Princípios da Renovação Social

Autoria: Fundação Al Balagha

Condições essenciais para a renovação humana

Toda comunidade, para efetivar sua liberação e revitalização, necessita que as seguintes condições estejam disponíveis:

1 – O respeito ao intelecto

2 – Um sistema de atuação

3 – Consciência

4 – Autoconfiança e papel comunitário

5 – Desejo de transformação

6 – Liberdade e respeito a vontade dos indivíduos

7 – Princípios (Ética)

8 – Liderança

1 – O respeito ao Intelecto

É a utilização do intelecto na aquisição de conhecimento e compreensão da existência.

O intelecto é um passo na ação de revitalização e liberação, as quais fazem parte da essência humana. Sempre que o intelecto se torna livre se habilita a tratar com a Mensagem Divina, a entender os princípios teóricos e práticos do conhecimento em geral. Por outro lado, se o intelecto se encontra submetido à ignorância, não será capaz de assumir as responsabilidades da existência.

Em vista disso, o Nobre Alcorão orienta o intelecto na direção da libertação. Conclama o ser humano à compreensão da existência e de suas leis.

“Não meditam no Alcorão, ou há cadeados em seus corações?” (47:24)

“Nisso há sinais para aqueles que refletem”. (39:42)

Na história humana sempre houve uma grande guerra entre o intelecto e a ignorância. Quando explicou o valor do intelecto Imam Ali (as) mencionou o diálogo entre Adão (as) e Gabriel (as): “Gabriel veio até Adão e disse: “Ó Adão, recebi a ordem de apresentar-te três coisas. Escolha uma delas”. Adão disse: “Ó Gabriel! Quais são essas coisas?” Respondeu: “O Intelecto, a modéstia e a religião”. Adão escolheu o intelecto. Gabriel disse para as outras duas irem embora e elas responderam: “Ó Gabriel! Recebemos ordem de permanecer com o intelecto em qualquer lugar que ele esteja”. Relata-se que Imam Ali (as) disse: “Não há riqueza maior do que o intelecto e nenhuma pobreza é maior do que a ignorância…”

O Alcorão estabeleceu a vida, a civilização e a cultura com base no intelecto, de modo que entendemos a civilização islâmica como uma civilização intelectual. A ideologia islâmica deu origem a tais princípios. O Alcorão dirigiu-se ao intelecto e apelou ao pensamento contemplativo e a criatividade, rejeitando a superstição e a imitação cega.

Ademais, o Alcorão se apoia em provas intelectuais e perceptivas para provar a existência de Deus. Com base nisso, os sábios religiosos concluíram que não existe imitação no que se refere aos princípios da religião, ou seja, é obrigatório para o homem fazer uso de seu intelecto (compreender) para só então acreditar.

De maneira que, foi dado ao intelecto o papel mais importante na formação do conhecimento. O Alcorão considerou o intelecto o orientador no caminho da vida, colocando- o ao lado da sharia’h (lei).

“E não meditam senão os dotados de discernimento”. (2:269)

“Dize: Percorrei a terra e observai como Deus originou a criação. Deus produzirá outra criação, porque Deus tem poder sobre todas as coisas”. (29:20)

“Não enviamos (mensageiros) antes de ti que não fossem homens a quem inspiramos – pergunta ao povo da Mensagem, se não o souberes. (E os enviamos) com as evidências e as Escrituras. E a ti revelamos a Mensagem, para que esclareças os humanos a respeito do que lhes enviamos, a fim de que reflitam”. (16:43-44)

Assim, o Alcorão quer que sigamos o sistema do conhecimento e rejeitemos a ignorância e o obscurantismo.

De fato, quando o intelecto amadurece e a vida o adota como base, a comunidade progride. Quando isso não ocorre, a comunidade é dominada pela superstição e a estagnação. (Os sintomas desse estado de coisas) são a intimidação do intelecto, o triunfo do erro e o atraso. Portanto, não pode haver renovação ou progresso a menos que o intelecto desempenhe o papel central na direção da sociedade, tal como é requerido pelo Alcorão.

Com o intelecto assumindo seu papel na formação social, também será determinante no entendimento do Islam e da sharia’h. Uma correta interpretação das leis é possível se o intelecto estiver livre das amarras da ignorância e do obscurantismo. Por isso, o Alcorão critica a recusa ao raciocínio e a estupidez, e diz: “Não meditam no Alcorão, ou há cadeados em seus corações?” (47:24)

Os grandes problemas enfrentados pelo intelecto são: a censura ao pensamento livre e a intimidação intelectual; a ditadura política ou religiosa são as maneiras mais perigosas de impedir o intelecto e fazer com que predominem as ideias atrasadas e a ignorância.

