A Adoção no Islam

Autor: Sayyd Mohammad Rizvi
Artigo Extraído do Shama Newsletter (Vancouver – Canadá – 1990)

Questões Gerais sobre a Adoção

Pergunta 1: Temos a autorização para adotar crianças? Se temos, então uma menina adotada tem de usar o hijab ao completar nove anos, estando diante de seu “pai” ou “irmão”? De modo similar, no caso de um jovem, sua “mãe” ou “irmã” terão de usar o hijab em sua presença?

Resposta: Do ponto de vista islâmico, devemos separar duas coisas: o conceito de auxílio aos órfãos e às crianças necessitadas; e as implicações desse auxílio.

Até o ponto onde concerne o conceito de auxílio aos pobres e aos órfãos, o Islam não apenas permite como também recomenda a adoção. Em todas as modalidades de atos de caridade o órfão e o pobre são mencionados como prioritariamente beneficiários. Sobre os direitos dos órfãos, Allah reitera:

“os que devorarem os bens dos órfãos, introduzirão fogo em suas entranhas e entrarão no Tártaro”. (Alcorão Sagrado 4:10)

O Islam defende o conceito de auxílio aos pobres e aos órfãos e os coloca sob sua proteção. Se não houver alguém que preste assistência aos pobres ou às crianças necessitadas, o Governo Islâmico deve assumir esse encargo. Eu não estarei errado em dizer que, quanto ao tema da adoção, não há diferença entre o Islam e o sistema atual no ocidente.

Todavia, no sistema ocidental, adoção não significa somente que uma criança seja entregue aos cuidados de uma outra pessoa; mas também que a criança adotada terá o nome de família daquele que a adotou. Se a adoção ocorrer na infância, provavelmente a criança jamais virá a conhecer sua verdadeira genealogia ou o nome de sua família verdadeira.

O Islam não aceita esse ponto (da prática de adoção no ocidente). Na Arábia pré-islâmica o sistema de adoção era semelhante ao que agora vemos no mundo ocidental: o adotado carrega o nome de família daquele que o adotou. O Islam rejeitou categoricamente tal procedimento.

Um Exemplo da Vida do Profeta (saas)

Quando o Profeta casou com Khadijah, ela deu-lhe um servo chamado Zaid Bin Haritha (Zaid, filho de Haritha). O Profeta tratou dele tão bem que o relacionamento entre eles deixou de ser o de um amo e um servo, transformou-se no relacionamento de pai e filho. Zaid foi um dos primeiros a abraçar o Islam. Quando seu pai e seus tios souberam de seu paradeiro, vieram até Makka e contaram ao Profeta que Zaid havia sido capturado por bandidos, que o venderam como escravo. Ao saber disso, o Profeta o libertou. Porém, Zaid recusou-se a abandonar Mohammad e voltar para casa com seu pai. Haritha, o pai de Zaid, ficou muito irritado e chegou a declarar: “Zaid não é mais meu filho.” Imediatamente o Profeta adotou Zaid, que passou a ser conhecido como Zaid Bin Mohammad (Zaid, filho de Mohammad). Assim continuou até a migração do Profeta para Medina. Zaid havia crescido e já era então, um homem casado. Todavia, seu casamento não havia dado certo. Allah revelou alguns versículos relacionados ao divórcio de Zaid e que também mencionavam a questão do “dar um novo nome” ao adotado:

“…tampouco fez com que vossos filhos adotivos fossem vossos filhos (consanguíneos). Essas são (meras) palavras de vossas bocas, mas Deus diz a verdade e Ele orienta para a (verdadeira) senda. Dai-lhes os sobrenomes de seus (verdadeiros) pais; isso é mais justo perante Deus…” (33:5-6)

Após essa Revelação, Zaid voltou a ser chamado de Zaid Ibn Haritha (Zaid, filho de Haritha). Mas, a mudança de nome não afetou o relacionamento entre Mohammad e Zaid, que continuaram a ser como pai e filho.

Uma vez que o Alcorão Sagrado diz que chamar os filhos adotivos pelo nome de seus pais adotivos é algo que contraria a verdade, eles devem ser chamados pelos nomes de seus pais verdadeiros.

De fato, a adoção não muda o relacionamento. Adoção não põe fim à relação consanguínea familiar, nem cria por si só um relacionamento entre o adotado e os pais adotivos. Todas as regras para o relacionamento consanguíneo permanecem válidas: o filho, por exemplo, continua a ser “mahram”, isto é, permanece vedado para casar-se com alguém de sua família consanguínea; continua também o seu direito de herdar de seus familiares consanguíneos. (Cabe notar que, no atual sistema de adoção ocidental, é perfeitamente possível que um adotado venha a se casar com uma irmã consanguínea, por exemplo). As regras existentes entre pessoas não relacionadas familiarmente permanecem igualmente válidas. A adoção não cria a isenção própria ao estado de “Mahram”: uma jovem adotada tem de observar o uso do hijab na presença de seu pai adotivo ou de seus irmãos por adoção. De modo semelhante, a mãe e as irmãs de um filho adotado têm de observar o uso do hijab em sua presença. O filho adotado pode inclusive, casar com uma filha dos pais que o adotaram. No Islam, as normas de herança baseiam-se nos laços consanguíneos:

“…os parentes consanguíneos têm prioridade em herdar uns dos outros, (tal como está prescrito) no Livro de Deus.” (Alcorão Sagrado 8:75)

Contudo, os pais adotivos podem sempre usar o critério de reservar um terço de sua propriedade para o filho adotado.

Há somente um tipo de adoção na qual uma relação semi-familiar (e laço mahram) é criado: quando o adotado tem menos de dois anos, sendo portanto, amamentado pela mãe adotiva, ao menos por uma noite ou um dia. Nesse caso, uma relação especial é criada; e o filho adotivo se torna “mahram” para os integrantes da família que o tenha adotado. Em tal situação o uso do hijab na presença dele se torna desnecessário para as mulheres da família, uma vez que o casamento entre o adotado e as irmãs adotivas se torna proibido. Entretanto, o laço por amamentação não dá o direito de herança (sempre permanecendo o direito dos pais adotivos de, espontaneamente, legar um terço dos bens ao filho adotivo).

Notas

1- A isenção do hijab, nas condições familiares estabelecidas na sharia’h, não impede que as muçulmanas adotem um comportamento moral e decente no modo de se vestir.

2- Embora soe estranho aos costumes ocidentais, devemos saber que as regras do hijab diante de um irmão adotivo também se aplicam em outros casos. Por exemplo, quando dois irmãos casados habitam com suas famílias numa mesma casa, suas esposas e filhas que alcançaram a puberdade têm que observar o uso do hijab e roupas decentes.

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