O Princípio da Não-Agressão

Por: Sayyed Muhaqqiq Damad
Trad: Ahmed Ismail

A agressão, a qual é um tipo de violação, é estritamente proibida na lei islâmica. O princípio de não-agressão está respaldado pelo seguinte ayat sagrada do Alcorão:

“COMBATEI POR ALLAH OS QUE VOS COMBATAM PORÉM, NÃO SEJAIS AGRESSORES, ALLAH NÃO AMA OS AGRESSORES.” (S. 2 V. 190)

De acordo com este ayat está proibida a luta contra os não-agressores (ghair muqatil). Este é, na realidade o princípio mais importante que pode ser dado como evidência ao tema em questão. Contudo, o princípio da não-agressão baseia-se numa pressuposição, deve provar-se que a motivação para a guerra no islam é a subjugação dos belicosos e agressores e não a subjugação dos incrédulos por sua condição.
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Existem duas opiniões divergentes na lei divina (shariah) quanto a motivação e justificação do Jihad, as quais se referem a dois princípios divergentes na maioria dos casos, incluindo a questão da proteção dos indivíduos em tempos de guerra, consideremos estas opiniões divergentes.

A maioria dos juristas malikítas, hanafitas e hambalitas sustentam que o fundamento e incentivo para o Jihad é a agressão e a transgressão que o inimigo realiza. Naturalmente, esta opinião nos leva a conclusão de que alguém não deve lutar contra os civis e não-agressores e deve respeitar suas vidas.

De acordo com a segunda teoria, a motivação e o incentivo para o Jihad não é a belicosidade ou agressão do inimigo, mas sim a descrença (por si mesma). Em algumas de suas obras os shafís tem dado prioridade a esta opinião. Existem juristas imamitas (xiitas) que partilham do mesmo ponto de vista. Os zahiritas mantém o mesmo juízo.

De acordo com a segunda teoria, os incrédulos não gozarão de proteção até que se convertam ao Islam, e não se faz diferença entre grupos armados e civis a este respeito. Somente alguns grupos são excetuados em concordância aos textos transmitidos que serão tratados a seguir. Um cuidadoso estudo revela que esta divergência de opiniões pode ser deduzida da interpretação de duas diferentes classes de versículos alcorânicos e tradições proféticas. Assim, devemos nos referir as evidências básicas de ambas as partes e suas divergências sobre a questão.

Os aderentes da primeira teoria têm recorrido ao versículo do Alcorão citado anteriormente (s.2 v. 190). Ibn Taimyyah comenta: “a autorização de lutar para os muçulmanos está baseada na concessão que seus inimigos se dão a si mesmos para lutar, como atesta a biografia e a prática do Profeta (saas), ele nunca iniciou as hostilidades contra os idólatras e se Allah houvesse ordenado combater a cada incrédulo por sua descrença, ele estaria sendo obrigado a lutar”.

Ibn Qayym, um dos discípulos de Ibn Taimyyah também enfatizou esse mesmo ponto, expressando que é obrigatório para os muçulmanos lutar contra aqueles que os combatem e não contra os que não o fizerem, em virtude do versículo 190 de Sura Al Báqara.

Baseando sua posição neste Ayat, este grupo de juristas diz que a razão desta norma está estabelecida na agressão. Conseqüentemente, considerando que o advento de uma norma legal depende de sua causa, conclui-se que no caso de não haver agressão, não estará permitido combater nem matar. Esta conclusão foi estabelecida em forma lógica.

Esta linha de pensamento contempla o fato de que os indivíduos que se encontram sob proteção (em um estado islâmico) não se restringem a grupos especiais citados pelo Profeta (saas) mas sim de todos os não-beligerantes que não tenham tomado parte num combate ou não puderam lutar. Os aderentes deste ponto de vista corroboram sua teoria por meio da prática de alguns califas, tais como Umar Al Khattab que disse: “Não mateis aos mercadores nem aos agricultores”. Muito embora os mercadores e os agricultores não se encontrem entre aqueles a quem o Profeta (saas) proibiu matar por sua condição de debilidade e não haja textos explícitos concernentes a isso. Esta proibição se deve meramente ao fato de que estes 2 grupos são civis e não tomam parte na guerra. Auza’i e ibn Hambal deram seus veredictos em favor da imunidade dos mercadores e agricultores.