2 – Sistema

Sistema é o modo de compreender e lidar com os assuntos; o modo como obtemos conhecimento e tratamos de cada aspecto da vida.

Dentre os mais importantes sistemas que coordenam a aquisição do conhecimento estão:

* O sistema prático (dos assuntos materiais)

* O sistema filosófico

* O sistema gnóstico

* O sistema alcorânico

A escolha de qual seria o melhor desses sistemas é o problema essencial enfrentado pela civilização ocidental. De fato, o pensamento materialista no ocidente e o obscurantismo no oriente representam os impasses na adoção dos sistemas.

Qual é a relação entre renovação e desenvolvimento humano e os textos divinos?

É bem conhecido que as leis e princípios e o próprio modo de compreender a essência da vida são elementos determinantes para o progresso ou o atraso das comunidades. Compreender os textos divinos é o primeiro passo na criação de leis e valores positivos.

O equívoco com relação aos textos divinos levou o homem a render-se aos déspotas e condenou-o à dependência. Resultante disso, doutrinas como Jabr (Compulsão) surgiram entre os muçulmanos, isto é, a obrigação de submeter-se ao poder de um governante, mesmo que este seja um opressor. Também deu origem a teoria de um certo grupo que preconizava o abandono do intelecto, sob o argumento de que não seria possível, nos tempos atuais, entender os textos divinos, exceto se seguirmos o entendimento dos antigos, muito embora semelhante teoria seja incapaz de atender as necessidades que surgem com o desenvolvimento da história e da sociedade humana.

Sobre a Ciência das Fontes (Textos)

Definição técnica (na ciência do Usul) se refere ao texto ou palavra que não admite interferência de sua antítese. Ou seja, um texto que possui um só sentido, uma única interpretação possível.

Por intermédio da ciência do Usul podemos discernir o texto que está livre da adulteração ou interpolação da palavra humana.

O termo “Nas” (texto) se refere aos versículos do Alcorão, aos dizeres autênticos do Nobre Profeta (saas) e, no caso da escola imamita, aos dizeres atribuídos aos Imames dos Ahlul Bayt (as).

Da definição técnica e da definição científica podemos entender que texto possui dois diferentes sentidos: o literal e científico.

O estudo com o intuito de definir o propósito e a essência de um texto se realiza através do Tafsir ou Ta’will, com os quais também podemos retirar do texto seu aspecto subjetivo para formar uma clara ideia de seu aspecto objetivo. O intelecto, a seu turno, cumpre a função analítica do conteúdo do texto.

Nas (texto) possui uma essência objetiva e uma essência intelectual.

A essência objetiva se refere à palavra que não admite mais do que uma definição ou significado (o que corresponde à definição muhkam). Ademais, “texto” (nas) é um elemento isento de qualquer interpolação ou desvio, não dando espaço a nenhum tipo de ijtihad.

Um exemplo de “Nas” é: “… e Deus permitiu o comércio e proibiu a usura…” (2:275) (isto é, não é permissível nenhuma interpretação extra ao que o texto afirma) (Com exceção de ‘nas’) a aplicação técnica admite outras modalidades: Zahir e Mujmal.

Zahir é a palavra que admite mais de um sentido. No estudo jurídico é na matéria de Zahir que surge o Ta’wil. Assim sendo, não é aceitável que algum sentido de um termo zahir sirva de prova ao texto em questão, em todas as circunstâncias.

Não é possível efetuar Ta’wil a menos que exista uma prova adicional, uma indicação que se diferencie do sentido evidente. Ta’wil é um ramo de grande importância no estudo alcorânico, tendo a função de corrigir o entendimento com base nas regras gramaticais do idioma árabe, nas evidências racionais e da tradição.

Um exemplo de zahir e a interpretação (ta’wil) encontra-se no ayat: “O Beneficente está estabelecido no Trono do Poder…” (20:5)

Se o zahir for observado sem a devida atenção às demais possibilidades, o sentido dos termos Trono (arsh) e estabelecido (istiwal) pode ser inferido como elementos materiais.

Com base em outro ayat: “nada se assemelha a Ele…” (42:11) Conclui-se, seguindo a prova racional que, uma pessoa que esteja assentada num trono está limitada ao mesmo, mas Deus não está limitado, pois nada se assemelha a Ele. Portanto, os termos no versículo são utilizados metaforicamente (não sendo correto intepreta-los em seu sentido literal).

Mujmal refere-se ao texto que contenha um termo com dois ou mais sentidos e que, todos os sentidos possuam o mesmo valor no contexto.

Portanto “Nas” (texto – na acepção teológica) é um texto perfeitamente estabelecido que não comporta Ijtihad. Trata, de modo geral, de questões fundamentais da vida humana e do relacionamento entre o Criador e as criaturas. Não está limitado ao tempo nem ao local de seu surgimento (revelação). As leis nele fundamentadas se aplicam a inúmeros campos da atividade humana.

