Um dos temas que gera controvérsia tanto no cenário cultural como na realidade política internacional, é a relação entre o Islam e o Ocidente.
O interesse sobre o tema é cada vez mais frequente e aumenta de modo exponencial com os acontecimentos importantes a ele relacionados, sua recorrência e grave repercussão, acontecimentos que deixam marcas na realidade humana.
Eu me comprometi com vossa distinta universidade (Instituto de Estudos Avançados, Universidade de Santiago do Chile) a abordar esse tópico com toda a importância e significado que possui, sendo um dos fenômenos inquietantes da história contemporânea.
A esse respeito, gostaríamos de ressaltar que – na presença dessa elite do pensamento e da cultura – não trataremos do tema de uma maneira que suscite sentimentos emotivos, uma vez que buscamos um denominador comum através do qual possamos encontrar pontos comuns entre nós e os ocidentais, sem transgredir ou reduzir realidades da história, uma vez que nela há ensinamentos e exemplos.
A cada evento perturbador que tem lugar aqui e acolá (e quantos fatos dolorosos) surge quem pergunte sobre a escalada de tensão entre o Islam e o Ocidente. No ocidente se perguntam: “por que os muçulmanos se sentem em conflito com o ocidente?” Acaso com isso expressam a amargura do atraso, a postergação, o fracasso e o retraimento diante das contínuas inovações contemporâneas no campo da ciência e do conhecimento, ao se ver deixado para trás na caravana do progresso e da modernidade, privado da inventividade ficando só como consumidores do que o Ocidente proporciona? Ou será em virtude dos conceitos e expressões que foram instaurados no ocidente, depois do obscurantismo e da Inquisição, que tanto incitaram os sentimentos, como o termo “democracia”, os cantos de liberdade e outros ideais no Ocidente, enquanto se encontram na humilhação e privação sob regimes em que persistem monarquias em total narcisismo?
Acaso os muçulmanos permanecem cativos do passado, presos nas ruínas do tempo, herdeiros de uma história de dor e tristeza e por isso, assumiram uma personalidade tristonha que só contempla o passado enquanto deixa passar o trem do tempo? Por que não perdoam e esquecem? Por que não adotam a tolerância, sobretudo considerando que as injustiças da história não vão além de uma época, e que seus responsáveis são somente os que a cometeram e que aqueles que vieram depois não carregam a culpa?
Não obstante a injustiça influencie o legado histórico, que fica gravado na memória para ser o material mediante o qual se produzem as experiências de cada geração, o próprio Livro Sagrado dos muçulmanos diz: “É uma comunidade que já passou. A ela corresponderá o que tiver feito, como a vós corresponderá o que mereceis pelo que obrastes, sem que tenhais que responder por aquilo que eles fizeram”. (C.2 – V.134)
Por outro lado, há o muçulmano que pergunta: por que o ocidente se sente em conflito com o Islam? Será porque o Islam é uma religião que possui componentes para desafiar suas estruturas materiais, uma vez que tem uma visão capaz de abordar o fenômeno da decadência espiritual no ocidente? Ou será ainda, por possuir uma legislação apta a absorver grande parte das transformações sociais e culturais dando respostas às questões inéditas surgidas com a modernidade? Acaso o ocidente teme que a civilização islâmica reconquiste seu papel civilizador, por possuir os elementos necessários e reunir os parâmetros que conformam as preliminares do progresso humano?
Acaso será pelos valores de liberdade e justiça que comporta, por reconhecer a dignidade humana e exortar à integridade, à consistência dos valores e à sacrificar tudo possível na busca de grandes objetivos? Ou por dar ao ser humano uma posição pela qual ele possa se ver como espectador e juiz em questões que dizem respeito a verdade e a mentira, a justiça e a tirania, de modo que demonstre uma opinião própria no que tange à posição de juiz, com a responsabilidade de rechaçar a hegemonia ou dominação de outrem? De modo semelhante, acaso o Islam possui um discurso que tem o poder de levantar os povos em questões cruciais, permitindo assim mudar qualquer situação em seu benefício?
