Pseudociência em prol da islamofobia

Por Ahmed Ismail

A pseudociência ou para falarmos de modo mais claro, a perversão do conhecimento científico com fins políticos e ideológicos não é uma novidade. Do embuste tomado por ciência das teorias de Lombroso, ao darwinismo social e a eugenia (norte-americana e nazista) tivemos um século inteiro de crimes cometidos e mesmo “justificados” contra grupos étnicos em várias partes do mundo.

A teoria do psicólogo Nicolai Sennels sobre um suposto comprometimento genético nas populações muçulmanas em virtude do costume do casamento consanguíneo, é na verdade o mais do mesmo, ou mais uma da onda de ressurgência do racismo ideologizado. Sobretudo nos EUA, vimos essa ressurgência (nas últimas décadas) em teorias como a da Curva Bell que pretendia destacar a diferença de QI entre brancos e negros, ou a de Michael Levin que afirmava “que o fracasso dos negros nos EUA era resultante de sua inferioridade natural”. De fato, o que podemos dizer com segurança é que tais teorias são em si mesmas, manifestações patológicas da sociedade pós-moderna.

Antes de abordar as muitas falácias e paralogismos da teoria de Sennels, devemos começar a falar sobre Sennels. Nicolai Sennels é, em princípio, um fanático islamofóbico, e se orgulha disso. É um militante devotado à causa anti-islâmica. Como sabemos, um fanático é alguém que se dedica fervorosamente ao trabalho de distorcer fatos e dados, negar evidências até que a sua conclusão pessoal ou “sua verdade” prevaleça. Nisso, os propagadores da islamofobia não são diferentes de seus semelhantes: os antissemitas, os supremacistas (de qualquer etnia), os racistas e mesmo os fanáticos religiosos, sejam islâmicos, cristãos ou de qualquer outro credo.

Por esta razão Sennels tornou-se tão popular entre os extremistas da direita; seus artigos são publicados em sites tão desacreditados como Death to Islam, Jihad Watch, Portões de Viena, Gatestone Institute, Atlas Shrugs, etc, e em nenhum site respeitável. Por razões óbvias Sennels tem o perfil do “estudioso” a quem os islamofóbicos recorrem para reforçar seus pontos de vista, e que está fadado a ser ignorado por pessoas sérias.

Porém há algo mais sobre Sennels que não favorece sua credibilidade: Nicolai Sennels possui uma licenciatura em psicologia, não é um médico, não é um geneticista, suas teses e opiniões são e continuarão a ser desconsideradas no meio acadêmico e científico. A sua “metodologia de pesquisa” que na verdade, se assemelha mais aos métodos de pesquisa de marketing, carece daquilo mesmo que tenta reivindicar: caráter científico.

Segundo o próprio Sennels, suas conclusões foram formadas por meio de uma curta experiência de trabalho com presos juvenis na prisão de Sonderbro (Dinamarca), onde cerca de 70% dos detidos são de origem “muçulmana” ou de origem estrangeira. Ele também menciona dados recolhidos no hospital psiquiátrico judicial de Roskilde, que atestam a existência de 40% de imigrantes. Assim, a partir desse recorte bastante restrito, algo em torno de uma centena de indivíduos (lembremos que a Dinamarca é um dos países de menor índice de encarceramento) Sennels pretende estabelecer conclusões científicas que estigmatizem 1 bilhão e seiscentos milhões de habitantes do planeta, de diferentes etnias e culturas – digo culturas, pois um dado que Sennels parece ignorar, o chamado mundo islâmico não é e nunca foi uma unidade cultural, comporta um grande número de povos, culturas regionais e etnias.

O seu “método de pesquisa” comete outro grande equívoco: ele faz um recorte preciso para produzir resultados que confirmem suas ideias. Ora, restringir o campo de pesquisa à instituições destinadas a indivíduos socialmente desajustados ou mentalmente doentes, e então “concluir” que um povo, comunidade ou etnia inteira possui comprometimentos físicos ou mentais – assemelha-se a uma pesquisa realizada num prostíbulo, cujas conclusões venham a ser “o índice de virgindade é zero” ou “não existem monges nos prostíbulos”.

Assim, a conclusão de Sennels de que “os muçulmanos são mais propensos ao crime e a violência” ou que “a cultura islâmica possui duas características: terrorismo e endogamia, e que ambas estariam interligadas”, está no mesmo nível da opinião dos “estudiosos raciais estadunidenses que dizem “os negros são mais inclinados ao crime”. Isso decididamente não é ciência: é doutrinação política e ideológica.

O que levanta a próxima questão: O que realmente a ciência diz sobre riscos de casamentos consanguíneos?

