Conhecendo o Islam – Parte 2

Em nome de Allah, O Clemente, O Misericordioso

Compreendendo a Unicidade Divina

O conhecimento sobre Deus ocupa uma posição de destaque em todas as grandes tradições religiosas do mundo, divinamente reveladas ou não. No Islam, o ponto de partida na abordagem desse assunto é o de que o limitado em sua natureza (a criatura) não pode compreender a totalidade do Ilimitado (O Criador). A essência Divina está oculta a todas as criaturas. Nossa compreensão de Deus está restrita ao que Ele, Exaltado Seja, nos deu a conhecer de Si, por meio do que revelou a seus profetas.

O Islam nos ensina a meditar sobre os Atributos Divinos (Poder, Sabedoria, Amor, Prudência, Justiça e outros) e sobre os versículos alcorânicos que se referem ao tema, sem nunca nos aventurarmos em suposições sobre o que está além de nossa capacidade de entendimento. O Alcorão Sagrado nos diz: “Dize: Ele é o Deus, o Único. O Deus Absoluto. Não gerou e não foi gerado. E não há ninguém comparável a Ele, O Único.” (s. 112: 1 a 4)

E diz ainda: “Tudo o que existe no céu e na terra glorifica a Deus porque Ele é Poderoso, o Prudentíssimo. Seu é o reino dos céus e da terra; dá a vida e dá a morte, e é Onipotente. Ele é o Primeiro e o Último, o Visível e o Oculto; e é Onisciente. Ele foi quem criou os céus e a terra em seis dias, assumiu o Trono. Ele conhece o que entra na terra e o que dela sai, o que desce do céu e o que ascende a ele, e está convosco onde quer que estejais, e vê tudo o que fazeis. Seu é o Reino dos céus e da terra e a Ele retornarão todos os assuntos. Ele insere a noite no dia e o dia na noite e é Conhecedor da intimidade dos corações.” (s:57 v. 1 a 6)”.

A Unicidade de Deus significa também que:

1) Enquanto tudo o que foi criado, ou é um princípio ou um elemento que encontra semelhante na criação; ou é composição de princípios ou elementos (positivo, negativo, macho, fêmea, etc); Deus Altíssimo, é Único, Um em Si, não possuindo semelhante ou equivalente, elemento ou composição em Sua Essência. Não encontramos no universo qualquer semelhança a Ele, quer seja em Sua Essência Divina ou em Seus Atributos perfeitos. Apenas como exemplo, para auxiliar o entendimento, imaginemos a sombra de uma árvore. Esta sombra, ainda que lembre uma árvore, não possui nada da essência ou dos atributos da árvore. O exemplo, porém, não é inteiramente aplicável a Deus, pois Ele está além das formas, uma vez que Ele é, existe antes de que todas as formas fossem por Ele criadas. Assim, qualquer idéia de “semelhança ou imagem” é apenas e tão somente uma figura de linguagem que não retrata a realidade, exceto dentro do exemplo que apresentamos.

2) A crença de que Deus poderia assumir a forma de um homem (encarnação divina) se prova uma hipótese absurda, quando sabemos que o limitado (o que foi criado) em sua natureza e essência, não pode conter o Ilimitado (Deus, o Criador). Matéria, forma, espaço, tempo e todas as suas características não possuem qualquer domínio ou influência sobre Deus, que é Eterno e imaterial enquanto matéria, forma, espaço, tempo e todas as leis naturais têm um princípio e um fim.

3) Supor que Deus se faria homem é supor que o Perfeito se torne imperfeição, que o que está além das limitações naturais deixe de ser Auto-Suficiente e se torne vulnerável a dor, ao medo, ao sono, ao sofrimento, a fome, a morte, etc. A própria razão nos diz que se Deus Todo-Poderoso tivesse tais limitações próprias das criaturas não seria Todo-Poderoso. Assim, nenhuma das necessidades e limitações humanas existem para Deus. Por isso o Alcorão Sagrado nos diz: “Deus, o Absoluto.” Isto é, que não necessita de nada, que é Auto-Suficiente. Todas as criaturas do universo dependem Dele, que é o Divino Mantenedor da Vida. Sabemos também que Ele estabeleceu a dependência entre as criaturas, e que, nenhuma delas é auto-suficiente, o que denota a condição única do Deus Criador.

4) Pelas mesmas razões acima expostas, a crença numa filiação divina, ou que uma criatura (que por natureza está sob as leis do universo) possa partilhar da Essência ou da Soberania Divina, não corresponde a realidade e carece de sentido. O Alcorão Sagrado nos diz: “Não gerou e não foi gerado.” Ressaltando que Deus é absolutamente livre das leis naturais por Ele criadas. Sendo sem par e não tendo sido gerado (pois então teria recebido a vida de outrem) Deus também não transmite nada de Sua Essência. Se alguma criatura, homem ou anjo, compartilhasse de sua Essência ou Soberania seria um outro deus, e se aceitássemos tal hipótese, a própria ordem universal perderia totalmente o sentido; a dualidade se introduziria destruindo o fundamento da origem de todas as coisas.