Diante da lógica da campanha de ofensa contínua ao Profeta Mohammad (saas) e ao Alcorão Sagrado, por tudo que representam na consciência islâmica de pureza e santidade… Por que o ocidente adota essa lógica de ofensa aos símbolos de nossa religião sob o lema da “liberdade de expressão”? (Isso com a plena crença que temos na liberdade de crítica objetiva e razoável, que está na base da ciência, da lógica e dos princípios reconhecidos diante da divergência, uma vez que se distancia dos métodos de discussão pura e simples).
Acaso a liberdade de expressão justifica a ofensa, o insulto, as injúrias e as calúnias contra aquele que foi uma das figuras de maior influência na marcha da história, tal como testemunham muitos orientalistas? O autor do livro “Os orientalistas e o Islam” transmite de um intelectual que se esmerou no estudo do Islam, o seguinte: “Se Mohammad não tivesse feito mais do que formar uma nação desde o início e transformá-la em uma das maiores da história, já teria feito milagre bastante neste mundo”.
E disse ainda: “Se o livro de Mohammad tivesse sido encontrado no deserto, seria ainda algo a ser eternizado. Se Mohammad tivesse reivindicado a autoria do Livro seria digno de que a humanidade se inclinasse diante dele. Decerto que a mensagem de Mohammad, tanto no Alcorão como na tradição, encerra grande sabedoria para a vida, compreendendo a matéria e o espírito e fornecendo uma imagem sólida na terra e no céu; uma cosmovisão do princípio ao fim e uma imensa esperança de eternidade em estágios superiores…”
Voltaire, escritor e filósofo, disse: “Parece-me que Mohammad não limitou esse povo somente à reprodução, o culto e o jihad, ou as tradições que trouxe – com a exceção da permissão a poligamia – subjugadas à alma humana e à purificação. Assim, a beleza dessa lei divina e a simplicidade dessas regras primordiais atraíram a fé de Mohammad de modo sumamente impressionante e com extrema deferência. Essa religião trouxe a doutrina da Unicidade Divina de forma aceitável para a razão humana, isto é, desprovida de obscuridade; tanto que se islamizaram muitos povos, desde nativos centro africanos até habitantes do subcontinente indiano”.
Em seguida, acrescenta: “Não é correto, como se afirma, que foi pela força da espada que o Islam se apoderou de mais da metade do mundo, mas sim, que a causa de sua propagação foi a intensidade do desejo das pessoas por ele, depois de se convencerem em suas mentes. A maior arma utilizada pelos muçulmanos para transmitir sua mensagem foi estarem investidos de elevadas virtudes, sem deixar de lado a inclinação do vencido por imitar o vencedor”.
E continua dizendo: “Estas exíguas palavras são insuficientes para rebater tudo o que mencionaram nossos historiadores e dissertadores fazendo que se implantasse em nossas consciências visões imaginárias e falsas sobre a realidade do Islam e dos muçulmanos. É necessário refutar a falsidade com a verdade”.
Diante das recorrentes exortações à condescendência, nós não necessitamos de um grande esforço para demonstrar a profundidade desse valor na consciência dos muçulmanos. A exortação à tolerância ocupa ampla margem no conteúdo do discurso islâmico por meio de vários textos que frisam que o muçulmano deve viver a moral da condescendência e do perdão e não se deixar levar pela ira ou a emoção, que aprofundam a ruptura fazendo com que a verdade se perca no labirinto da controvérsia.
Deus, Exaltado Seja, deseja que a boa palavra abra o caminho através do vocabulário agradável, a face serena e o sorriso cordial que acessa o coração estimulando nele todas as expressões de humanidade, posto que no bom caráter está o fundamento. A paciência encerra um significado que supera a vingança.
