Palavra do Sheikh Faisal Merhel (Imam da Comunidade Islâmica de Tucumã) no Encontro Islâmico no Brasil

Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.

Que as bênçãos e a paz estejam com o Mensageiro do Senhor do Universo, com sua família imaculada e seus nobres companheiros.

Senhor secretário geral da Assembleia de Aproximação das Escolas Religiosas, Sheikh Mohsen Araki, querido anfitrião deste congresso Sheikh Taleb al-Khazraji, estimados sábios do Islam e ativistas no campo religioso e cultural, irmãos e irmãs. A paz, a misericórdia e as bênçãos de Deus estejam com vocês.

Disse Deus, Glorificado Seja, no Alcorão Sagrado: “Ó povo, por certo que vos criamos de um varão e de uma mulher e os dispusemos em povos e tribos para que reconhecêsseis uns aos outros, certamente que o mais nobre diante de Deus, dentre vós, é o mais piedoso”.

É muito difícil que um homem não venha a misturar-se com comunidades que professem uma religião diferente da sua. O comportamento sensato implica em buscar o entendimento no que diz respeito aos benefícios e necessidades comuns. A sociedade internacional define a expressão “convivência política” como a cooperação entre os povos com base no entendimento mútuo, o intercâmbio dos interesses no plano da segurança, da economia e do comércio. A convivência dos muçulmanos e as pessoas de outras religiões deve partir do respeito mútuo e do desejo de colaboração em prol da humanidade. Existem numerosos aspectos que têm importância comum que se vincula com a vida do ser humano.

Na atualidade o terrorismo ameaça a convivência entre as sociedades e mesmo entre os membros de uma mesma sociedade. Estes fenômenos que estamos abordando, a violência, a brutalidade, a falta de solidariedade, etc, originam-se do pensamento extremista (takfiri) e prejudicam a vida social respeitável e pacífica, a dignidade humana e o bem geral. Ainda que no decorrer da história tenha existido grupos e pessoas que por todo o mundo cometeram práticas igualmente abomináveis, hoje, nós os muçulmanos padecemos do surgimento do terrorismo dentro de nossas sociedades de maneira sem precedentes, do ponto de vista de sua força destrutiva e do grande apoio que goza da parte de seus patrocinadores, bem como com a repercussão de seus crimes a nível mundial, a proliferação da islamofobia e de outros problemas.

É dever dos sábios islâmicos determinar os fatores materiais, anímicos e ideológicos que atraem os jovens à perpetração desses crimes.  É dever dos sábios islâmicos elaborar alternativas diante dessas ameaças. O terrorismo nos afeta a todos e qualquer sistema religioso e ético tem a responsabilidade de orientar no plano da moral e da difusão dos valores humanos. Prover alternativas sólidas frente a realidade da violência terrorista não só tem a ver com a reação aos eventos terroristas, quaisquer que sejam, mas também tratar de qualquer prática de violência que se produz na sociedade. Antes de se produzir uma ação violenta ou um crime semelhante por parte do extremista, já existem ideias extremistas. Nossa missão é refutar as ideias extremistas que estão absolutamente afastadas da moderação da religião monoteísta do Islam.

Diz o Altíssimo no Alcorão Sagrado: “E desse modo, fizemos de vós uma nação mediadora, para que sejais testemunhas da humanidade, assim como o Mensageiro o será para vós…”

Devemos deixar evidente a origem do extremismo e quem o financia. Devemos pôr fim ao fenômeno do takfirismo e do sectarismo mediante o esclarecimento dos muçulmanos de seus princípios estáveis que se encontram na shariah “acessível e indulgente” e enfatizar os pontos em comum deixando de lado o debate sobre as diferenças em um âmbito acadêmico sereno e respeitoso. Esta função corresponde a vocês, sábios do Islam, posto que mesmo a utilização de uma palavra em Mecca pode influir nas pessoas em qualquer ponto distante.

A palavra tem um valor essencial para expor as ideias do caráter humano, e o comportamento dos líderes religiosos é tomado como referência para a solução das disputas de modo pacífico. Se deve enfatizar que esses grupos extremistas não são de caráter islâmico de modo algum e é preciso condenar aqueles que os incentivam. É necessário que os dissertadores, os imames das mesquitas e os ativistas no trabalho islâmico esclareçam em todos os seus discursos e ensinamentos, que não existe justificativa alguma para o uso da violência e do terror a fim de alcançar propósitos políticos, quanto mais para fins religiosos. Se deve respeitar aos demais em seus direitos e práticas, na liberdade civil e nas liberdades fundamentais.

Graças a Deus, nós os muçulmanos, com nossas diversas escolas teológicas, de jurisprudência e métodos espirituais, possuímos uma vasta bagagem de ensinamentos que tomamos daquilo que foi apresentado pelo Criador do Alcorão Sagrado como “exemplo” para nós e misericórdia para o universo, que não é outro senão o senhor dos mensageiros de Deus, nosso Profeta Mohammad (S.A.A.S.).