Dados científicos (comprovados) sobre a relação entre doenças congênitas e casamentos consanguíneos

Recorremos evidentemente à dados de entidades científicas reconhecidas e aptas para essa avaliação: OMS (organização Mundial de Saúde) e NSGC (National Society of Genetics Counselors) dos EUA. Esta última afirma: “O risco de defeitos congênitos em crianças nascidas de primos primeiros é aumentado de uma linha de base de 3-4 por cento para 4-7 por cento de acordo com a Sociedade Nacional de Conselheiros Genéticos (NSGC).  Na atualidade, esse risco pode ser mitigado mediante a exigência de testes genéticos pré-maritais. O NSGC, no entanto, considera o risco ser tão insignificante que não recomenda testes ou rastreio adicionais.”

O professor Alan Bittles é líder de pesquisa no Centro de Genômica Comparada, Murdoch University, Perth, Austrália e Professor Adjunto de Genética Comunitária na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Edith Cowan.  O professor Bittles publicou mais de 200 artigos sobre genética humana. Para Bittles, 35 anos de pesquisa sobre os efeitos na saúde do casamento entre primos o levaram a acreditar que os riscos de se casar com um primo foram muito exagerados. Não há dúvida de que as crianças cujos pais são parentes biológicos próximos estão em maior risco médio de herdar doenças genéticas, mas os riscos de doença e morte precoce são apenas 3 a 4% mais elevados do que no resto da população. E os riscos se aplicam principalmente aos casais que são portadores de doenças que normalmente são muito, muito raras. “Em mais de 90% dos casamentos entre primos, o risco [de ter um filho com uma anomalia genética] é o mesmo que para a população em geral”, disse Bittles. Além disso, muitos estudos sobre os efeitos do casamento entre primos não levam em conta a influência de fatores não genéticos sobre a saúde infantil, como status socioeconômico, dieta materna durante a gravidez e infecções.  (fonte – site Hypescience)

Diz ainda o Prof. Bittles: “O conhecimento existente sobre consanguinidade tende a evidenciar os resultados clínicos negativos das uniões entre pessoas aparentadas que afetam uma minoria de famílias em países desenvolvidos. Entretanto, muito pouco é conhecido sobre a proporção de casais aparentados cujas crianças não possuem anomalias deletérias evidentes, e para quem não são mensurados os benefícios socioeconômicos que parecem óbvios. Cabe acrescentar que fatores paralelos representam um aumento de risco semelhante; como a idade materna avançada (acima dos 35 anos) em que a incidência de anormalidades fetais alcança 4 a 7 por cento. (Acaso deveríamos também proibir essas mulheres de ter filhos?)

Fica evidente que o “amador (odiador) Sennels, além de exagerar os riscos de forma grotesca, omitiu ou ignorou fatores muito mais importantes para a incidência de doenças e deficiências em qualquer população do mundo: fatores socioeconômicos – problemas na gravidez e no parto – populações desatendidas (ausência de vacinação e políticas profiláticas).

Há uma grande distância entre dados comprovados e realidade científica, da exploração oportunista e do exagero desses dados com finalidades ideológicas e políticas. É a partir da distorção explícita de dados científicos e estatísticos que Sennels e muitos de seus seguidores estabelecem suas “verdades criminosas” acerca do Islam e dos muçulmanos.

Cultura Islâmica = Endogamia?

A associação entre cultura islâmica e endogamia (ou casamentos consanguíneos) apresentada da maneira como Sennels faz, é o ponto mais frágil e mais evidente de seu charlatanismo intelectual. Muito embora o casamento consanguíneo seja comum e tradicional em muitas sociedades islâmicas, não é e nunca foi um preceito, ordem ou mandamento religioso, como Sennels e alguns de seus seguidores afirmam cinicamente em seus textos; em um desses muitos textos encontramos o seguinte: “Esta prática de endogamia nunca desaparecerá no mundo muçulmano, uma vez que Mohammad é o último exemplo e autoridade em todos os assuntos, incluindo o casamento”.

Mencionam o casamento de Imam Ali (A.S.) com a nobre Fátima (A.S.), filha do Profeta do Islam (S.A.A.S.), mas esquecem de mencionar (ou omitem de modo deliberado) que, o mesmo Profeta (S.A.A.S) recomendou “escolher uma esposa de uma tribo diferente da sua, escolher para seu filho uma esposa de uma terceira tribo e procurar uma segunda garota para outra criança”. Dificilmente haverá alguma autoridade religiosa respeitável que assine embaixo dessa tolice de que a endogamia é uma marca do Islam – a endogamia tem raízes culturais muito anteriores ao Islam, e não há nenhum texto estipulante alcorânico ou da sunna autêntica que endosse a ideia de se tratar de uma obrigação religiosa.