Sobre o Ijtihad

“Ijtihad” em seu sentido científico (na lei islâmica) é o esforço intelectual para extrair leis e regulamentos a partir de uma fonte autêntica (“Nas”). O indivíduo que exerce essa função é denominado “faqih” (Jurista).

Ijtihad cumpre um papel vital no processo de revitalização de uma sociedade, possibilitando a formulação de leis necessárias nos diferentes campos da vida da comunidade. O desenvolvimento do ijthad acompanha a evolução da sociedade, fornecendo subsídios para a resolução das novas questões e desafios inerentes à vida moderna.

3 – Consciência

Entre os principais problemas humanos no decorrer da história está o problema da falta de consciência no que se refere aos assuntos da vida.

Na verdade, as teorias filosóficas desenvolvidas no ocidente, a psicologia e a sociologia modernas e o pensamento maxista foram incapazes de apresentar soluções para os problemas e impasses da vida humana.

Consciência está relacionada com a renovação da vida humana; a ausência dela pode resultar em desvio e infortúnio.

A renovação social depende tanto de fatores materiais como de um bom nível de consciência nos indivíduos. Essa consciência, por sua vez, possui vários aspectos:

1 – Concepção dos princípios existenciais, ou seja, dos propósitos da existência, da essência da vida e dos seres. Se o homem não possui alguma percepção desse aspecto, não conta com recursos intelectuais para compreender sua própria essência. Essa carência intelectual não o capacita adequadamente para lidar com os seus semelhantes da maneira correta.

Somente a compreensão da dimensão material não é suficiente para garantir um bom grau de consciência da vida. Uma concepção materialista da vida termina por levar o indivíduo a cometer atos desumanos.

Consciência, na verdadeira acepção do termo, é uma concepção existencial baseada na fé em Deus e no que Ele revelou aos profetas.

A civilização materialista é a principal causa do desvio do homem moderno. Sua concepção se resume no que diz o Alcorão:

“Conhecem apenas o aparente da vida deste mundo, mas estão desatentos sobre a Outra Vida”. (30:7)

Essa concepção tacanha da realidade é a origem de todas as grandes dificuldades enfrentadas pela sociedade humana. Tal concepção limita a existência à busca do prazer não reconhecendo outro valor ou propósito na vida humana senão a satisfação dos desejos.

Se essa falsa concepção se tornar a base moral de uma sociedade ou civilização, certamente conduzirá à ruína do senso de humanidade de seus cidadãos.

Um indivíduo limitado à essa visão da vida tornar-se-á um elemento perigoso que utilizará todos os seus esforços para dominar os demais.

Existem milhões de pessoas pelo mundo vitimadas pela opressão e pelos desejos egoístas de uma minoria. Investimentos gigantescos são feitos na produção de armamentos e bilhões de dólares são gastos em atividades como o consumo de drogas, prostituição, jogos de azar, etc.

O Alcorão descreve essa mentalidade dizendo:

“Aqueles que preferem a vida deste mundo à outra vida, e afastam os demais da senda de Deus, procurando torná-la tortuosa, estão num grave erro”. (14:3)

Assim, para a ummah, como também para todo o gênero humano, libertar-se dessa situação desafortunada é necessário readquirir o entendimento correto sobre a vida neste mundo. Sem isso, nunca os seres humanos alcançarão felicidade nem poderão escapar das forças que os oprimem. O desenvolvimento material é incapaz de libertar o homem desse dilema, ao contrário, poder material sem a correta percepção da realidade espiritual torna-se mais um instrumento de opressão.

É imprescindível aos crentes que entendam que a mudança provém do próprio homem:

“Ele (Deus) não mudará o destino de um povo, a menos que este mude o que tem em seu íntimo. E quando Deus deseja o mal para um povo, ninguém pode impedi-Lo e (esse povo) não tem protetor além Dele”. (13:11)

Uma verdadeira percepção da vida depende do conhecimento do Alcorão, o qual se fundamenta na relação entre o Criador e Suas criaturas.

Diz o Alcorão:

“… a vida deste mundo é um prazer efêmero, a outra vida é a morada eterna!” (40:39)

“Apresenta-lhes o exemplo da vida deste mundo: se assemelha à água que enviamos do céu, a qual se mistura com a vegetação da terra, e esta, se transforma em feno, que é espalhado pelo vento. Deus tem poder sobre todas as coisas”. (18:45)

Assim, o Alcorão apresenta a vida comparando-a com a vegetação, detalhando a interação entre os elementos. A vida no mundo é transitória como uma planta enquanto a vida no Além é permanente.