O fenômeno do extremismo não se restringe a quem adere a uma escola islâmica em particular, aquilo que estamos tratando surge do pensamento extremista wahabita, que se originou do colonialismo britânico. Um exemplo disso é a proliferação de ideias extremistas entre os sheiks daquilo que se chama de “xiismo britânico”, que falsamente reivindicam pertencer a escola da Gente da Descendência Pura do Profeta (S.A.A.S.), sendo que mancham o bom nome dos xiitas dos Ahlul Bait (A.S.) ao contrariar a conduta de nossos Imames (A.S.) baseada na palavra da Unicidade e da unidade da palavra. A esse respeito, disse o Imam Jafar Ibn Mohammad Assadeq (A.S.), dirigindo-se a seus seguidores: “Quando um de vós é piedoso em sua religião, veraz ao falar, quando cumpre no que diz respeito ao que lhe for confiado, quando tem bom comportamento com as pessoas e quando se diz dele “é seguidor de Jafar”, isso me alegra e me alegro por ele e se dirá “essa é a moral de Jafar.” Por outra, se ele não se comporta desse modo, me incluirá em seu infortúnio e vergonha e as pessoas dirão “essa é a moral de Jafar”.”

Sem dúvida, a convivência pacífica entre as escolas islâmicas é uma necessidade vital antes de ser uma obrigação religiosa. Esse é o comportamento que deve predominar nas sociedades islâmicas que contêm diferentes correntes e numerosas etnias, tal como é o caso da América Latina.

“E não diga a quem dirige a você o “Salam” “não é muçulmano”. O Livro de Deus nos indica o comportamento correto que se deve ter com aqueles que creem que não há divindade senão Deus e aceitam a condição profética do Selo dos Mensageiros, Mohammad (S.A.A.S.). No Islam, transcender o atributo da compaixão e agir de acordo com essa virtude não é algo que esteja restrito a conduta dos muçulmanos entre si, mas inclui o não-muçulmano.

Disse aquele que é a porta da cidade do conhecimento do Profeta (S.A.A.S.), o Imam Ali (A.S.) dirigindo-se a Malik Al Ashtar, quando o designou governador do Egito: “Sente em teu coração a compaixão para com os súditos e trata-os com benevolência. Não sejas como um depredador que lhes cerca para alimentar-se deles, já que certamente o povo é de dois tipos: ou é teu irmão na religião, ou teu semelhante na criação”.

Qualquer comportamento diferente a destes princípios há de ser considerado um fenômeno isolado na sociedade e que não tem eco nas pessoas, e não encontra nada senão a rejeição por parte das pessoas sensatas.

Disse o Altíssimo: “Deus nada vos proíbe quanto àqueles que não vos combateram por conta da religião e não vos expulsaram dos vossos lares, nem que trateis com eles com bondade e equidade. Deus ama os justos. Deus somente vos proíbe (a aliança) com aqueles que vos combateram por conta da religião, que vos expulsaram de vossos lares ou que cooperaram em vossa expulsão. Os que se aliarem a eles, serão os iníquos”.

O Islam não rechaça o bom trato com o não-muçulmano, antes, o incentiva. Somente rechaça a amizade com aqueles que combatem os muçulmanos e os expulsam de seus lares. Na atualidade, são os extremistas que mantêm vínculos com os que conspiram contra o Islam e ajudam seus planos de maneira indireta. Algo que nos compete, aos muçulmanos dessas regiões, é a vulnerabilidade da segurança dos muçulmanos nos países em que são minoria, pela ação dos extremistas que inclui assassinatos e ataque a mesquitas. Esses grupos de terroristas estão contra a humanidade inteira e é preciso deixar claro que prioritariamente suas vítimas são os próprios muçulmanos. O Islam não nega a existência de outras religiões, ao contrário, alimenta a convivência pacífica com elas. Na história da civilização islâmica existem claros testemunhos disso.

Entretanto, agir em prol da paz não é um dever restrito aos sábios, é algo que requer grande lucidez e a orientação dos especialistas no tema. Na escola, na família, nos órgãos de mídia e nas organizações sociais deve haver colaboração mútua a esse respeito e o foco na dignidade humana como ponto de partida no tratamento das pessoas.

Disse o Altíssimo: “Nós honramos os filhos de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar, agraciando-os com todas as coisas boas e os preferimos imensamente a muitos dos que criamos”.

Há os que se valem da ação dos grupos de extremistas para reforçar a islamofobia tratando de enfraquecer a presença das minorias muçulmanas na sociedade e marginalizá-las totalmente. Devemos enfrentar isso por meio de nossa presença nos âmbitos sociais no mais alto nível e no plano do estabelecimento de relações com os governos, universidades, etc. A racionalidade e a moralidade que predominam em nossa religião são fatores sólidos para a conscientização dos muçulmanos nesse assunto, e atrai a todo aquele que é nosso semelhante e que possui um caráter sadio.

Por fim, concluímos que existem planos de ação em comum para cumprir o nosso dever no que concerne a convivência pacífica, o que se vê com o retorno aos valores inerentes ao Livro de Deus e à Tradição do Profeta (S.A.A.S.). De modo que podemos participar na construção da civilização islâmica e da grande civilização humana.

Agradecemos ao Centro Islâmico do Brasil e a seu presidente Sheikh Taleb al-Khazraji (que Deus o proteja), por levar a cabo essa valorosa iniciativa.

Nossa última invocação é que o louvor seja para Deus, Senhor do Universo. Que a paz, a misericórdia e as bênçãos de Deus estejam convosco.

Sheikh Faisal Merhel – Imam da Comunidade Islâmica de Tucumã – Argentina.
Encontro Islâmico no Brasil – São Paulo, 29 de julho de 2017.

 

 

 

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