Assim, Sennels e seus pares jamais poderão provar essa noção de obrigatoriedade do casamento consanguíneo no Islam. Porém, mentem ou omitem outra verdade evidente para qualquer pessoa minimamente informada: a prática da endogamia nunca foi e não é limitada ou exclusiva aos povos islâmicos. O exemplo dos paquistaneses imigrantes no Reino Unido e na Dinamarca, que tanto incomoda a Sennels, é apenas mais um na vasta região do subcontinente indiano e de todo sudeste asiático, onde povos de ampla maioria não-muçulmana, de credo hinduísta, animista e budista, praticam a endogamia há milênios. Também é uma prática relativamente comum em comunidades religiosas restritas como os mórmons e os judeus hassidistas. É curioso que para Sennels, os males da endogamia não afetam essas outras etnias e povos, somente os muçulmanos (que não constituem um povo ou etnia). Antropólogos identificam entre as razões para a continuidade desse costume em muitas comunidades e etnias do mundo, a preservação do patrimônio na família e a criação de uma unidade restrita (fechada), capaz de sobreviver em situações de instabilidade (guerras, perseguições, etc.).

Miguel Martinez, num texto esclarecedor sobre o tema, comenta: “Israel parece constituir um laboratório excepcional de estudos sobre grupos endogâmicos. Como os muçulmanos palestinos, os cristãos também palestinos e muitos grupos judeus que vêm de todo o mundo, são endogâmicos. A endogamia (ao contrário do que diz Sennels) é permitida pela lei judaica, não só entre primos; por exemplo, um tio pode se casar com sua sobrinha, enquanto uma tia não pode se casar com seu sobrinho.”

Cultura Islâmica = Violência?

Outra associação propagada por Sennels, a partir daquilo que ele chama de “pesquisas”, é a associação entre cultura islâmica e violência. Segundo ele, uma relação indissociável entre Islam e terrorismo, e mais do que isso:  o Islam como uma cultura centrada na violência, que produziria (em virtude da endogamia) perfis ou personalidades criminosas.

Contra Sennels, estão os dados que refletem a realidade: não temos 1 bilhão e meio de assassinos – não temos milhões de terroristas – não temos sociedades de maioria muçulmana em pleno estado de dissolução, vitimadas pela violência endêmica. Se acaso Sennels tivesse alguma razão as organizações terroristas islâmicas e o número de atos terroristas seriam centenas ou milhares de vezes maior do que realmente são.

O ponto mais fraco na teoria de Sennels é justamente este: se os comprometimentos genéticos na população islâmica produziram em tal proporção indivíduos potencialmente criminosos, essa teoria haveria de ser comprovada no seio dessas mesmas sociedades – e acerca disso, senão todos, ao menos os mais relevantes indicadores de violência social contradizem as “conclusões científicas” de Sennels.

No que diz respeito especificamente à violência de forma genérica, os dados estatísticos mais completos e sérios demonstram que nos países de maioria muçulmana, em muitos dos indicadores gerais, a violência não está acima da média mundial, e em alguns dados como o homicídio, os índices nesses países são os mais baixos do mundo.

Vejamos os índices mais recentes de homicídio no mundo:

Dados mais recentes (2013/2014) – United Nations Office on Drugs and Crimes (UNODC) (número de homicídios médio em cada 100.000 pessoas)

Os Dez Primeiros do Ranking

Honduras-  90 homicídios em cada 100.000 pessoas
El Salvador – 62 / c. 100.000
Venezuela – 54 / c.100.000
Trinidad & Tobago  46 / c.100.000
Belize – 45/ c.100.000
Ilhas Virgens- 40 / c.100.000
Colômbia – 45 / c.100.000
Guatemala- 38 / c. 100.000
Brasil – 27 / c.100.000
Bahamas – 25 / c.100.000

(todos os países com população de maioria cristã (mais de 90%))

Índices de alguns dos 57 países de maioria muçulmana:

Argélia – 2/ c. 100.000
Omã – 0,1 / c. 100.000
Egito- 4 / c.100.000
Iraque – 8 / c.100.000
Somália – 8 / c.100.000
Marrocos – 2 / c.100.000
Kuwait – 2 / c.100.000
Jordânia – 3/ c.100.000
Arábia Saudita – 2 / c.100.000
Líbano – 2 / c.100.000
Indonésia – 2 / c.100.000
Senegal – 2 / c.100.000

Nota: O que explica os índices de violência de um país são os fatores políticos, econômicos, sociais e históricos em que vive, não necessariamente a religião.