Deus, Exaltado Seja, diz, dirigindo-se a Seu Mensageiro: “A bondade e a maldade não se equiparam. Repele (o mal) com o que for melhor, então, vê que aquele que nutre inimizade por ti, converter-se-á em um amigo íntimo”. (41:34)
Diz o Altíssimo: “…o perdão está mais próximo da piedade”. (2:237)
Diz também: “A retribuição do mal é um mal idêntico. E quem indultar e conciliar, sua recompensa estará com Deus. Ele não ama os agressores”. (42:40)
“Quanto àquele que for paciente e perdoar – esse é o fator mais decisivo nos assuntos”. (42:43)
Há noções semelhantes no cristianismo, o que permite erguer pontes entre os povos. É mencionado em um dos textos bíblicos: “Alegrai-vos com os que estão alegres; chorai com os que choram. Vivai em harmonia mútua. Não sejais arrogantes, mas solidários com os humildes. Não vos acheis os únicos que sabem. Não pagueis nenhum mal com o mal. Procureis fazer o bem para todos. Se for possível, e se depender de vós, vivei em paz com todos…” (Romanos 12:15 a 19)
Não obstante nos perguntamos: O ocidente oferece a opção de esquecer os acontecimentos opressivos envolvidos em tristeza na história. História triste, cheia de ódio, dominação e contenda, tal como descreveu o já falecido Santo Papa (João Paulo II)? Ou na verdade, deseja que tudo permaneça preso aos acontecimentos para continuar a sentir-se um império de poder e esplendor, para com isso fomentar uma tendência superior e arrogante, possuidora das prerrogativas, desconsiderando as pessoas como entidades dignas de direitos e liberdade, soberania e autodeterminação na economia e na política? Ou deseja que as pessoas continuem a ser elementos de consumo que possam ser utilizadas em seus planos de poder?
Acaso algum dia o Ocidente abandonará seus sonhos de expansão às custas de nossa segurança, economia e desenvolvimento? Deixará de ameaçar com o uso da força e da imposição de bloqueio econômico a cada país muçulmano que procura se equiparar cientificamente, com o pretexto de ser uma ameaça tentando adquirir armas nucleares. Se esse fosse o caso, por que os demais países não têm o direito que as potências ocidentais possuem? Será que isso não indica a tendência de superioridade arrogante e a preocupação com o despertar do Islam?
A Visão do Mundo Muçulmano para o Ocidente
Esse distanciamento se agravou após o 11 de Setembro, pelos ataques vinculados ao Islam, algo que não concordamos. Além disso, a maioria dos muçulmanos diverge em seu enfoque ideológico e sua leitura superficial e limitada dos textos religiosos, o que não é compatível com as linhas gerais da legislação e do conteúdo real da lei, entre elas as que ressaltam a justiça, a liberdade, a dignidade humana e o direito a vida. Disso compreendemos que, não representam o corpo geral do Islam.
De fato, o próprio mundo muçulmano é que tem sido objeto da opressão e da intimidação destes, e padece das consequências de modo quase indescritível. Esse é o caso do Iraque e de vários outros países.
Após os atentados em Nova Iorque, o Ocidente anunciou seu chamado à guerra contra o terrorismo sob a condução dos EUA, lançando o slogan “quem não estiver conosco estará contra nós” no qual há uma inclinação arrogante de supervisão que não propõe outra coisa senão a submissão do outro pela superioridade da força, com uma clara exploração do sentimento de ira. Isso significa o envaidecimento das velhas vitórias que ainda habita o Ocidente; e que os sonhos expansionistas ainda o seduzem de tempos em tempos. Por essa razão continuam itinerantes de país muçulmano em país muçulmano em suas guerras sob pretextos e razões grotescas que não aceitam a sana racionalidade nem reconhecem a consciência.
O ocidente acusa de terrorismo a todo aquele que esteja vinculado ao Islam numa generalização injusta, instaurando uma guerra midiática global contra o Islam e os muçulmanos. É correto e justo que toda uma comunidade seja culpada pelo crime de um grupo minoritário “associado” a ela? Acaso é reconhecido o direito de imputar a toda cristandade as iniquidades históricas que alguns regimes ocidentais nos infligiram (e ainda o fazem)?
Ademais, o Ocidente não especifica nem delimita um conceito claro de terrorismo – como é indicado no estudo da lógica – de modo a unificar critérios e atitudes para poder solucionar as manifestações de violência sobre bases justas e assim, estabelecer soluções efetivas. Ao contrário, tema tão importante é conduzido com dois pesos e duas medidas, de modo a que a defesa territorial, a dignidade e a identidade se transforma em algo perturbador, como acontece na Palestina, enquanto a ocupação representa um direito legítimo.