Ao entender isso, o homem percebe que a vida terrena é somente uma etapa e que ele deve se empenhar na busca do bem-estar na vida do Além. Assim, ele passa a ver as coisas do mundo como perecíveis e transitórias.

“Busca, por meio daquilo que Deus te agraciou, a morada da Outra Vida; e não negligencies a tua porção neste mundo. Sê bondoso como Deus tem sido bondoso contigo, e não causes a corrupção na terra. Deus não ama os corruptores”. (28:77)

“A vida, do ponto de vista alcorânico, é um encargo (uma responsabilidade) e o homem foi criado para exercê-lo.

“Inquiriremos aqueles para quem foi enviada a Nossa mensagem…” (7:6)

Esses versículos demonstram a responsabilidade de um muçulmano nesta vida, pela qual será questionado no Além. Também abordam as ações que contribuem na formação de sua consciência sobre o tema.

A consciência dessa responsabilidade capacita o indivíduo a exercer a paciência nos momentos de dificuldade, ao desempenhar seu papel no processo de autodesenvolvimento ou no desenvolvimento da comunidade a que pertença.

Um dos aspectos dessa consciência é a perspectiva islâmica da importância da riqueza. De fato, o Islam considera os bens materiais propriedades de Deus Altíssimo, enquanto os seres humanos são depositários dessas riquezas. Diz o Alcorão:

“É Ele que envia a água do céu, e com ela, faz germinar todo gênero de plantas, das quais Nós produzimos a vegetação e dela os grãos espigados, bem como as tamareiras, de cujos talos pendem cachos ao alcance da mão; as videiras, as oliveiras e as romãzeiras, semelhantes e diferentes. Reparai em seu fruto, quando frutifica e se torna maduro. Nisso há sinais para os que creem”. (6:99)

Assim, a consciência acerca da vida é o principal fator no processo de revitalização da sociedade. Sem consciência de sua condição e atraso e dos meios que conta para se libertar, uma sociedade nunca é capaz de alcançar um estágio de revitalização.

É um dever dos muçulmanos buscar o entendimento acerca das causas do problema social e dos meios de revitalização. Essa consciência implica conhecer os inimigos do progresso e suas conspirações.

Diz o Alcorão:

“Creem em Deus e no Último Dia, ordenam o bem, proíbem o ilícito e se apressam (na prática) das boas ações. Estes se encontram entre os virtuosos”. (3:114)

Fala ainda dos opressores e de suas estratégias:

“Ó crentes, se obedecerdes aos infiéis, eles vos farão voltar atrás, e então, sereis os desventurados”. (3:149)

“Os que impedem a senda de Deus aos demais, fazendo-a tortuosa, e que negam a vida futura”. (7:45)

“Tencionam enganar a Deus e os fiéis, quando só enganam a si mesmos, sem o perceberem”. (2:9)

O Alcorão também trata da escuridão espiritual que cerca a raça humana e da necessidade de mudança:

“Deus é o Guardião dos crentes, retira-os das trevas para a luz. Quanto aos descrentes, seus guardiões são os sedutores, que os retiram da luz para as trevas. Serão os companheiros do Fogo, e nele permanecerão eternamente”. (2:257)

“Serão iguais o cego e o que pode ver? Ou a escuridão e a luz? Atribuem parceiros a Deus que criaram algo semelhante à Sua criação, de maneira que suas criações possam ser confundidas com as de Deus? Dize: Deus é o Criador de todas as coisas e Ele é O Único, O Dominador”. (13:16)

Assim, o Alcorão orienta o homem e apresenta os meios de sua libertação:

“E aqueles que seguem o Mensageiro, o Profeta iletrado, cuja menção encontram na Torah (Torá) e no Injil (Evangelho), o qual ordena o bem e proíbe o ilícito, tornando lícito tudo o que é bom e vedando as coisas impuras. (Ele) alivia seus fardos e livra-os dos grilhões que os oprimiam. Aqueles que crerem nele, que o honrarem, o defenderem e seguirem a luz que com ele foi enviada, serão os bem-aventurados”. (7:157)

Convoca-nos à reflexão:

“Não meditam no Alcorão, ou há cadeados em seus corações?” (47:24)

“Dize (mais): Ele é capaz de vos infligir um castigo do céu ou da terra sob vossos pés, ou vos confundir em facções (hostis), fazendo com que proveis violência mútua. Vê como evidenciamos os sinais a fim de que os compreendam”. (6:65)

O Alcorão também nos fala sobre o monopólio, a malversação e o esbanjamento dos recursos:

“Os espólios que Deus concedeu a Seu Mensageiro, tomados dos moradores das cidades, pertencem a Deus, a Seu Mensageiro, aos parentes dele, aos órfãos, aos necessitados e aos viajantes, para que os bens não sejam monopolizados pelos ricos dentre vós…” (59:7)

