Por: Ahmed Ismail
O caráter universal e perfeito do Islam é evidenciado em sua abrangência que oferece respostas a todas as questões da vida humana. O Alcorão denomina a si próprio como O LIVRO DISCERNIDOR, que orienta os humanos em todos os seus objetivos e assuntos e mais do que isso, revela o conhecimento correto da sutil ligação entre os assuntos materiais e espirituais, a relação recíproca entre estas duas faces da existência humana; e é este o caso da questão da prosperidade.
Comumente, a idéia de prosperidade é relacionada a uma privilegiada posição financeira e social. A compreensão da maioria que de modo geral, não vai além da percepção do aparente, convencionou interpretar a prosperidade segundo este padrão meramente material o que demonstra o quão longe da realidade mais abrangente se encontra o entendimento do homem, quando desprovido da luz e da orientação divina.
Para que possamos compreender o verdadeiro significado da prosperidade é preciso que recorramos aos versículos sagrados na busca do conhecimento de certos aspectos da condição humana neste mundo e de como o Plano Divino estabelece sua justiça, de como revela seus propósitos na vida dos seres humanos.
Diz Deus O Altíssimo no Alcorão:
“Teu Senhor prodigaliza e provê, na medida exata, a Sua mercê a quem Lhe apraz, porque está bem inteirado e é Observador dos Seus servos”. (C.17 – V.30)
“Sabei que Deus é o Sustentador por excelência, Potente, Inquebrantabilíssimo…” (C.51 – V.58)
Nestes e em outros versículos sagrados, se anuncia aos humanos que todos os bens desta vida terrena e da vida futura pertencem de modo exclusivo a Allah e Ele, em sua infinita sabedoria e prudência concede a cada criatura na medida e da maneira que determina. Seja a provisão ou o incremento da provisão (o que podemos entender como riqueza) dependem da permissão divina, pois Ele é o verdadeiro dono de todas as riquezas e benefícios. Porém faz-se necessário neste ponto fazermos uma perfeita distinção sobre o que vulgarmente chamamos de “riqueza material” do que verdadeiramente é “prosperidade”.
Todos os dias nos deparamos com sinais evidentes que essas duas coisas nem sempre estão juntas. A prosperidade envolve o bem estar em todos os sentidos, nela, não só os bens são multiplicados, mas a própria sensação de satisfação se multiplica. Satisfação com o que se possui, o que induz a pessoa a tranqüilidade e a paz de espírito, logo, não é algo que dependa apenas do bem estar financeiro, depende também do bem estar do coração e da alma. A pessoa que pode ser considerada próspera e a que, não necessariamente pode ser considerada rica, mas a que recebeu de Allah, a satisfação e um coração grato pelo que lhe foi dado e que por meio de seus bens outros também são beneficiados.
A prosperidade, portanto, possui um vasto sentido que abrange o bem estar físico e psíquico. O que é agraciado com ela é aquele que foram lhe conferidas dádivas materiais que não se tornam fontes de angústia, insegurança e perdição espiritual para ele. Já a riqueza no conceito vulgar adotado pela visão puramente materialista, é a que nenhuma das outras dádivas foram concedidas, quase sempre não é acompanhada da satisfação (o que faz seu possuidor tornar-se um escravo na busca de multiplica-la mais e mais), quase sempre é fonte de insegurança, luxúria, esquecimento e ingratidão para com Allah. A total ausência de paz de espírito o que conduz seu possuidor à infelicidade neste mundo e a ruína na vida futura.
Esta importante distinção é evidenciada no Alcorão:
“E que Ele enriquece e dá satisfação”. (C.53 – V.48)
A satisfação em seu amplo sentido é exatamente a dádiva que se relaciona a prosperidade e, ao vermos a concepção de riqueza que predomina no mundo percebemos que é a ausência de satisfação que impulsiona os chamados ricos a uma vida cheia de artificialidade, vaidade e luxo. Para preencher este vazio de satisfação espiritual e para manter este estilo de vida entregam-se a todo tipo de coisas e ações abomináveis, exploram seus semelhantes na ânsia de possuir sempre mais e tudo o que conseguem é viver cercados de bens materiais que os fazem mais se sentirem prisioneiros do que senhores do que possuem.
Definitivamente, prosperidade nada tem a ver com esse padrão de riqueza. De qualquer modo, tal padrão é mais como uma armadilha em que o homem arruína sua alma em troca de coisas que deixarão de lhe pertencer no momento em que fechar os olhos para este mundo.