Que sentido tem haver causado mais de um milhão de vítimas iraquianas entre mortos e feridos, como também ocorre no Afeganistão, para saldar o crime de um grupo de transgressores? Acaso não era possível terminar com o fenômeno do extremismo e deter seus esquadrões da morte por outros meios, com os quais fossem cortadas suas fontes de recursos em vez do uso excessivo da força contra inocentes?
Devemos enfrentar o terrorismo com o próprio terrorismo sob um conceito de comportamento equânime? É isso que implica a adoção dos princípios de direitos humanos que o Ocidente tanto evoca? Acaso essa é uma ação compatível com a verdade e a justiça? Essa prática restringe o terror ou fomenta mais terror num mundo que não se rege por valores éticos?
A Posição do Ocidente
A posição oficial do Ocidente, que respalda o sionismo em sua ocupação territorial e na expulsão dos palestinos, levou as potências a enfrentar os povos árabes e islâmicos, o que agravou a situação do povo palestino, do povo iraquiano e do povo afegão, além de ter semeado o rancor entre todos eles.
Acaso o Ocidente esconde algo atrás de seus objetivos declarados abertamente? Ou a ideia seja a dos muçulmanos viverem com temor das guerras destrutivas para que não pensem em levantar-se, já que isso seria o levantamento de um gigante com o qual o Ocidente não poderia conviver, e por isso teme seu ressurgimento? Se teme o desenvolvimento do poder do Islam a ponto de afetar negativamente seus interesses, nesse caso dizemos que a experiência já demonstrou o fracasso da lógica monopolista ou do sistema unipolar, além de ser contrário ao modo de agir divino num universo de assombrosa diversidade.
Se as grandes potências estão realmente interessadas na paz e na segurança mundial, o que têm disposto para enfrentar a mais perigosa forma de terror silencioso que se acerca do mundo inteiro, o “aquecimento global” causado pelos gases tóxicos, cujos efeitos se verificam em várias partes do mundo? Estabeleceram, acaso, diretrizes para o enfrentamento desse problema? Ou não é conveniente aos capitalistas que influenciam a política que isso aconteça, mesmo que possa levar à destruição de todo planeta? Essas pessoas devem pôr fim a sua avareza e cobiça e ceder ao chamado da consciência. A elas dizemos: “Tende temor a Deus no que se refere a Seus servos e nações, posto que sois responsáveis inclusive pelos campos e animais”. (Nahjul Balagha)
Dizemos tudo isso sem que estejamos em conflito com o Ocidente, e queremos antes, tratar com amizade aos povos ocidentais e conviver pacificamente com eles como com o mundo todo. Por isso não aceitamos que se estabeleça no Ocidente a ideia de hostilidade ao Islam nem desejamos a controvérsia política com os governos, que afeta negativamente a relação entre os povos. Exaltamos o espírito humanitário de muitos povos ocidentais que se colocaram ao lado de nossas causas justas. Não esquecemos as manifestações de milhões de pessoas nas ruas de Paris, Londres, Roma e mesmo nos EUA, condenando a guerra no Iraque, tampouco esquecemos a atitude de muitos povos ocidentais contra os crimes cometidos na Palestina e no Líbano.
Por outro lado, nós como muçulmanos, através de nossa valoração da ciência e de nosso fervor pelo intelecto e pensamento, apreciamos o progresso científico no Ocidente já que o consideramos um logro da civilização que ofereceu inúmeras razões para o desenvolvimento da humanidade. Contudo, em nosso exame sobre esse progresso devemos precisar em seu conteúdo e aspectos o grau de compatibilidade com os princípios éticos que devem regular a ciência. Porque o aproveitamento incorreto do conhecimento científico, como ocorre na realidade, perturba o equilíbrio ecológico e provoca excessos por meio de muitas ações contrárias à ética e o bem-estar, que acompanham o progresso tecnológico no mundo. Por essa razão o Islam exorta ao conhecimento ético, ou “a ética na ciência” para humanizar o saber.