5) A crença numa trindade divina propõe algo ainda mais confuso. Tal concepção por si só desfaz a possibilidade de uma Soberania Divina ou de uma Auto-Suficiência divina. Supõe que o Deus Criador possui limitações em seu Poder, do contrário como as outras partes da divindade poderiam compartilhar de Sua soberania?

Nenhuma dessas crenças e conjecturas surgiram do que Deus revelou a seus profetas. Suas origens são identificáveis nas culturas pagãs e foram pouco a pouco sendo introduzidas nos textos e cópias das várias Escrituras, num processo sistemático de distorção (adulteração). Este processo se operou no seio dos escribas e teólogos e copistas judeus, depois entre os tradutores e teólogos da cristandade, como um sintoma das influências culturais e políticas das tradições pagãs. Com a perda dos textos mais antigos, as sucessivas adulterações e a introdução de passagens inteiras nas cópias foi possível. Assim, essas e outras crenças confusas foram com o tempo incorporadas à tradição judaico-cristã. Basta uma análise mais cuidadosa para se identificar graves contradições entre o que ainda há das verdades reveladas nos textos e o que foi introduzido pela mão humana.

A fé na Unicidade Divina (Tawhid) é possuir a convicção em todos os pontos explicados acima, que não contém nenhum traço de politeísmo ou idolatria; não associando nada ou ninguém a Deus. Esta é a fé anunciada por todos os profetas e que estava claramente exposta nas antigas escrituras reveladas.

O Alcorão Sagrado nos diz: “Volta a tua face para a fé monoteísta, é a obra de Deus, sob cuja qualidade inata Deus criou a humanidade. A criação de Deus é imutável. Esta é a verdadeira religião; porém, a maioria dos humanos a ignora.(30:30)

E nos diz ainda: “São blasfemos aqueles que dizem: “Deus é o Messias, filho de Maria, ainda que o próprio Messias tenha dito: “Ó Israelitas, adorai a Deus, que é meu Senhor e vosso. A quem atribuir parceiros a Deus, lhe será vedada a entrada no paraíso e sua morada será o fogo infernal! Os iníquos nunca terão quem os socorra.” (s.5 v.72)

A Lógica do Processo Cíclico das Revelações

O ciclo da profecia e das revelações da Lei divina obedeceu uma sábia lógica que acompanhou o amadurecimento da humanidade. De Adão (as), o primeiro a quem Deus escolheu como mensageiro para os seus descendentes, até Mohammad (saas), o selo da profecia, a fiel tradição afirma que foram enviados 124.000 profetas e mensageiros aos povos antigos. Alguns foram anunciadores da fé monoteísta (tawhid), outros tiveram a missão de recordar a anunciação de seus predecessores, e outros ainda, foram enviados com uma nova sharia’h (Lei divina). A alguns deles, Deus Altíssimo revelou Escrituras. Cinco profetas possuíram todos os graus da profecia: Noé, Abraão, Moisés, Jesus (a paz esteja sobre eles) e Mohammad (saas).

As principais escrituras sagradas foram:

– O livro de Abraão
– A sagrada Torah revelada a Moisés
– O Zabur (os Salmos) revelados a Davi
– O Injil (Evangelho) revelado a Jesus
– O Alcorão Sagrado revelado a Mohammad

O Livro de Abrão foi inteiramente perdido. A Sagrada Torah também se perdeu em sua forma pura e original. Não deve ser confundida com o Pentateuco bíblico atribuído a Moisés, que, segundo pesquisadores sérios da atualidade, surgiu muito tempo depois. Sua autoria pertence a sábios judeus que tomando por base documentos mais antigos (que não eram os originais da Torah), pretenderam resumir a história dos primórdios do homem, a saga do povo judeu e a lei mosaica. Os Salmos (que não se caracterizam como uma escritura que trazia uma nova shari’ah), não foram preservados nem em sua totalidade ou fidelidade. Quanto ao Injil revelado a Jesus, não existem quaisquer registros históricos que permitam afirmar que tenha sido escrito ou guardado de alguma forma por algum seguidor ou apóstolo. O que se sabe, com absoluta certeza, é que não se trata dos evangelhos canônicos atribuídos a alguns apóstolos ou seguidores, surgidos décadas depois da ascensão de Jesus, possivelmente com base em relatos ou tradições orais. Não há, ademais, nenhuma evidência segura de que seus autores tenham sido realmente os apóstolos ou seguidores da segunda geração. Com a absoluta falta de cópias dos primeiros séculos, não há também garantia de alguma consonância com os fatos e os dizeres verídicos de Jesus. Apenas o Alcorão Sagrado foi preservado em sua fidelidade e idioma original.

Uma Característica Importante da Sharia’h (Lei Divina)

A sharia’h é formada de dois aspectos distintos: um primeiro que abrange os fundamentos imutáveis que compõem a essência da religião (da fé, adoração, obediência, preceitos principais, realidades universais, etc.). Este primeiro aspecto é em seu conjunto, o que foi revelado a todos os profetas e mensageiros em todos os livros sagrados.