E sobre a política e hegemonia dos opressores, sobre as mudanças sociais e a necessidade de uma comunidade muçulmana:

“E dirão: Senhor nosso, obedecíamos aos nossos chefes, que nos desviaram da (verdadeira) senda”. (33:67)

“E não vos inclineis para os iníquos, (se o fizeres) o Fogo vos atingirá e não tereis, fora de Deus, amigo algum, nem sereis socorridos”. (11:113)

“Essa será a morada da Outra Vida, a qual concederemos àqueles que não desejarem o domínio na terra nem causarem corrupção; e a bem-aventurança será para os tementes”. (28:83)

4 – Autoconfiança e o Papel Comunitário

Quando um indivíduo perde a autoconfiança perde também sua essência e o valor de sua vida. Ele se vê incapaz de assumir responsabilidades ou desempenhar seu papel na sociedade; não podendo utilizar a razão para buscar os meios de sua liberação e da sociedade em que vive.

Os maiores propagadores do derrotismo e da destruição da autoestima nos povos são as forças satânicas e imperialistas.

O Alcorão inspira a autoconfiança e o respeito nos muçulmanos para que sejam capazes de superar os sentimentos de inferioridade e enfrentar os desafios da vida. O Livro de Deus destaca o papel cultural pioneiro dos muçulmanos, dizendo:

“E desse modo, fizemos de vós uma nação mediadora, para que sejais testemunhas da humanidade”. (2:143)

Assim, é papel dos muçulmanos conclamar os demais povos aos valores da justiça, da verdade, da independência e dos bons princípios morais.

Diz o Alcorão:

“A Deus pertence tudo o que há nos céus e na terra, e para Deus retornarão todos os assuntos”. (3:109)

Quando esses ideais se enraízam no coração dos muçulmanos, a comunidade adquire força para superar os obstáculos e romper as correntes.

Os inimigos do Islam lançaram uma guerra psicológica contra os muçulmanos, tentando convencê-los de sua incapacidade e fraqueza. De fato, muitos muçulmanos cederam diante desse discurso derrotista. Essa atitude refletiu-se no processo econômico e político em vários países muçulmanos, nos quais o estilo de vida e o pensamento ocidental foi adotado em detrimento da tradição e do conhecimento dos nacionais. O termo “estrangeiro” passou a ser utilizado quase como sinônimo para “superior”. O que se verificou mesmo no mundo acadêmico.

Os jovens muçulmanos adotaram os costumes ocidentais acreditando que o ocidente representava a vanguarda do progresso. O mundo político também rendeu-se a um complexo de inferioridade diante das potências ocidentais, demonstrando-se incapaz de gerir suas nações sem o auxílio delas.

5 – Vontade de Transformação

Para que atinjamos nossos objetivos necessitamos de uma vontade forte e determinação. Essa vontade se manifesta quando enfrentamos desafios e dificuldades. Se possuirmos uma vontade desse tipo, livre de egoísmo, seremos capazes de atingir nossos objetivos na vida.

O processo social de revitalização também necessita de muito esforço e de vontade coletiva. Somente numa sociedade em que esses valores não estão presentes, a injustiça e a opressão são aceitas. Nesse caso, é praticamente impossível a emancipação, seja econômica, social ou ética.

A mudança trazida pelo Islam é integral e começa no íntimo dos indivíduos, sendo uma revitalização psicológica, espiritual, social e política: “Ele (Deus) não mudará o destino de um povo, a menos que este mude o que tem em seu íntimo…” (13:11)

Com a vontade de transformação todo o processo revitalizador pode ser realizado, por meio do esforço coletivo. As pessoas que realizam essa revitalização na sociedade em que vivem são abençoadas com esse tipo de vontade, não aceitando a dependência em relação às forças da arrogância.

Ao descrever a vontade de revitalização Deus Altíssimo mencionou os Profetas como “o povo da determinação” (U’ulul Azm). Esses nobres Mensageiros assumiram com firmeza a propagação da Mensagem, foram pacientes diante da perseguição e do sofrimento.

Disse Deus Altíssimo ao Santo Profeta (saas):

“Sê paciente, como os resolutos entre os mensageiros…” (46:35)

E disse ao Profeta João (as):

“… observa fielmente o Livro…” (19:12)

O Alcorão descreve o caminho da reforma como um caminho de dificuldades e destaca os exemplos daqueles que seguiram a senda dos Profetas (as):

“… a quem almejar a recompensa terrena, Nós a concederemos; e a quem almejar a recompensa da outra vida, Nós a concederemos; e (também) recompensaremos os agradecidos. Quantos profetas e, com eles, quantos grupos de fiéis lutaram, sem desanimar com o que lhes alcançava, na senda de Deus; não fraquejaram nem se deixaram humilhar! Deus ama os perseverantes”. (3:145-146)

E diz: “Não desanimeis, nem vos aflijais, tereis o triunfo, se fordes fiéis”. (3:139)

A comunidade muçulmana, mais do que em qualquer outra época de sua história, necessita dessa vontade de transformação para que possa libertar-se da hegemonia das potências mundiais. Um processo de transformação com base na cultura e na ideologia islâmica já está em andamento e cabe aos intelectuais e pensadores muçulmanos dedicarem-se a orientação adequada no campo dos ensinamentos do Islam.