Assim sendo, não vemos inconveniente em beneficiar-se das inovações científicas do ocidente, desde que o Islam afirma a necessidade de atentar para cada inovação, tomar disso o que for melhor e buscar o conhecimento onde quer que ele se encontre. Nos ensinamentos islâmicos não há qualquer menção a uma obrigatória vivência de ruptura cultural com os não-muçulmanos, pois isso supõe uma ruptura com a própria essência, o que é inconciliável com as necessidades da natureza humana. Por isso vemos o ser humano, por sua natureza e toda espontaneidade que emana de seu inconsciente, captar o melhor para enriquecer sua experiência e satisfazer suas necessidades básicas no plano material e espiritual.
Além disso, o Islam teve pontes ideológicas e culturais com o Ocidente, e em sucessivos períodos enriqueceu a formação do saber ocidental, mediante a abertura dos muçulmanos para o legado grego no que concerne às ciências intelectivas e a filosofia, as ciências empíricas; com a preservação desse legado traduzido e transmitido, acompanhado de seus próprios valiosos pontos de vista e teorias gerais da medicina, química, álgebra, astronomia e outros campos do conhecimento, que mais tarde foram disponibilizados ao Ocidente. Desejando, consultem a obra “A Civilização dos Árabes” de Gustave Le Bon. Sobre o mesmo tema há a obra “Imam Assadiq, como foi descrito pelos eruditos ocidentais” escrito por estudiosos europeus.
Reconhece isso Gustave Le Bon em sua obra “A civilização dos Árabes”: “O Impacto dessa civilização (islâmica) com seus ensinamentos de caráter científico, literário e moral é imenso. Uma pessoa não compreende o impacto produzido pelos árabes no ocidente a menos que imagine a situação da Europa no momento em que surgiu essa civilização”. Le Bon acrescenta: “O reinado da ignorância perdurou na Europa da Idade Média, e quando algumas mentes iluminadas sentiram a necessidade de se afastar da ignorância, bateram à porta dos árabes buscando que lhes encaminhassem até ao que precisavam, uma vez que só eles (os árabes) eram mestres naquela época”. Por isso, ninguém pode erguer barreiras diante da interação cultural dos povos, já que a produção científica representa um patrimônio da humanidade que se formou nos períodos sequenciais e para cuja cristalização contribuíram esforços unidos da humanidade toda. É por essa razão que a participação geral e de cada pessoa deve seguir isso, de maneira que um logro cultural não se encerra em sua origem.
Não significa um abandono da identidade ou a submissão da vontade para que os muçulmanos apaguem o progresso do ocidente e renunciem o intercâmbio cultural. Ademais, não deixa de ser uma maneira de se encaminhar mediante a ação e as leis divinas deixadas no Universo e que foram dispostas à serviço do homem, o que permite que qualquer ser humano possa pôr em prática, inovar e avançar.
Certamente que quem originou o intelecto não o liberou ao Ocidente e o restringiu ao Oriente, mas o dispôs como guia existencial de caráter geral, para que por meio disso o homem alcançasse o aperfeiçoamento. No Islam, vemos a estreita relação que existe entre a revelação e o intelecto, uma vez que o Alcorão usou os termos “meditar”, “refletir” e “aprender” de modo que qualquer pessoa os encontra declarados por todo o texto sagrado. Deus, glorificado Seja, finaliza com esses termos cada versículo referente a grandeza de Deus, os segredos de Sua criação e o que conforma a ordem da existência e comunica as maravilhas criadas por Deus.
Além disso, o mundo islâmico padeceu de regimes que viveram uma completa cisão com essa história marcada pelo pensamento científico, da mesma maneira que tem vivido afastado de seu próprio povo sem acompanhar suas aspirações progressistas. Pelo contrário, regimes que queriam que a comunidade se desligasse completamente de seu passado; e que ainda querem que a nação siga sendo somente um mercado consumidor de inovações estrangeiras, ao ponto que o mundo islâmico tem testemunhado a pior migração forçada, que nada mais é do que uma fuga de cérebros.