Sennels desconsidera todos os demais fatores, justamente os fatores de maior relevância para os especialistas no assunto, imaginando que qualquer suposto comprometimento genético poderia gerar uma cultura de ódio e violência materializada numa religião. Nada do que os estudos mais confiáveis sobre as sociedades de maioria islâmica afirmam corrobora as opiniões de Sennels. Além disso, a própria ideia de que a criminalidade tem origem em causas genéticas, é reconhecidamente falsa. Na atualidade, tudo o que conhecemos sobre a ciência da genética aponta para o fato de que “todas as características genéticas encontram-se na base da raça humana (que é uma só)”, de modo que nenhuma característica genética é exclusiva ou predominante nesta ou naquela etnia – está presente em todas as etnias e povos. Por isso, os fatores sociais é que são determinantes no desenvolvimento de uma ou outra característica.

Todos os graves problemas como o tráfico de drogas, o tráfico humano, o crime organizado são problemas verificáveis em todos os países do mundo, com características bem definidas em países pobres, em países em desenvolvimento e em países ricos.

Doenças Mentais, doenças e deficiências congênitas = Cultura Islâmica e endogamia islâmica?

Outra falácia que constituiu a “teoria Sennels” é a de que a endogamia milenar entre os muçulmanos causou uma endemia de doenças mentais e doenças congênitas nas sociedades de maioria islâmica. Esse “palpite” está muito longe de ser comprovado estatisticamente – nenhum dos indicadores e dados disponíveis, das organizações mais sérias e reconhecidas no mundo, atesta qualquer incidência de tais problemas acima da média em países de maioria muçulmana. Por essa mesma razão Sennels recorre a “seus dados exclusivos” e aos dados “fabricados” diariamente pelos fanáticos de grupos como o Gatestone Institute, Jihad Watch e tantos outros.

Na realidade, em virtude do amplo espectro de doenças consideradas “doenças mentais”, não temos um quadro muito detalhado da incidência de cada uma delas no mundo. Os dados mais confiáveis apontam para algo em torno de 10% da população mundial a percentagem de indivíduos sofrendo de algum transtorno mental.  Novamente, a análise dos especialistas contraria as teorias de Sennels: os fatores psicológicos (pressões, crises, etc), fatores socioculturais, estilo de vida, problemas hormonais e o consumo de substâncias tóxicas são considerados fatores preponderantes para o desenvolvimento de doenças mentais; o fator genético é apontado como um fator de menor importância, uma vez que predisposição genética não é uma sentença de condenação para ninguém, são os fatores ambientais mencionados que  podem (ou não) ativar a manifestação da deficiência genética, e não o contrário como Sennels e os muitos fanáticos que o seguem insistem em propagar.

Se tomarmos os dados sobre doenças mentais nos EUA, (número aproximado de norte-americanos que sofrem um distúrbio mental por ano: 61.500.000 – um em cada quatro adultos), teremos uma clara ideia tanto da gravidade do problema como também uma ideia de quão complexo seja estabelecer as causas de forma precisa em países subdesenvolvidos (de qualquer cultura ou religião).

Indicadores

Um indicador adotado pela OMS na aferição acerca da saúde mental é a taxa de suicídios; países de maioria muçulmana como Egito, Arábia Saudita, Irã registram a mais baixa incidência no mundo.

Taxas de suicídio no mundo, os dez países de maior incidência:  Guiana – Coréia do Norte – Coréia do Sul – Sri Lanka – Lituânia – Suriname – Moçambique – Tanzânia – Nepal – Cazaquistão.

No que diz respeito às deficiências congênitas (dentre elas a deficiência mental em todos seus níveis) os dados oficiais e mais confiáveis apontam para uma incidência ao redor de 10% da população mundial – o ponto de vista das maiores autoridades no assunto é similar: essa incidência tende a ser maior, em torno de até 15%, nos países subdesenvolvidos; e quanto mais pobre for o país, mais chances terá de elevar esse índice. Nenhum deles conclui coisa alguma parecida com as conclusões do leigo prof. Sennels, que tenta provar o improvável: que a endogamia islâmica (que nunca foi exclusiva dos muçulmanos) produziu uma endemia de deficiências nos países de maioria muçulmana. Em vez disso, a OMS e outra entidades sérias e reconhecidas nessa área, apontam de forma evidente que os fatores sociopolíticos e econômicos são preponderantes na incidência dessas deficiências:

– Oitenta por cento das pessoas com deficiência vivem nos países em desenvolvimento (PNUD).
– O Banco Mundial estima que 20% das pessoas mais pobres tenham uma deficiência.
– Segundo a UNICEF, 30% dos jovens que vivem na rua são deficientes.
– Nas zonas de guerra, por cada criança morta, três são feridas com uma deficiência permanente.