6 – Liberdade e respeito a vontade dos indivíduos

A liberdade deve ser considerada de duas perspectivas principais:

a) Liberdade Individual (ou o livre arbítrio)

A respeito dessa liberdade diversas tendências filosóficas surgiram. No pensamento islâmico propriamente dito, houve os filósofos da escola Ash’ari e tendências correlatas que negavam a existência de um livre arbítrio. Isto é, segundo eles, o homem não contaria com liberdade real de escolha. Portanto, suas ações seriam o resultado de uma compulsão natural ou determinada por forças externas. A corrente teológica Ash’arita acreditava que as ações do homem seriam, em última análise, a ação ou a vontade de Deus. Desse modo, o homem estaria privado de escolha.

Outras escolas do pensamento islâmico rejeitam tal teoria e a consideram contrária ao fundamento do Tawhid, que ensina a justiça de Deus. Como poderia Deus privar o homem de liberdade de escolha e em seguida, julgá-lo por suas ações? Qual seria então o valor da ordem ou da proibição de Deus se o homem fosse desprovido da liberdade de escolha?

Assim, de acordo com o ensinamento do Alcorão e da própria lógica, é preciso que haja liberdade de escolha (livre arbítrio) para que exista responsabilidade na ação:

“E não lhe indicamos os dois caminhos?” (90:10)

“Nós dispomos uma senda para ele, quer fosse grato ou ingrato”. (76:3)

“Inquiriremos aqueles para quem foi enviada a Nossa mensagem, assim como inquiriremos os mensageiros”. (7:6)

Em suma, liberdade e responsabilidade são inseparáveis, do ponto de vista islâmico.

b) Liberdade Social

Trata-se da liberdade que é garantida aos indivíduos pelas leis morais, que devem ser respeitadas pelo Estado. Essa liberdade abrange a liberdade política, a liberdade de pensamento, etc.

O processo de revitalização e de progresso da sociedade depende da liberdade social. A ausência dessa liberdade é, na atualidade, o principal fator de atraso.

Uma comunidade precisa, para libertar-se da ignorância, de liberdade de pensamento; somente com isso poderá optar por uma vida melhor.

As tribulações da primeira geração de muçulmanos se originaram da privação de sua liberdade política, sob o domínio de um regime escravista. Os que se levantaram contra esse estado de coisas, sofreram dura repressão e perseguição. Em nossa época esse continua sendo o principal obstáculo aos muçulmanos. Uma política de terror que nega a liberdade da comunidade islâmica.

O Islam estabeleceu a vida política com base na liberdade de participação e na consulta popular. Diz o Alcorão:

“Os fiéis e as fiéis são aliados uns dos outros; ordenam o bem, proíbem o ilícito, praticam a oração, observam o zakat e obedecem a Deus e a Seu Mensageiro. Deles, Deus terá misericórdia. Deus é Poderoso, Prudente”. (9:71)

O Alcorão enfatiza a relação entre a liderança política e o povo; e a caracteriza como uma relação de respeito e amor. O princípio político estabelecido é o do direito dado ao povo de viver na senda da retidão.

Sem dúvida, a forma de governo adotada tradicionalmente no mundo islâmico causou grande males, desrespeitando os direitos do povo e resultou na estagnação, possibilitando a ação dos inimigos imperialistas e sionistas.

7 – Princípios

O processo de renovação social só pode ser realizado se princípios e valores estiverem presentes. Todas as reformas e revoluções da história foram dirigidas por homens de conhecimento e princípios.

Os Profetas e Mensageiros (as) foram encarregados de comunicar os princípios aos povos com o propósito de realizar a renovação daquelas sociedades. O Alcorão afirma que sua mensagem tem o objetivo de conduzir os seres humanos das trevas para a luz, do atraso para a orientação correta.

“Um livro que revelamos para que tires os humanos das trevas para a luz, com a anuência de teu Senhor, para a senda do Poderoso, do Digno de todo louvor”. (14:1)

O Islam é uma mensagem de desenvolvimento e conhecimento; uma mensagem que abrange todos os aspectos da vida humana para atender todas as suas necessidades.

O progresso social e científico atual se deve ao ensinamento alcorânico. A civilização islâmica legou à civilização européia os princípios que nortearam seu avanço material e intelectual.