Diz Deus O Poderoso no Alcorão:
“A quem quiser as coisas transitórias (deste mundo), atendê-lo-emos ao inferno, em que entrará vituperado, rejeitado. Aqueles que anelarem a outra vida e se esforçarem para obtê-la, e forem fiéis, terão os seus esforços retribuídos. Tanto a estes como àqueles agraciamos com as dádivas do teu Senhor; porque as dádivas do teu Senhor jamais foram negadas a alguém”. (C.17 – 18 a 20)
A lógica divina diz ao homem que na direção em que seus esforços forem empenhados ele será retribuído, e propõe como sabedoria o buscar o que for melhor na vida terrena e na vida futura e não negligenciar o bem da vida futura em favor dos benefícios terrenos. Os que escolherem isso, jamais terão “prosperidade”, pois os bens se tornarão para eles fonte de aflição, insegurança, insatisfação e ruína espiritual.
De modo algum se equipararão àqueles que por seu amor a Allah são agraciados com bens terrenos na medida em que isso não lhes seja prejudicial a alma, e que por serem generosos e tementes, Allah multiplica esses benefícios e acrescenta-lhes em gratidão e satisfação. Tampouco se compararão aos que também devotaram amor a Allah e que foram privados de muitos bens terrenos e se mantiveram generosos, gratos e satisfeitos com o quinhão que lhes foi dado e por isso serão recompensados ainda mais na eternidade.
Na atualidade, nas sociedades capitalistas modernas é um fenômeno evidente o surgimento de seitas desviadas que negando a realidade espiritual da prosperidade têm propagado noções falsas baseadas na cobiça. Traficam os interesses mesquinhos e dão aos incautos uma visão distorcida da religião em nome de uma enganosa prosperidade. Alimentam nas mentes carentes de raciocínio a idéia incorreta de que a benção divina seja necessariamente o conforto mundano, a ausência de dificuldades e a solução para todos os problemas. Os muito tolos que os seguem, esquecem que muitos dos profetas, as pessoas mais amadas e abençoadas por Allah, viveram em extrema pobreza e sofreram grandes vicissitudes em sua vida terrena.
Um outro ponto em que esta lógica divina se manifesta é a liberalidade de Allah que nos dispõe recursos variados sejamos nós justos ou injustos, gratos a Ele ou não, para que possamos efetivar nossos objetivos. Este ponto nos apresenta a sutil natureza de “prova” que está envolvida na existência humana em sua curta passagem neste mundo.
Diz Deus no Alcorão:
“Quando a adversidade açoita o homem, eis que Nos implora; então, quando o agraciamos com as Nossas mercês, diz: Certamente que as logrei por meus próprios méritos! Qual! É uma prova! Porém, a maioria dos humanos o ignora. Assim falavam também os seus antepassados; porém, de nada lhes valeu tudo quanto haviam lucrado”. (C.39 – V.49 e 50)
O Alcorão apresenta aqui um exemplo muito significativo de como os bens são tornados instrumentos do propósito divino para provar o homem. Duas características se sobressaem e estão intimamente ligadas no padrão comportamental aqui exemplificado: Primeiro, a ingratidão que faz esquecer a adversidade e a penúria, segundo, o orgulho e a auto-exaltação que rapidamente substituem a humildade do que antes pedia. As palavras “ASSIM TAMBÉM FALAVAM OS SEUS ANTEPASSADOS” demonstram que este padrão comportamental é constante no homem, em todas as épocas e sociedades, porque lhe falta o conhecimento autêntico da origem dos benefícios. Conseqüentemente, seu entendimento comum não o capacita a definir “riqueza real”, prosperidade real, pois se baseia no que lhe parece ser, não no que realmente é.
E esta condição de cegueira espiritual só pode ser transformada pela luz do conhecimento do din, a que capacita o homem a perceber a realidade num sentido mais vasto. Apenas numa linguagem óbvia algo disso pode alcançá-lo.
Se dissermos a alguém que não importa o tamanho do benefício, mas sim, o que aquele que o recebe fará com ele, provavelmente essa pessoa nos questionará, argumentará em contrário ou não entenderá o que foi dito, porém a vida nos dá exemplos muito claros dessa realidade.
