Por: Ismail Ahmad
A recente visita ao Brasil do Presidente da República islâmica do Irã, que deveria ser não mais do que um ato diplomático absolutamente natural entre duas nações não beligerantes, se transformou numa ocasião para os que, por diversas razões, se engajaram na campanha de desprestígio e hostilidade contra o Irã, campanha esta encabeçada pelo governo norte-americano e a entidade sionista. Tentou-se, sem sucesso, demover o governo brasileiro de suas diretrizes básicas de política internacional com argumentos primários e infundados que não disfarçam um evidente interesse em isolar e marginalizar a nação islâmica na comunidade internacional.
Felizmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Itamaratí não cederam as pressões internas, demonstrando perfeita coerência em seus discursos e objetivos. Muito embora, durante meses nosso Presidente e seus assessores tenham se pronunciado sobre as razões e objetivos da aproximação entre Brasil e Irã, esclarecendo de modo inequívoco os interesses comerciais e diplomáticos mútuos, a grande mídia quase na totalidade fingiu não ouvir o que era dito e se dedicou a instigar a desconfiança e a reproduzir os argumentos (na sua maioria absurdos) contra a visita do Sr. Ahmadinejad ao país.
O Presidente iraniano, contrariando a vontade dos que pensam que podem pautar a agenda do governo brasileiro, foi recebido e ouvido, como qualquer autoridade oficial de qualquer outra nação com a qual o Brasil mantém relações amistosas. Mas afinal, em que se baseiam os argumentos dos que são contra a aproximação diplomática entre Brasil e Irã? O que pode haver de relevante nos infindáveis senões repisados por analistas políticos amigos de Israel, deputados e senadores que provavelmente não localizariam o Irã no mapa-mundi, defensores de ocasião dos direitos humanos e grupelhos bizarros que se uniram para manifestar seu repúdio à visita?
O primeiro ponto a se destacar é a questão do direito ao desenvolvimento da energia nuclear. Nesse ponto, Brasil e Irã partilham da mesma posição e defendem os mesmos interesses. O direito de uma nação (qualquer nação) ao desenvolvimento nessa área com fins pacíficos é inegável. As suspeitas levantadas pelos que se denominam “a comunidade internacional” (quando são apenas uma parte ínfima dela) jamais deixaram de ser suspeitas para se tornarem provas. O Brasil oficialmente não integra o grupo das nações que se vêem no direito de pressionar e manter acesa a chama da suspeita em relação ao Irã. O governo brasileiro defende o diálogo e a negociação, não o enfrentamento, a intervenção e a pressão; e os diplomatas brasileiros ao que parece, não desejam que o contencioso contra o Irã tenha o mesmo resultado da vergonhosa invasão ao Iraque, baseada numa mentira.
Um segundo argumento apresentado por aqueles que se opunham a visita do presidente Ahmadinejad, era que, segundo eles, o Brasil correria o risco de ter comprometida sua imagem no cenário internacional, uma vez que o regime iraniano “não respeita os direitos humanos e os direitos das minorias”. A falácia desse argumento nos propõe uma estranha e irreal posição oficial, que não é partilhada por nenhum governo no mundo. Ou seja, como as relações comerciais podem depender de um conceito político, filosófico ou ideológico? Seguindo semelhante lógica, o Brasil não poderia receber representantes oficiais de quase nenhum país do globo. Como poderia, por exemplo, manter relações comerciais e amistosas com a China, cujo regime discrimina e restringe os direitos da Igreja Católica Romana, prende e cala seus opositores, controla a imprensa e utiliza de mão forte para manter o Tibete? Não me consta que nenhum desses “defensores dos direitos humanos” tenham qualquer objeção a uma visita do primeiro-ministro chinês ao Brasil ou que defendam que o país não deva se aproximar da China. E ainda seguindo essa estranha lógica, como nos explicaríamos aos outros países se, adotando essa linha de pensamento, se negassem a negociar com o Brasil até que nossas cadeias se tornassem “humanas” ou até que a polícia do Rio de Janeiro abandonasse sua política de extermínio?
Os problemas internos do estado soberano do Irã não têm qualquer relação com os objetivos políticos e comerciais de Brasil e Irã, e não vale a pena prolongar a crítica a um argumento tão absurdo. Ademais, se o Brasil pôde receber Shimon Perez, o prêmio nobel da paz que se transformou em criminoso de guerra, pode, naturalmente receber o sr. Ahmadinejad.
O mesmo pode ser dito em relação ao patrulhamento ideológico que se estabeleceu contra o presidente iraniano. É evidente que o governo brasileiro não poderia considerar relevante, numa questão estratégica e econômica, a histeria dos que exigiam que não se recebesse o Sr. Ahamadinejad, em virtude de sua descrença no holocausto judeu. O que, afinal, convicções ou crenças pessoais podem ter a ver com relações diplomáticas? Esta mesma histeria tem se tornado freqüente na praxis política da direita brasileira que, como exemplo, na negociação para a admissão da Venezuela ao Mercosul, reduziu todos seus fracos argumentos contrários a uma rejeição radical à pessoa do Sr. Chavez.
É evidente que no caso do presidente iraniano, a histeria ideológica tem um nome: a salvaguarda da justificação histórica para a existência de Israel. Portanto, a questão era clara: ou o governo brasileiro se submetia aos caprichos e interesses dos amigos de Israel, ou fazia valer os seus próprios interesses. Prevaleceu a segunda e sábia opção. Dezenas de acordos estabelecidos,o compromisso de colaboração mútua e sobretudo, a aproximação de Brasil e Irã estão seguramente acima de tudo isso e sob esse ponto de vista, representaram um grande êxito para ambas as nações.