Parece que a distinção entre os agressores e os que não o eram, era bastante clara na mente destes juristas. Os aderentes desta primeira teoria não reconhecem características peculiares para cada classe de indivíduos anunciada como imune e protegida pelo Profeta (saas), ao invés disso sustentam que a imunidade e a proteção se deve somente a não-agressividade, e estes foram mencionados nas palavras do Profeta (saas) a título de exemplo.

Os aderentes do segundo ponto de vista sustentam que o versículo 190 da sura Al Báqara tenha sido ab-rogado pelo seguinte ayat:

“QUANDO TENHAM TRANSCORRIDO OS MESES SAGRADOS MATAI AOS IDÓLATRAS ONDE QUER QUE OS ENCONTREIS…” (S. AT TAWBAH V. 5).

Ou por este Ayat:

“MATAI – OS ONDE QUER QUE OS ENCONTREIS.” (S. BÁQARA V. 191)

Estes têm corroborado sua opinião com a seguinte tradição (hadith) transmitida por Samarah Ibn Jundub:

“Matai aos adultos dentre os idólatras e mantei com vida seus filhos pequenos”. (Tirmidhi vol. 2 p.391).

Ibn Azir em seu livro “A’n Nihaiah” definiu a palavra ax’xar’h como pequeninos, que não alcançaram a idade da puberdade. De acordo com este hadith, o Profeta (saas) teria ordenado que os maiores dentre os idólatras deveriam ser mortos mesmo se não tomassem parte na guerra.

O Zahirita Ibn Hazm sustenta que, de acordo com os princípios de jurisprudência quando as tradições contradizem o significado literal do Alcorão deve-se acatar aquilo que concorde com o significado literal do texto sagrado e descartar completamente tais tradições. Portanto, baseando sua opinião no significado aparente e literal dos versículos citados estes adotam não só a permissão para matar os não-agressores, como também rechaçam as tradições que corroboram a exclusão de classes protegidas e a proibição de matá-los.

Um Estudo Crítico

Como dissemos anteriormente, o Jihad no Islam não significa matar os idólatras, mas sim repelir seu combate e agressão, sendo portanto proibido matar os não-agressores. A generalidade do versículo “e então matai aos idólatras” é restringida e particularizada pelas tradições transmitidas e os textos concernentes à proibição de matar aos não-combatentes. Por outro lado, o versículo:

“COMBATEI POR ALLAH CONTRA OS QUE VOS COMBATEM, PORÉM NÃO COMETEIS AGRESSÃO” não foi restringido nem ab-rogado.

As tradições transmitidas e os textos estipulantes que se referem às classes protegidas mencionadas antes, corroboram este ponto de vista. Deve-se notar que de acordo aos diferentes textos que na opinião dos juristas foram transmitidos de forma autêntica por sucessivas gerações os seguintes grupos gozam de imunidade e proteção em tempos de guerra:

– as mulheres
– as crianças
– os velhos
– os insanos
– os inválidos
– os mercadores
– os agricultores
– os viajantes
– os civis
– os clérigos

Sendo assim, chegamos à conclusão de que a verdadeira razão para o combate não é a incredulidade, mas sim a agressão dos que diante da convocação ao Islam investem sobre os muçulmanos com a força das armas, ou os que sublevam contra o Islam, ou que, de acordo coma expressão alcorânica, pretendem extinguir a luz de Allah.

A presente opinião é confirmada pelas palavras empregadas neste ayat. A palavra “qatilu” (combatei) deriva do infinitivo Muqatalah que segue o modelo de conjugação de Mufaâlah que em árabe tem o significado de reciprocidade na ação. Muqatalah (luta mútua) só pode ser levada a cabo quando uma parte luta contra a outra que a combate. Sendo assim, se os muçulmanos lutarem contra quem está em paz com eles, evidentemente isso não pode ser denominado Muqatilah nem pode ser considerado uma de suas instâncias, mas sim uma classe de invasão, ataque ou saque, o qual não se ajusta ao significado de versículo algum.
Os versículos expostos em seguida, corroboram de modo explícito nossa opinião:

“Ó VÓS QUE CREDES, NÃO TOMEIS POR AMIGOS A QUEM SÃO MEUS E VOSSOS INIMIGOS, DANDO-LHES MOSTRAS DE AFETO, SENDO QUE NÃO CRÊEM NA VERDADE CHEGADA A VÓS. EXPULSAM O ENVIADO E A VÓS PORQUE CREDES EM ALLAH, VOSSO SENHOR. QUANDO SAIRDES A COMBATER POR MINHA CAUSA PROCURANDO MINHA COMPLACÊNCIA( NÃO OS TOMEIS POR CONFIDENTES) CONFIANDO-LHES VOSSAS INTIMIDADES PORQUE EU SEI BEM O QUANTO OCULTAIS E O QUE MANIFESTAIS, EM VERDADE QUEM DE VÓS ASSIM AGIR DESVIA-SE DA SENDA RETA”. (SURA MUNTAHINA V. 1)

Este ayat foi revelado quando um certo mu’min dentre os muhajirin (emigrantes) travou amizade de maneira clandestina com os idólatras de Makka, o motivo para tal era proteger seus parentes e filhos que ainda viviam em Makka.

“ALLAH NÃO VOS PROÍBE QUE SEJAIS BONS E EQUITATIVOS COM QUEM NÃO TENHA VOS COMBATIDO POR CAUSA DA RELIGIÃO NEM VOS TENHA EXPULSADO DE VOSSOS LARES, ALLAH AMA OS QUE SÃO EQUITATIVOS”. (SURA MUNTAHINA V. 8)

Este ayat e o que segue explica a natureza da proibição no começo da sura (v. 1), os idólatras mencionados no segundo versículo são os que não tem intenção de lutar contra os crentes, nem tampouco os expulsaram de seus lares. Assim, se ordena aos crentes agir amável e justamente com eles.

“ALLAH SÓ VOS PROÍBE QUE TOMEIS POR AMIGOS AOS QUE TENHAM VOS COMBATIDO POR CAUSA DA RELIGIÃO E VOS TENHA EXPULSADO DE VOSSOS LARES OU TENHAM CONTRIBUÍDO COM VOSSA EXPULSÃO. QUEM LHES TOME COMO AMIGOS EM VERDADE ESSES SÀO OS ÍMPIOS”. (S. MUNTAHINA V. 9)

Aqui se enfatiza a proibição de laços de amizade com os idólatras agressores. A referência direta e explícita dos versículos acima sobre a não-autorização de combate aos não-combatentes é tão clara que, alguns dos comentadores chegam a imaginar que estes versículos ab-rogam o versículo “matai aos idólatras onde quer que os encontreis”. Porém, em nossa opinião, não existe na realidade uma ab-rogação aqui, desde que o propósito do versículo citado não é um mandato permanente no sentido de que os muçulmanos devam lutar contra os idólatras e matá-los sempre que seja possível. Considerando a palavra AL MUXIRIKÍN (os idólatras) mencionada no versículo e especialmente a menção do artigo AL vemos que se refere em particular àqueles idólatras que combateram os crentes e expulsaram o Profeta (saas) e os seus seguidores de suas moradas, a qual é uma referência explícita aos idólatras pagãos de Makka, ou seja, os mesmos cujo afeto e amizade tinham sido proibidos nos 3 versículos apresentados acima.

Agora discutiremos a tradição concernente aos idosos dentre os idólatras que Ibn Hazm utiliza para demonstrar seu ponto de vista no qual o Profeta (saas) teria ordenado a matança de todos os idólatras. Referente a esta tradição, podemos dizer que:

1. Esta transmissão foi transmitida através de Hajjaj Ibn Artat e de acordo com o parecer dos sábios da ciência dos ahadith é considerada daif (fraca) em virtude de sua cadeia de transmissão.
2. A palavra Xuiukh (no contexto) não se refere aos idosos ou impossibilitados, mas sim aos patriarcas, líderes dos clãs e pessoas eminentes.

Em suma, o combate contra os não-agressores está proibido na lei islâmica, unicamente durante os tempos de guerra se permite matar a grupos armados e a combatentes, enquanto é terminantemente proibido matar os civis.

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