Este sermão é denominado Gharra, e é um dos mais maravilhosos sermões de Amirul Muminin (A.S.).
Louvado seja Deus, que está acima de tudo o mais e está perto da criação através de sua benevolência. Ele é o dispensador de toda recompensa e distinção, e o dispersador de todas as calamidades e asperezas. Louvo-o por sua contínua misericórdia e suas copiosas bênçãos. Creio nele porquanto é o Primeiro de tudo e está manifesto. Busco sua diretriz, porquanto está próximo e é o Guia. Busco o seu socorro porquanto é poderoso e subjugador. Dele dependo, porque é suficiente e apoiador. E presto testemunho de que Mohammad, que as bênçãos de Deus estejam com ele e com seus descendentes, é o seu servo e seu profeta. Deus o enviou para que reforçasse as suas injunções, para que esgotasse suas justificativas e para que apresentasse as admoestações quanto ao castigo eterno. Ó criaturas de Deus, aconselho-vos a que temais a Deus, o qual tem fornecido exemplos ilustrativos e estipulado a duração de vossas vidas. Deu-vos roupas para vos cobrirdes e disseminou-vos os meios de subsistência. Rodeou-vos com os seus conhecimentos. Ordenou as recompensas. Concedeu-vos vastas benesses e extensas dádivas. Admoestou-vos com argumentos de longo alcance e vos contou por números. Fixou-vos o tempo neste lugar de provação e nesta casa de instrução. Vós passais por um teste neste mundo, sendo que tereis de prestar contas disso. Em verdade, este mundo é um lugar de água suja e um chafariz de água enlameada. Sua aparência é atraente e seu interior é destrutivo. É uma decepção sutil, um reflexo fugidio e um pilar inclinado. Sempre que seu depreciador começa a gostar dele, e aquele que não está familiarizado se sente satisfeito com ele, o mundo se levanta e finca o pé, aprisiona-o em sua armadilha. Faz dele o alvo para suas setas e lhe põe a corda da morte em torno do pescoço, levando-o para o estreito túmulo e para a tenebrosa morada, a fim de lhe mostrar a sua estadia e a recompensa pelos seus atos. Isso tem continuidade, de geração para geração. Nem a morte impede de separá-los, nem os sobreviventes ficam isentos de cometer pecados. Eles rivalizam-se mutuamente e, avançam em grupos rumo ao objetivo final e ao encontro com a morte, até que a questão chegue a um desfecho, o mundo desapareça e a ressurreição se aproxime; aí Deus os retirará das arestas dos túmulos, ou dos ninhos das aves, das cavernas dos animais, se tiverem sido devorados, e dos centros de morte. Eles se apressarão ao comando de Deus e correrão rumo ao local fixado para o seu retorno final, grupo a grupo, quietos, de pé, e distribuídos em fileiras. Ficarão ao alcance da visão de Deus e ouvirão qualquer um que os chamar. Estarão vestidos com a desesperança e cobertos de submissão e indignidade. As artimanhas desaparecerão e os desejos serão extirpados, os corações afundarão silenciosamente, as vozes serão reprimidas, as salivas embargarão as gargantas, o medo aumentará e os ouvidos retumbarão com a voz troante do arauto chamando para o juízo final, para a concessão da recompensa, com a aplicação do castigo, com o pagamento do prêmio. As pessoas foram criadas como provas do poder, criadas com autoridade; tem de morrer em meio a dores, têm de ser colocadas em tumbas em que se transformarão em migalhas. Então, serão ressuscitadas, uma a uma, será concedida a recompensa e terão de prestar contas de suas ações, cada uma separadamente. Foi-lhes permitido o tempo de procurarem a liberação, foi-lhes mostrado o caminho reto, foi-lhes permitido viverem e procurarem favores, a obscuridade da dúvida foi-lhes retirada e foram deixados livres, neste período de vida como um lugar de treino a fim de se prepararem para a corrida do dia do julgamento, para buscarem o objetivo com sensatez, para terem tempo de assegurar os benefícios e de proverem para o próximo local de estada. Quão adequadas são estas ilustrações e eficientes admoestações, desde que sejam recebidas com pureza de coração, ouvidos aguçados, visões firmes espíritos agudos. Temei a Deus como aquele que escutou os bons conselhos e se curvou perante eles; quando cometeu pecado, admitiu-o; quando sentiu medo, agiu virtuosamente; quando aprendeu, aviou-se; quando acreditou, realizou atos de virtude; quando lhe foi pedido que tirasse lição, tirou-a; quando lhe foi pedido que desistisse de algo, absteve-se; quando respondeu ao chamado de Deus, inclinou-se para Ele; quando retornou ao mal, arrependeu-se; quando seguiu