incapacidade de perceber que a existência não pode se ajustar a nosso modo de pensar e que os rumos que a sabedoria escolhe são imprevisíveis.

A segunda característica parte da errônea crença de que “já sabemos” que já contamos com um conhecimento que nos capacite a definir o que seja algo e o que não seja a partir de nossas “certezas”. Uma pequena história do Mestre Hujwiri ilustra este comportamento dirigido pelas aparências: “Um homem desejava conhecer o sufismo e viu um rapaz vestido como um adepto, mas trazendo um tinteiro consigo. Ele achou aquilo estranho, porque os sufis não são escribas. Aproximou-se daquele rapaz, certo de que se tratava de um impostor e perguntou-lhe o que era sufismo. O jovem respondeu: Sufismo, é não pensar que um homem , por trazer um tinteiro consigo, não é um sufi.” A mente limitada por essa lente das aparências está sem dúvida, fadada ao engano.

A terceira característica é uma crença confusa sobre a condição do homem no mundo. Parte do pressuposto de que liberdade possa significar liberdade de escolha num nível ao alcance de todos. Nenhum homem é realmente livre enquanto carregue consigo os condicionamentos e os padrões herdados pela sociedade e cultura. Sua margem de escolha é muitíssimo mais estreita do que imagina e esta crença, (de que é livre) ironicamente é a sua mais forte amarra, sua mais sólida prisão.

Como comportamentos mentais essas três características podem ser abandonadas no momento em que a pessoa se conscientiza da superficialidade dessas idéias pré-concebidas. “A humildade para aprender” é o único requisito para a superação dessa condição primária de percepção das coisas. Contudo, o processo de liberação dos condicionamentos envolve aspectos muito mais profundos, ligados aos sentimentos e às inclinações do ser, os quais exigem um contínuo esforço associado a uma correta orientação por parte de um mentor espiritual capacitado. A gnose define esses padrões de condicionamento como “véus”, sentimentos vulgares que se interpõem entre a pessoa e o uso correto de sua essência. Como véus principais são ressaltados:

1) O Desejo – Se baseia nas suposições falsas acerca do que seria bom para si próprio. Neles, o indivíduo se vê como o centro de gravitação para onde a vida, segundo ele, deveria se inclinar. Pretensões e auto-idealizações formam uma teia em volta da mente e do coração do indivíduo não lhe permitindo uma correta percepção da realidade. A gnose prescreve o exercício da austeridade como um método de romper este véu.

2) A Hipocrisia – se baseia na vaidade, muitas vezes oculta, que leva o indivíduo a adotar falsos conceitos sobre si, de auto-suficiência e de superioridade sobre os demais. E isto se manifesta muitas vezes, por um comportamento dissimulado. Segundo a Gnose sufi a superação só é possível pela prática de qualidades repreensíveis aos olhos do mundo, porém louváveis aos olhos de Deus, a verdadeira submissão, a humildade e a caridade em oculto.

3) O Narcisismo – que anula a auto-crítica e faz o indivíduo exigir a atenção, o elogio e o amor dos outros e o expõe a uma condição irreal de bem-estar quando seus desejos são satisfeitos e a uma frustração destrutiva quando nada pode aplacar seu desejo. A cura desse mal se encontra na correta consciência dos atributos da Grandeza Divina.

4) Avareza e Cobiça – Consiste num processo destrutivo que canaliza as energias do indivíduo para uma saciedade desses desejos, movidos por um medo irracional da perda (em todas suas formas). Apenas com a certeza (Yaqin) na realidade espiritual é possível superar e romper este véu.

5) Irresponsabilidade – Trata-se de uma permanente ansiedade em relação aos objetivos que só pode ser vencida pelo cultivo da paciência.

6) Inconstância – Se manifesta como uma incapacidade de concentração e compreensão da profundidade dos propósitos, o que leva o indivíduo a dispersão, a negligência em relação a seu próprio destino e a preguiça. A gnose prescreve um conjunto de exercícios a serem ministrados por um mestre capacitado para a reeducação da mente e dos sentimentos.

Como vemos, as práticas do culto (ibadat) (orações, jejum, caridade, atividades piedosas) cumprem um papel importante, desde que levadas a cabo com a correta intenção e devoção, tornando-se assim vias para o amadurecimento espiritual. Contudo, este ponto é bastante delicado, já que se tais práticas não forem acompanhadas de uma atitude interna íntegra, se tornarão maculadas e envolvidas pelos véus dos condicionamentos. Do ponto de vista da Gnose a realização plena da Religião só se concretiza à medida que a luz da consciência espiritual triunfa sob o Eu dominante. Há um jejum além do jejum físico e externo, como também há uma bondade além do ato em si e só os verdadeiros piedosos alcançam a baraka (benção) da consciência dessa realidade transcendente. Esse processo de desconstrução do Eu dominante não segue fórmulas fixas ou receitas prontas, o que significa que requer a direção de um mentor que tenha, ele próprio, trilhado o caminho do conhecimento.