Não houve questão alguma, fosse individual ou coletiva, que o Islam não abrangesse. O Imam Musa Bin Ja’far (as) disse sobre esse tema: “De fato, tudo está no Livro de Deus e na Sunna de Seu apóstolo”. Os estudos e pesquisas no campo da jurisprudência, do tafsir e da filosofia islâmica dão prova disso.

Frequentemente os seres humanos se empenham nas teorias do conhecimento, da ciência e da filosofia, sem no entanto chegar a um estado de segurança, resolução dos problemas e bem estar. Nossa época testemunhou o colapso do Marxismo, por exemplo. Essa teoria foi considerada o critério para a liberação dos povos na luta contra o imperialismo. Depois de amargas experiências resultantes do atraso material e da opressão, o sistema comunista chegou ao fim.

O sistema capitalista ocidental tentou por todos os meios demonstrar que a cultura do ocidente e o regime econômico do capital forneceriam a solução aos problemas do mundo. Entretanto, esse sistema atirou a maior parte da humanidade na miséria, no atraso e na corrupção moral. O mundo islâmico foi vítima do processo colonizador promovido pelas potências européias, o que é mais que suficiente para que todo muçulmano esteja convicto do que Deus diz no Alcorão:

“Então concedemos a Moisés o Livro, completando (Nossa benção) sobre quem fosse virtuoso, como uma explicação de todas as coisas e uma orientação e misericórdia, a fim de que cressem no comparecimento diante de seu Senhor”. (6:154)

8 – Liderança

Um passo importante na direção da renovação social é uma liderança forte, que possa solucionar o problema do atraso, que seja capaz de entender o sofrimento e ser solidário com o povo que lidera. O processo da liderança correta, tal como a exercida pelos profetas (as) envolve a sabedoria de escolher os melhores para a composição do governo.

O Alcorão aborda em linhas gerais o tema, apresentado a história de alguns profetas (as):

“Há um bom exemplo para vós em Abraão e aqueles que com ele estavam, quando disseram a seu povo: Repudiamos a vós e a tudo que adorais em vez de Deus. Nós vos renegamos e entre nós e vós haverá uma inimizade e uma aversão permanentes, a menos que acrediteis unicamente em Deus. Excetuando as palavras de Abraão a seu pai: “Suplicarei pelo perdão a ti, embora em nada possa te valer diante de Deus”. (Disseram): Senhor nosso, em Ti depositamos nossa confiança e a Ti voltamos contritos; e para Ti será o retorno”. (60:4)

“Mohammad é o Mensageiro de Deus, e aqueles que estão com ele são severos com os descrentes e compassivos entre si. Tu os vês genuflexos, ou prostrados, almejando a graça de Deus e Sua complacência. Suas faces estão marcadas com os sinais da prostração. Tal é o seu exemplo na Torá e no Evangelho, como a semente que brota, se desenvolve e se robustece, e se firma em seus talos, impressiona os semeadores, e por causa disso, Ele suscita o rancor dos descrentes. Deus prometeu aos que tiverem fé e praticarem o bem, o perdão e uma recompensa magnífica”. (48:29)

Também enfatiza o papel da liderança no movimento reformador da sociedade:

“E apegai-vos todos, à corda de Deus e não vos dividais…” (3:103)

O Mensageiro de Deus (saas) lembrou os muçulmanos do compromisso social ao dizer: “Não é muçulmano aquele que não se preocupa com os assuntos dos muçulmanos”. Assim, o Islam tornou “o convite ao bem e a proibição do mal” um dever para os muçulmanos. Dever este a ser cumprido segundo a capacidade de cada um. Se a Ummah (comunidade) abandonar esse dever, merecerá a punição divina.

Sem uma liderança capacitada a comunidade muçulmana não poderá atingir o propósito da reforma social.

Condições materiais para a emancipação

Além dos recursos humanos que mencionamos acima, a renovação social depende também de condições materiais.

Nações como o Japão, a Alemanha e a Coréia do Sul são exemplos de superação de uma situação econômica, agravada pelo domínio estrangeiro. Quando a aspiração por revitalização e reforma social encheu o espírito popular, Japão e Alemanha tornaram-se dois dos mais ricos e poderosos estados do mundo; a Coréia do Sul foi capaz de fortalecer sua economia ao ponto de competir com os demais países desenvolvidos.

Outros exemplos de reforma material e desenvolvimento, desta vez com recursos escassos, foram os da Inglaterra, da Holanda e dos países escandinavos.

Os países islâmicos contam com grande potencial humano e natural e, não obstante vivem num estado de pobreza e de atraso tecnológico.