Ou seja, a pobreza endêmica e o caos sociopolítico e as deficiências caminham juntas em toda parte do mundo, e em nada isso tem a ver com cultura ou religião de quaisquer povos.

De pressupostos falsos, suposições equivocadas

Baseando-se nessa pseudociência, que Sennels pretende apresentar como “genética” ele e seus seguidores arriscam suposições sobre o que seriam segundo eles, provas da incapacidade intelectual dos muçulmanos, resultante dos problemas genéticos criados pelo costume do casamento consanguíneo. Vejamos algumas dessas “provas”:

“Apenas 9 muçulmanos já ganharam o Nobel e cinco deles foram o Nobel da Paz…” Tomar o Nobel como um indicativo de inteligência coletiva ou ausência disso é por si só, uma atitude risível. Pessoas normais (e de inteligência normal) estão aptas para saber que o surgimento de indivíduos de destaque numa área científica, por exemplo, é mais o resultado de investimentos maciços e prolongados em políticas de educação, do que qualquer imaginável “genialidade genética” deste ou daquele povo. De maneira que, novamente Sennels e seus fanáticos admiradores recorrem a dados para distorcer a realidade e demonstrar apenas o que lhes interessa: não é o mundo muçulmano que se encontra em defasagem educacional em relação aos países do primeiro mundo, é todo o resto do mundo que não alcançou o nível de desenvolvimento que permita esse aperfeiçoamento nas áreas do conhecimento científico. Portanto, pelo menos uma centena de países do mundo, da África, das Américas e de partes da Ásia e Oceania (de todas as religiões ou nenhuma) é que se encontram à margem desse “estado da arte” científico. Quem, em sã consciência (além desses fanáticos) diria que o povo chileno, o povo guatemalteca ou o povo namíbio são povos “intelectualmente inferiores” por não figurarem entre os campeões do Nobel?

Outro ponto a se mencionar sobre o Nobel é a sua conhecida história de ingerência política por parte das potências, sobretudo dos EUA, sabemos que há um grande número de prêmios Nobel conferidos segundo a agenda política do poder mundial em determinado momento. Decididamente, se existe alguma forma confiável de auferir níveis de inteligência deste ou daquele povo ou etnia, o prêmio Nobel não é uma delas.

Outra “prova” de acordo com Sennels e seus seguidores, da “inferioridade intelectual dos muçulmanos” seria o seguinte dado estatístico: “o mundo árabe traduz apenas 330 livros por ano, cerca de 20% do que a Grécia faz. Nos últimos 1.200 anos, apenas 100.000 livros foram traduzidos para o árabe, o que a Espanha faz em um único ano.”

Aceitando por suposição que esses dados (cuja fonte nunca é citada) sejam verídicos, encontramos de imediato alguns pontos fracos em tal argumentação.

– O árabe é língua oficial em 25 países – o mundo islâmico (países de maioria muçulmana) é composto atualmente de 57 países. Isto é, o dobro dos países onde o árabe é língua oficial. O que equivale dizer que, os muçulmanos do mundo se expressam por muitos outros idiomas importantes, como o farsi, o urdu, o turco, o francês, o inglês, o indonésio, o hindi, etc. Mesmo nos países em que o árabe é língua oficial há uma imensa população de falantes de outros idiomas, sobretudo inglês e francês. Basta verificar que o árabe é falado no mundo como língua materna por algo em torno de 280 milhões de pessoas (de religiões diferentes) enquanto que, o número de muçulmanos no mundo é de 1 bilhão e 600 milhões.

Em suma, se realmente há um número baixo de traduções para a língua árabe, esse dado de nada serve para aferir o nível intelectual dos muçulmanos do mundo. Além disso, o sr. Sennels, demonstrando novamente sua pequena capacidade intelectual, ignora que existe uma considerável produção literária em árabe (uma vez que o idioma é um dos mais falados no planeta); e ignora ainda os fatores culturais que influenciam no interesse de produção literária de consumo (best sellers, etc) o que leva a uma demanda menor ou maior de um determinado segmento de literatura neste ou naquele país. Imaginar que um indiano, um chinês ou um paquistanês devem ter o mesmo interesse literário que um australiano ou um canadense, e que esse interesse seja um indicador de QI, é mais uma “alucinação fanática” de Sennels e daqueles que comungam das mesmas fantasias.

 

 

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