O segundo aspecto é composto dos preceitos temporais e os detalhes específicos de culto em cada ciclo da profecia. Este segundo aspecto correspondia as características de cada povo e o estágio de sua evolução histórica e intelectual, as condições em que vivia, etc. Por exemplo, uma determinada prática ou costume, poderia ser tolerada num período e com revelação da nova escritura, ser vedada por Deus, ou vice-versa, sem que isso representasse uma descaracterização do aspecto imutável da Orientação Divina. Grosso modo, o processo se assemelhava ao das constituições de uma nação. Um crime como o roubo é uma prática vedada em todas as épocas numa sociedade minimamente civilizada e é impensável que uma nova constituição o permita. No caso de uma lei civil é possível que sofra alterações que a sociedade demande.

O Ciclo das Revelações

Obedecendo essa lógica a Orientação Divina foi revelada em estágios. Cada novo mensageiro confirmava o que antes tinha sido revelado, relembrando o tawhid (fé monoteísta) e convocando o povo ao arrependimento e a conversão. Ao final de um ciclo, uma nova sharia’h era revelada.

Dessa maneira, Moisés (as) recebeu a revelação da Sagrada Torah e a anunciou ao povo de Israel. Iniciava-se o ciclo da Torah e com ele, a autoridade de Moisés concedida por Deus em relação a seu povo. A fé e as obras a partir daquele momento estavam vinculadas ao reconhecimento da profecia de Moisés, a fé incondicional no que Deus lhe revelara e a obediência a lei. Não bastava aos judeus alegarem a fé no que Deus revelara a Abraão, a obediência a Deus significava a aceitação da nova shari’ah. Aqueles que naquele período, até o envio de Jesus (as) e a confirmação do Injil (evangelho), viveram crendo no que fora revelado a Moisés, sendo fiéis em suas obras, deixaram o mundo sob a promessa da misericórdia divina e a esperança da salvação. Com o envio de Jesus, o Messias dos judeus, e a revelação do Injil, uma nova shari’ah se tornava vigente. A missão de Jesus consistia em:

– Conclamar o povo de Israel ao arrependimento e ao retorno à Orientação Divina, abandonando os erros promovidos pelos maus sábios, líderes, sacerdotes e escribas.

– Auxiliar o povo a compreender a essência da religião para vivê-la na prática. Libertando-os da ignorância, da cegueira espiritual e das falsas tradições forjadas pelos sacerdotes e teólogos.

– Entregar uma nova Sharia’h (lei divina), liberando o povo judeu de algumas prescrições temporárias.

– Anunciar o envio do Último Profeta para toda humanidade.

A salvação para o povo de Israel e a aceitação de sua fé e obras estava vinculada dali em diante à aceitação e a obediência ao Messias a eles enviado, o que era a obediência Àquele que o enviou. Já não bastava crer em Abraão e Moisés e se apegar a Lei anterior. Os que creram na Boa Nova (injil) anunciada por Jesus, aceitando sua condição profética, e as gerações que os sucederam firmes na fé e com atos consoantes com a mesma, (sem se desviarem do caminho da verdade) até o envio de Mohammad e a revelação do Alcorão, deixaram o mundo sob a promessa da misericórdia divina e a esperança da salvação.

O envio de Mohammad, o Último Profeta e Mensageiro de Deus, e a revelação do Alcorão, marcava a conclusão do ciclo profético e das revelações. O Último Mensageiro fora enviado à toda humanidade com uma sharia’h definitiva. A sharia’ah que o Alcorão Sagrado trazia, confirmava, ab-rogava e aperfeiçoava todas as anteriores. A partir de sua revelação, já não bastava crer no que tinha sido revelado anteriormente, tornava-se necessário acatar a condição profética do último Mensageiro e crer no que tinha a ele revelado. Como no caso dos profetas que o precederam, crer nele e em sua Mensagem era crer Naquele que o enviara, desobedecer a ele e desacreditar no que lhe tinha sido revelado era desobedecer e desacreditar Naquele que o enviara.

A Shariah divina anunciada no Alcorão incorporava de modo integral os dois aspectos da Lei, determinando os preceitos e rituais e a orientação em todos os assuntos. E é esta Lei divina vigente a todos os povos até o Dia do Juízo. Assim, o Alcorão Sagrado nos diz: “Em verdade, temos te revelado o Livro (ó Mohammad) para (instruíres) os humanos. Assim, quem se encaminhar, será em seu próprio benefício; e quem se desviar, será em seu próprio prejuízo… (31:41)

“E quem quer que almeje outra religião que não seja o Islam, jamais lhe será aceito e, no além, contar-se-á entre os desventurados.” (3:85)

O Alcorão Sagrado assegura a promessa da misericórdia de Deus e da esperança da salvação aos que crerem e se firmarem com ações consoantes a fé, e nos diz: “Eis o Livro no qual não há dúvida, orientação aos tementes; que crêem no invisível, observam a oração e doam daquilo com que lhes agraciamos. Que crêem no que te foi revelado (Ó Mohammad), no que foi revelado antes de ti e estão persuadidos da outra vida. Estes possuem a orientação de seu Senhor e estes serão os bem-aventurados.” (2:2 a 5)

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