Também ao olharmos para o regime sionista, verificamos que eles promoveram um grande avanço na agricultura, no coração do mundo islâmico em pouco mais de cinco décadas. Consideremos que assim o fizeram possuindo muito menos terras férteis que alguns países árabes. Os sionistas foram capazes de reunir seus especialistas de diversas partes do mundo e utilizar os recursos de que dispunham. Hoje, Israel possui energia nuclear, superando o mundo islâmico científica e tecnologicamente.

Para uma emancipação material ocorrer quatro condições devem ser previamente preenchidas:

1 – Recursos naturais

2 – Capital

3 – Experiência e Mão de Obra

4 – Boa Governança

Os Recursos Naturais

O mundo islâmico foi abençoado com abundância de recursos naturais.

Deus Altíssimo diz no Alcorão:

“E vos concedeu tudo o que pedistes. Se contardes as graças de Deus, não podereis enumerá-las…” (14:34)

“Ele estabeleceu sobre ela (a terra) firmes montanhas, a abençoou e distribuiu os meios de sustento…” (41:10)

Deus Altíssimo criou o planeta e enriqueceu-o com todos os recursos necessários para o bem-estar do homem. Os problemas e as crises enfrentadas pelo gênero humano são causados pela injustiça, pela ignorância e inação: Deus ordena no Alcorão:

“Foi Ele que vos fez a terra manejável. Percorrei-a por todos os seus quadrantes e desfrutai de Sua provisão…” (67:15)

“E a terra, Ele dispôs para os viventes…” (55:10)

A comunidade humana se vê envolta por problemas quando negligencia a produção, desperdiça os recursos ou permite o monopólio. Na atualidade, milhões de pessoas no mundo sofrem com a fome e a desnutrição. No mundo islâmico, a despeito da abundância de terra fértil e água, sérios problemas alimentares levam à dependência da ajuda externa.

De fato, o problema econômico tem causas políticas e ideológicas. Tais como o plano imperialista de manter o mundo islâmico no atraso. O objetivo desse plano é fazer com que a oferta de petróleo dessas nações corresponda aos interesses econômicos das grandes potências; a dependência alimentar impede que os países muçulmanos utilizem o petróleo como arma na arena político-econômica. Por exemplo, o preço do barril de petróleo em 1979, após a vitória da Revolução Islâmica Iraniana, alcançou 36 dólares, porém desceu para menos de 10 dólares em 1998. Por outro lado, o preço das mercadorias oriundas dos países ocidentais aumentou consideravelmente.

Capital

Os recursos econômicos ocupam a principal posição nos fatores de desenvolvimento e na utilização dos recursos naturais. Sem o capital o desenvolvimento é impossível.

Assim, o Islam encoraja as atividades produtivas e econômicas e estabeleceu leis e normas para a correta administração das riquezas da sociedade.

Infelizmente, apenas uma pequena parte dos recursos resultantes do petróleo chega aos cofres dos países islâmicos em razão da hegemonia das grandes potências.

Atualmente, as populações dos países islâmicos vivem numa situação de pobreza enquanto quantias imensas de dinheiro são empregadas em armamentos e outras grandes quantias vão diretamente para os bancos e companhias norte-americanas e européias. A maior parte dos países islâmicos estão à mercê do capital estrangeiro, submetidos à máquina financeira de juros e empréstimos.

A dependência econômica dos países árabes tornou-se ainda maior após os acordos assinados durante a década de 1970 e em meados dos anos 80. Como exemplo disso, a dívida externa dos países árabes que em 1974 era de 10,8 bilhões de dólares, subiu, ao final de 1985, para 79,69 bilhões de dólares.

Portanto, a dependência econômica é a razão principal para o atraso e a crise social nos países árabes; o que também explica a intervenção estrangeira e a dependência tecnológica; o que mantém o mundo árabe sob o domínio do Ocidente.

Experiência e Mão de Obra

Muito embora o mundo islâmico conte com recursos técnicos, experiência e mão de obra competente, por falta de um planejamento adequado todo esforço tem sido em vão. Os profissionais gabaritados se vêm forçados a emigrar para o ocidente. Um exemplo disso é o grande número de profissionais oriundos do mundo islâmico na área de saúde que contribui significativamente nos países estrangeiros.

Boa Governança

Contando com uma boa governança, que seja capaz de administrar os recursos supramencionados, uma comunidade sem dúvida atingirá a prosperidade. Uma das causas do atraso do mundo islâmico, fato historicamente comprovável, é a má liderança e a administração incorreta dos recursos materiais e humanos.

Fica evidente que a hegemonia das potências ocidentais segue um planejamento que impede a emancipação econômica e política das demais nações. O mundo islâmico, diante dessa realidade, deve estar consciente de que não há outra alternativa viável senão um retorno ao Islam, para que os países muçulmanos possam alcançar a prosperidade, a real emancipação e a renovação social.

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