Quantos homens humildes não se tornam soberbos ao conseguirem um cargo de autoridade? Quantos não abandonam a bondade de caráter e não se tornam tirânicos quando conhecem a abundância? E quantos ainda não encontram a destruição através daquilo que pensaram ser a chave para a felicidade e a realização? Ora, um homem pode possuir uma corda de ouro e ainda assim enforcar-se com ela!
Na realidade mais abrangente, para a qual não conta apenas o bem estar material muitos estão a enforcar-se com as cordas que lhes foram dadas. Por isso a prosperidade torna-se rara. Na ânsia do acumular bens este padrão comportamental vicioso não reconhece a autoridade divina, estabelece seus próprios meios (não importando se são lícitos ou não para Allah), toma a avareza e a astúcia como mestres, portanto o que considera prosperidade está longe de ser uma benção, é mais como uma boa corda para se enforcar.
Diz O Altíssimo no Alcorão:
“Quando ao incrédulo, que a sua incredulidade não te atribule, porque o seu retorno será a Nós, e então o inteiraremos de tudo quanto tiver feito; Deus é Conhecedor das intimidades dos corações. Agraciá-los-emos um pouco; então, lhes infligiremos um severo castigo”. (C.31 – V.23 e 24)
E diz ainda:
“Qual! (Este) é o fogo infernal, Dilacerador dos membros, Que atrai o renegado desdenhoso, Que acumula e guarda! Em verdade, o homem foi criado impaciente; Quando o mal o açoita, impacienta-se; Mas, quando o bem o acaricia, torna-se tacanho; Salvo os que oram, Que são constantes em suas orações, E em cujos bens há uma parcela intrínseca, Para o mendigo e o desafortunado, São aqueles que crêem no Dia do Juízo, E são reverente, por temor ao castigo do seu Senhor…” (C.70 – V.15 a 27)
Esses ayát dão o discernimento perfeito das condições do homem em relação aos benefícios materiais. Demonstram que a prosperidade real é um estado que se refere a um benefício que promove e assegura outro ainda maior; não se restringe ao possuir algo, mas sim, um coração grato àquele que é o Supremo Doador, ser capaz da generosidade e da justiça e manter-se firme na recordação de que tudo e todos retornarão a Allah e prestarão contas de tudo o que tenham feito com o que lhes tenha sido dado. Na verdade, o mais evidente sintoma da ausência da prosperidade real é a avareza. Ao analisarmos com cuidado esta característica humana veremos que ela está profundamente relacionada ao medo e a insegurança, um avarento, não importa o quanto possua, sempre se sente o mais pobre dos homens, dele toda satisfação é retirada, sacia sua fome de possuir num momento e no momento seguinte retorna a angustiante condição de necessitar de mais e de sentir um profundo pavor diante da possibilidade de perder algo, não conhece a satisfação de ser generoso a alguém, não tem sequer o prazer sensorial de gozar os benefícios que o dinheiro pode comprar.
Em suma, muito propriamente deve ser chamado de “o miserável”, pois sua condição é de absoluta miséria, afastado de qualquer vestígio de prosperidade.
Entretanto, há um aspecto mais complexo na avareza, pois ela tornou-se um padrão comportamental milenar sobre o qual sociedades tem delineado o seu trato com os bens. Os sistemas econômicos baseados no acúmulo das riquezas tornaram-se predominantes no mundo. Curiosamente, nessas sociedades, a despeito das riquezas acumuladas e de seus impérios econômicos toda a “prosperidade” que há nada tem a ver com o que o Alcorão nos ensina que realmente seja Prosperidade.
O senso de generosidade, a solidariedade entre as pessoas, o emprego dos bens sociais em proveito de todos, nada disso pode ser verificado. É a avareza que dá as cartas. As riquezas são usadas para gerar mais riquezas para seus donos. Contudo, com a multiplicação constante das riquezas acontece algo a primeira vista inexplicável: a sociedade como um todo se torna mais e mais pobre. Por quê?
Porque se a mentalidade da avareza é dominante jamais nenhum benefício real pode ser conseguido, nenhuma prosperidade pode nascer da avareza. Imam Ali (A.S.) disse: “A causa da cessação do bem estar é o abandono do necessitado”. Este dizer tem um sentido muito mais amplo do que temos comumente identificado, ela não trata de mera caridade (ainda que a caridade esteja implícita nele), o Imam dos Crentes (A.S.) identificou no dizer acima mencionado com precisão o dilema econômico das sociedades humanas: A PROSPERIDADE (DE UM INDIVÍDUO OU DE UMA SOCIEDADE) COMO DOM DIVINO É RESTRINGIDA QUANDO A GENEROSIDADE E A JUSTIÇA DÃO LUGAR A AVAREZA E A INJUSTIÇA”.