Parte 2

Nesta segunda parte trataremos de algumas características dos métodos da gnose sufi em seu processo de trabalho. O primeiro ponto a ser ressaltado é a grande importância do papel do mestre ou mentor. Ainda que as faculdades místicas residam no íntimo de todo ser humano e que de muitos modos se manifestem e se desenvolvam espontaneamente, o caminho para o desabrochar da consciência é por demais tortuoso para que uma pessoa que se proponha a ele possa se guiar sozinha, sem incorrer em grandes riscos estando sujeita à suas próprias fraquezas e a influência de seu Eu dominante. De fato, o indivíduo encontra-se, enquanto sob esta influência, num estado próximo ao de uma criança no útero de sua mãe, que não pode realizar o seu próprio parto.

O Sheikh Abu Al-Hasan Saliba comenta o seguinte, sobre esta questão: “É melhor colocar um discípulo sob o controle de um gato do que deixá-lo sob o seu próprio controle.” A função do mestre consiste em preparar a mente do iniciado para que ele se torne capaz de discernir entre as suas falsas impressões e a realidade objetiva. O modo como isso se realiza depende inteiramente da ação e do conhecimento de um mestre capacitado, o que é absolutamente essencial no processo.

O Eu dominante, por sua própria natureza, tende a rejeitar e a reagir contra essa imposição ditada pela própria necessidade. O jogo do ego nesta questão se manifesta numa subjetiva perspectiva de liberdade pessoal, em que a pessoa entende como justificada uma reação a quem se coloca a ensiná-la, entendendo o próprio aprendizado como uma ameaça a sua liberdade. Enquanto tal racionalização rasteira e a ausência de confiança se interpõem entre o iniciado e aquele que deseja auxiliá-lo, nenhum progresso é possível.

Um iniciado sufi ilustra perfeitamente este estado de coisas dizendo: “meu mestre libertou-me do cativeiro em que eu me encontrava, o cativeiro em que eu me supunha livre, quando na verdade, estava apenas dando voltas em torno de um círculo fechado.” Superado este primeiro impasse o aprendizado propriamente dito, se inicia.

O desenvolvimento da capacidade de concentração é posto em prática por intermédio de exercícios específicos. O processo de “perceber a si mesmo”, isto é, perceber o fluxo incessante de sentimentos, emoções, pensamentos e variações de humor, e de adquirir algum controle sobre isso ocupa uma posição preliminar, ao que se seguem vários exercícios que visam cessar o diálogo interno. Essa condição de equilíbrio permite que se apure a percepção das coisas num nível bem diferente da percepção comum. A prática do dhikr cumpre, neste estágio, uma ação purificadora que age no intelecto e no íntimo preenchendo o “vazio” deixado pelas atitudes incorretas da mente com uma nova visão da realidade.

Corretamente orientado, o iniciado atravessará os desafios desse estágio de Muraqiba (concentração). “Firmeza” é um termo aplicado ao estado de manter-se perseverante, consciente da presença de Deus e de que Deus o observa. Centrar a mente no tempo presente é uma das metas a serem alcançadas neste estágio. A mente comum está inclinada a projetar sua atenção nas expectativas de um futuro que ainda não existe ou às sensações que reafirmam o Eu dominante, sensações ligadas ao passado que já não existe. Ao passo que, esta nova mente é educada a concentrar-se no presente e buscar a realidade objetiva no aqui e agora. O esforço do iniciado é canalizado para a construção de uma nova visão da realidade, pautado em dez elementos ou princípios. Os exercícios propriamente ditos seguem programas estabelecidos segundo a necessidade do iniciado, ou o seu estágio de consciência, dentro desses dez elementos:

1. separação da unificação
2. percepção auditiva
3. companheirismo
4. preferência correta
5. Renúncia à escolha
6. rápida aquisição de um estado específico (concentração)
7. penetração do pensamento, auto-exame
8. viagens e movimento
9. renúncia aos ganhos
10. falta de cobiça.