seu líder, quase o imitou, e quando lhe foi mostrado o caminho reto, ele o viu. Tal homem esteve muito ocupado na busca da verdade, sendo que se livrou dos males terrenos fugindo deles. Ele colecionou boas ações para si mesmo, purificou seu eu interior, edificou para o outro mundo e levou consigo as provisões para o dia da partida, tendo em vista a sua viagem, seu requerimento e a posição da sua necessidade. Ele as enviou antecipadamente para a morada da sua estadia, no outro mundo. Ó criaturas de Deus, temei a Deus tendo em vista a razão pela qual Ele vos criou e na medida em que Ele vos aconselhou que fizésseis. Fazei com que mereçais aquilo que Ele vos prometeu, tendo confiança na verdade da sua promessa e nutrindo temor pelo Dia do Julgamento. Deus vos proveu de ouvidos para preservardes o que é importante, de olhos para enxergardes, em vez de ficardes na escuridão, membros que consistem de muitas partes, cujas curvas estão em proporção a modelagem de suas formas e o montante das suas idades; e ainda de corpos que sustentam a si próprios, de corações que se ocupam na procura da sua alimentação, além de outras bênçãos maiores, agradecendo as concessões e as fortalezas de segurança. Estipulou-vos as idades, que vos não são dadas conhecer. Reteve para vós vestígios dos povos passados para a vossa instrução. Esses povos se recreavam com plenitude, completamente desembaraçados. A morte apossou-se deles perante a satisfação de seus desejos, eis que a mão dela os separou. Não proveram para si mesmos, durante a robustez de seus corpos e não aprenderam a lição durante a avidez da juventude. Estarão estas pessoas presentes, que estão na plenitude da juventude, esperando pela velhice que dobra o corpo, ou aquelas que gozam de plena saúde, esperando ficar doentes e estarão estas pessoas esperando pela hora da morte? Quando a hora da partida estiver próxima e a viagem às portas, com pontadas de pesar e perturbação, de sofrimentos, tristezas e engasgamento, será chegada a hora de chamar parentes e amigos para ajudarem a trocar os lados da cama. Poderão então os mais próximos parar a morte, ou as carpideiras fazer algum bem? Outrossim, será deixado a sós no cemitério, confinado ao canto estreito do seu túmulo. Sua pele será danificada de todo pelos répteis e o seu frescor será destruído por essas atribulações. As tempestades apagarão os seus traços e as calamidades obliterarão até mesmo seus sinais. Corpos recentemente enterrados tornar-se-ão finos e murchos e ossos ficarão podres. Os espíritos ficarão sobrecarregados com o peso dos pecados e estarão conscientes das coisas desconhecidas. Então, porém, nem as boas ações poderão ser adicionadas, nem os maus atos poderão ser expiados pelo arrependimento. Vós não sois acaso, os filhos, pais, irmãos e parentes desses mortos? Ireis seguir-lhes as pegadas e cruzar os seus caminhos. Porém, os corações ainda estão empedernidos, desatentos à diretriz e se movendo sobre linhas errôneas, como se o chamado a atenção fosse a outro alguém e como se o caminho correto fosse o de granjear ganhos terrenos.
Admoestação quanto a passagem pela Senda
Mas sabeis que tereis de passar sobre o caminho onde os passos oscilam, o pé escorrega e há temerosos perigos a cada passo. Temei a Deus como o temeroso sábio, a quem o pensamento se apartou dos outros assuntos, o temor afligiu seu corpo com perturbações e dor, seu envolvimento com a oração noturna transformou o seu já curto sono num despertar; a esperança na recompensa eterna o mantém sedento durante o dia, a abstenção refreou-lhe os desejos e a recordação de Deus está sempre a lhe movimentar a língua. Ele nutre o temor perante os perigos. Evita os caminhos desnivelados em favor dos aplainados. Segue pela rota mais curta para assegurar os seus propósitos, a ansiedade não distorce o pensamento e a ambigüidade não lhe cega os olhos. Goza do sono profundo e passa o dia feliz, por causa da felicidade dos bons tempos e dos prazeres dos benefícios eternos. Trilha as veredas deste mundo em louvor. Chega ao outro mundo cheio de virtudes e se apressa destituído de temor. Movimenta-se animadamente durante a curta estada. Devota-se a procura do bem e foge do mal. Hoje ele está preocupado com o amanhã, sendo que conserva a visualização do futuro. Certamente o paraíso é a melhor recompensa e aquisição, e o inferno é a punição e o sofrimento certos, Deus é o melhor retribuidor e auxiliador, e o Alcorão é o melhor argumentador e confortador.