E esta condição aflitiva sobre uma sociedade se manifesta em quatro sintomas: a escassez, a inflação, a corrupção e a violência. As sociedades modernas e ricas do chamado primeiro mundo, diante desses quatro males se mobilizou no sentido de criar mecanismos políticos e econômicos para dirigir a exploração das riquezas dos demais países suavizando o impacto interno desses sintomas (transferindo-os para as nações pobres). Porém, não importa o que se faça: se a origem de um sistema econômico é a avareza, sempre produzirá vítimas, sempre se alimentará do sofrimento alheio e jamais encontrará Prosperidade real.
Os grandes usurários que dominam a economia mundial tem multiplicado ano após ano seus capitais e ano após ano nações inteiras tem sido atiradas no poço da miséria e do abandono absoluto.
“Cessação do bem estar” não poderiam haver palavras mais apropriadas, quanto mais o desprezo para com as necessidades da maioria, mais conturbada e insegura se torna a sociedade; os que possuem e podem se chamar de “ricos” vivem uma diária luta para garantir alguma margem de segurança, e os que pouco ou nada possuem convivem com a opulência que lhes é negada, o que os induzem a frustração e a revolta.
O que vemos numa sociedade se reflete na esfera mundial, nações ricas que cuja riqueza é produto de uma secular exploração da força de trabalho associada a uma boa dose de apropriação das riquezas das nações mais fracas, se vêem dominadas pela paranóica ameaça das hordas de imigrantes em busca das migalhas.
A despeito da monumental quantia de capital que transita através das bolsas e do sistema bancário internacional a cada minuto, uma boa parte da família “humanidade” não come todos os dias, mora ao relento, não tem trabalho, não tem água potável, saneamento básico ou energia elétrica. Os bilhões de dólares produzidos ano após ano resultantes do comércio de coisas ilícitas (proibidas e amaldiçoadas por Allah) e da produção de armamentos cada vez mais mortíferos não podem gerar benefícios e muito menos prosperidade. Mesmo que esse dinheiro fosse destinado para alguma iniciativa justa nada produziria de bom, pois Allah é puro e não aceita nada cuja origem seja impura e amaldiçoa todo lucro de tais fontes. Não. Nenhuma prosperidade pode resultar da exploração e da negação dos direitos dos demais.
Temos nossos ricos, mas não podemos dizer que conhecemos “abundância” nem tampouco bem estar.
A questão então é: Se desejamos a prosperidade, não há outro caminho a seguir senão adotarmos as determinações divinas, Allah o Altíssimo, o possuidor de todos os bens visíveis e invisíveis não colocou-nos nesse mundo para que fossemos fustigados pela miséria ou pelo esforço infrutífero. Ao invés disso, dotou-nos de consideráveis faculdades e nos orientou para uma senda de equilíbrio e bem-estar. Tudo aquilo que comprovadamente o homem não pode alcançar pelo acúmulo vicioso da avareza, pelos meios que ferem os direitos de seus semelhantes e pelo egoísmo e a cobiça, Allah coloca ao alcance daquele que abandona tudo isso por amor a Ele.
Quando pensamos na abundância, raramente refletimos no seu profundo sentido, se um homem tivesse uma fonte de água pura jorrando de maneira incessante no fundo de seu quintal, ele se saciaria e espontaneamente cederia de sua água a todos os vizinhos próximos e aos viajantes, nem passaria por sua cabeça negar água a alguém, ele teria grande prazer em partilhar. Isso é prosperidade: Uma fonte incessante de bênçãos que produzem outras e se multiplicam.
Imam Ali Ibn Hussain (A.S.) disse: “Em verdade os que amam Deus não terão nenhum temor e nem conhecerão angústia se firmarem-se nas obrigações para com Deus, seguirem a Sunnah de Seu Mensageiro (S.A.A.S.), evitarem o ilícito, serem tementes nas riquezas terrenas e avaliarem e serem zelosos para com aquilo que é de Deus, esforçarem-se para ganhar o sustento com o que é puro, e não passarem à soberba ou à acumularem bens, pois lhe foi ordenado a doarem em caridade e concederem o zakat. Porquanto são aqueles cujos ganhos são abençoados e serão recompensados pelo que preparam para sua vida futura”.