No decorrer deste processo o iniciado se depara com uma perigosa encruzilhada em seu desenvolvimento: a percepção ou êxtase místico que poderá, caso seu íntimo ainda não esteja purificado, desviá-lo de seu verdadeiro propósito. Um estado místico não é para o gnóstico sufi uma realização em si, se assemelha a um vislumbre das potencialidades ocultas que, não significa necessariamente uma aquisição qualitativa. O ganho neste sentido significa o conhecimento permanente alcançado quanto à realidade objetiva. Não se julga o progresso do iniciado pelos estados místicos eventuais e por quaisquer fenômenos produzidos por intermédio deles. O perigo neste estágio é a incorreta compreensão da natureza do êxtase místico. Os que não possuem um desenvolvimento equilibrado em geral se apegam a falsa noção sobre o estado místico, especialmente quando se verificam faculdades paranormais ativadas nesta condição. Via de regra, um estado místico que não produza um aumento permanente do conhecimento intuitivo, o ver as coisas em sua totalidade, por exemplo, não é considerado um estado místico autêntico. Essa peculiaridade do método sufi diferencia este de todos os demais métodos e caminhos místicos. A gnose não existe para produzir magos ou feiticeiros, seu objetivo está muito além disso. Os prodígios atribuídos a certos sufis não se devem a nenhum tipo de poder pessoal como muitos entendem. Abdul Qadir Jilani diz sobre isso: “Quando você adquire o conhecimento divino, está imerso na intenção de Deus… sua essência interna não admite outra coisa… As pessoas lhe atribuem milagres, que parecem se originar de você, mas cuja origem e intenção são de Deus”.(Muqala VI Futuh Al Ghaib)

Um grande risco reside no fato de que muitos indivíduos desenvolvidos de modo desequilibrado, tornam-se em virtude dos fenômenos paranormais, centros de influência para outros. Tanto maior o risco à medida que tais pessoas podem se convencer de que são genuínos, porque não se lhes modificou o hábito de se iludirem e de iludirem a outros. Nesses casos o poder cedo ou tarde os destrói e o seu falso conhecimento metafísico se tornará um mal para eles e para os que os seguirem.

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A ciência da ativação dos centros de energia (lata’if) é um dos conhecimentos envolvidos no processo de desenvolvimento do iniciado. Estes centros de energia, ou orgãos especiais de percepção estão ligados às potencialidades naturais do ser humano e um mestre capacitado é aquele que possui o conhecimento prático dessa ciência. Os lata’if são compreendidos como pontos de concentração, não exatamente como os compreendem os iogues (a ciência dos chakras), as questões teóricas envolvidas neste assunto não serão aqui objeto de análise. Como acontece com outros aspectos do sufismo, muitas coisas foram e são ditas e escritas sobre os lata’if. Para a gnose sufi cada situação é única e não existem manuais e regras fixas, a condição e as circunstâncias ditam o melhor procedimento, por isso, mesmo a presença do conhecimento dinâmico de um mestre é decisivo no sucesso do iniciado. Grosso modo, os lata’if são definidos como sete centros sutis. Cinco deles deverão ser despertados para que o iniciado alcance sua iluminação. O método, dirigido pelo mestre, consiste em concentrar a consciência nas áreas do corpo ligadas às faculdades de Latifa, por meio de exercícios variados. A título de entendimento prévio citam-se essas áreas como sendo: no baixo ventre (abaixo do umbigo), no coração (no ponto do externo), no lado oposto do coração, no plexo solar e na testa. Apenas com o desenvolvimento desses centros o iniciado terá acesso aos outros dois que se ligam à personalidade e ao conhecimento supremo. Cabe notar que a ativação desses centros é parte de um desenvolvimento muito abrangente e não pode ser levado a efeito como um processo isolado.

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Para a gnose sufi existem quatro condições básicas do homem. Toda a humanidade encontra-se inserida nelas. “Nasut” é a condição primária na qual a consciência se encontra submersa numa espécie de sono metafísico. A segunda é a Tariqa (no caminho) que é a daqueles que se encontram num processo de despertar da consciência. A terceira é “Jabbarut” a condição em que se alcança o desenvolvimento das potencialidades e uma consciência clara da realidade objetiva. Estas duas condições estão no âmbito do método gnóstico. A quarta é “lahut” (absorção) que se refere à condição de suprema consciência numa esfera além do visível e do palpável.

É requerido do iniciado que passe por sete fases de preparação, a fim de que a individualidade esteja pronta para o seu pleno funcionamento. Estas fases são graus na transmutação da consciência, cujo termo técnico é nafs. Na verdade estas fases significam o desabrochar gradual desta consciência inata que pouco a pouco se liberta das amarras do Eu dominante, adquire uma visão de si própria, alcança a serenidade, o poder de realização e por fim se aprofunda em outros níveis desta realidade interior.

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Para o adepto da gnose há quatro viagens a realizar: a primeira é alcançar a condição de fana (aniquilação) na qual o eu dominante dá lugar à unificação da consciência. A segunda viagem é a estabilização do conhecimento objetivo em que um iniciado se torna um professor por direito. As duas viagens seguintes dizem respeito a um aprimoramento espiritual que está além das palavras e dos conceitos humanos, nas quais quem as realize se torna capaz de operar além dos limites do tempo e do espaço, para o benefício de muitos que estejam no caminho do conhecimento.

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