A admoestação quanto ao temor a Deus
Eu vos exorto a temer a Deus, o qual não deixou desculpas quanto aquilo que preveniu, esgotou o argumento quanto ao caminho que mostrou. Ele vos preveniu quanto ao inimigo que se infiltra nos corações e fala aos ouvidos de modo sorrateiro e então, promove extravios e causa a destruição, faz falsas promessas e mantém as pessoas sob errôneas impressões. Apresenta de forma atraente os pecados malignos e mostra, como brilhantes, mesmo os crimes mais sérios. Quando já tiver enganado o seu companheiro e exaurido os rogos para o extravio, ele começa a encontrar defeito no que apresentara como coisa boa, e a considerar coisa séria o que mostrara como luminosa e a ameaçar quanto aquilo que mostrara como coisa segura.
A Criação do Homem
Quanto ao homem que Deus criou nas trevas dos úteros e nas camadas membranosas das quais flui o sêmen, depois o disforme feto, depois o embrião, depois o bebê que mama, depois a criança, e então, o jovem inteiramente adulto. Então, Ele lhe deu um cérebro com memória, uma língua para falar, olhos para ver, a fim de que tirasse lições daquilo que estava a sua volta, as compreendesse, seguisse as admoestações e se abstivesse do mal. Quando chegou ao tamanho normal e a sua estatura obteve o desenvolvimento padrão, ele descambou para o auto-apreço e ficou perplexo. Adquiriu desejos, ateve-se a satisfação dos seus apetites em relação aos prazeres do mundo e as suas sórdidas metas. Não temeu qualquer mal, tampouco ficou com medo de qualquer apreensão, e morreu obcecado pelos seus vícios. Passou sua curta vida em buscas fúteis. Não ganhou recompensa alguma, nem cumpriu qualquer obrigação. Uma doença fatal tomou conta dele enquanto ainda estava nos seus desfrutes, o que o tornou perplexo. Passava noites em claro nas asperezas do sofrimento e com pontadas de dor, na presença dos verdadeiros amigos, pai amantíssimo, mãe soluçante, irmã chorosa, enquanto ele se via sob um desconforto enlouquecedor, séria insensatez, gritos assustadores, dores lancinantes, angústias de sofrimento sufocante das dores da morte. Depois disso foi vestido com uma mortalha, enquanto permanecia quieto e completamente submisso aos outros. Então, foi colocado sobre pranchas, num tal estado de magreza, por causa dos rigores da doença. A multidão de irmãos auxiliares o levaram para a sua casa de solidão onde todas as conexões de visitantes são desfeitas. Depois disso todos aqueles que o acompanharam foram embora, e aqueles que choravam por ele voltaram, e ele foi deixado jazendo em sua tumba para inquirições terrificantes e perscrutações capciosas. A grande calamidade do local é a presença da água quente, a entrada para o inferno, as chamas do fogo eterno e a intensidade das labaredas. Não há período algum de descanso, intervalo algum para alívio, força alguma para intervir, morte alguma para proporcionar consolo, sono algum para fazer esquecer a dor. Outrossim, ele ali jaz sob várias espécies de morte, sujeito a punição a todo momento. Busquemos refúgio em Deus! Ó criaturas de Deus, onde se encontram aqueles aos quais foram permitidas vidas para viverem e que desfrutaram das benesses. Foram ensinados e aprenderam; foi-lhes dado tempo e o passaram em vão; entesouraram riquezas e se esqueceram dos deveres; foram-lhes permitidos longos períodos, foram ricamente providos, foram admoestados quanto ao doloroso castigo e lhes foram prometidas grandes recompensas. Devereis evitar pecados, que levam a destruição, e aos vícios, que atraem a ira de Deus. Ó, essas pessoas que possuem olhos e ouvidos, saúde e riqueza! Será que haverá lugar qualquer de proteção, qualquer abrigo seguro ou asilo, ou refúgio, ou ocasião para fugir e voltar para esse mundo?
Se não há, então onde estarão elas agrupadas, e em meio ao quê estarão elas se movendo? Por quais coisas foram elas enganadas? Certamente, o quinhão desta terra para cada um de vós é apenas um pedaço dela do tamanho de sua estatura, onde poderá jazer sobre seus costados, coberto de terra. O momento presente é oportuno para agirmos. Ó criaturas de Deus, uma vez que vossos pescoços estão livres do laço e vossos espíritos estão também desagrilhoados, tendes tempo de buscar a diretriz; estais a vontade quanto aos vossos corpos; podeis reunir-vos em multidões, e o resto da vida está perante vós; tendes a oportunidade de agir de livre vontade; há a oportunidade de arrependimento e de circunstâncias pacíficas. Mas devereis agir antes que sejais tomados por circunstâncias adversas e pelos pesares, ou pelo temor da fraqueza, antes da aproximação da esperada morte, antes do vosso confisco, feito por Deus, o Todo-Poderoso, Prudentíssimo.
Nota: Sayyed Al-Radi diz que é dito que quando Amirul Muminin (A.S.) ministrou este sermão, as pessoas começaram a tremer, as lágrimas fluíam de seus olhos e seus corações ficaram temerosos. Alguns denominaram este sermão como o “Sermão Brilhante” (Khutba Al Ghurra).