A busca de um Denominador Comum
À luz desse interesse mútuo pelo que se conseguiu ao longo da história e considerando o que foi invadido pela política, chegando a misturar-se em cada corredor estreito até converter a hostilidade política em hostilidade intelectual e ideológica. Acaso não se pode buscar um denominador comum entre Islam e Ocidente, por meio do qual se possa promover um ponto pacífico nas relações? O que poderia incluir os sistemas com aspectos morais e doutrinários comuns, que podem formar uma base sobre a qual seja possível edificar algo de positivo ou encontrar uma fórmula fundamentada nos valores que (devem) regular essa relação entre Islam e Ocidente. Isso contribuiria a eliminar a ansiedade e libertar os povos do temor mútuo.
De fato, se queremos buscar um denominador comum, deveremos transitar no âmbito do texto religioso em toda sua originalidade e clareza e fazer com que se manifeste aquilo que é inalterável e que está afastado da estreita compreensão discricional e da leitura superficial que deriva de visões preconceituosas, que submetem o texto aos costumes herdados, apresentando a religião em marcos rígidos sem qualquer relação com a emoção. Ao refletir sobre os textos, encontramos um convite a todos para que acreditem no Criador do universo, cuja luz abrange os mundos, uma vez que não é Senhor de um povo ou raça em particular, pois ninguém tem primazia sobre outros na relação com Ele, que não faz distinção entre Seus servos exceto com base na piedade e na boa ação. Dirige-se a todas as pessoas, de todas as nacionalidades e grupos étnicos. Disse, Glorificado Seja:
“Ó humanos, temei a vosso Senhor que vos criou de um só ser. E deste, criou sua companheira e, de ambos, fez surgir inumeráveis homens e mulheres. Temei a Deus, em cujo Nome solicitai vossos direitos mútuos e de laços consanguíneos. Deus é vosso Observador”. (C.4 – V.1)
“Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos, para que reconhecêsseis uns aos outros. Sabei que o mais honrado de vós diante de Deus, é o mais temente. Deus é Sábio e está bem inteirado”. (C.49 – V. 13)
Não age com parcialidade nem favorece a ninguém por sua cor ou raça. Quer que todas as pessoas contemplem os horizontes de Sua soberania absoluta e rejeitem quaisquer outros senhores fora Dele; já que não existe imponente algum que não obtenha sua imponência Dele, nem grandioso que não tenha obtido grandeza senão através Dele.
Portanto, rejeita os que alegam um favoritismo e proximidade a Ele, e que nem estes ou outros são Seus legatários para que possam dizer-se “povo escolhido de Deus”, a quem ele tenha dado Sua glória, ou que os tenha escolhido acima dos demais povos. Essas ideias fomentam uma visão racista que se arraiga e então se traduz numa conduta hostil contra os demais. Ideias que provocaram inúmeros derramamentos de sangue e a usurpação de direitos.
Ele é também o Mais Compassivo dos misericordiosos, cuja misericórdia abrange a existência toda. Essa é a compaixão cujo alcance Deus quer que a pessoa viva profundamente e contemple o sentido da vida de modo que isso crie raízes em seu íntimo transformando-se numa reação espontânea de consciência, e através disso viva e sinta a dor e o sofrimento dos demais.
Assim é a abertura ao mundo do transcendente que levará o ser humano ao Dia da Ressurreição, quando cada um receberá segundo seu merecimento; dia em que o ser humano estará no tribunal da Justiça Divina para ver as páginas de suas ações e responderá na presença do Criador; dia em que serão apresentadas as balanças da equidade, quando não haverá injustiça, opressão ou transgressão, pois imperará o juízo da verdade. Disse o Altíssimo: “A Ele cabe o conhecimento da Hora; e nenhum fruto sai de seu invólucro e nenhuma fêmea concebe ou dá a luz sem o Seu conhecimento”. (C. 21 – V.47)
A fé que se desenvolve na consciência humana é um sentido de autocontrole, que sente a presença divina permanente. A pessoa que se vê exposta integralmente diante de Seu Senhor, não infringe regras nem ofende os direitos, uma vez que há um Deus que acompanha e vê em todos os lugares e conhece o que ocorre no coração e habita a mente. Deus é quem conhece os segredos e o oculto. Deus disse:
“Criamos o homem e sabemos o que a sua alma lhe confidencia; e Nós estamos mais próximos dele do que a (sua) artéria jugular”. (C. 50 – V.16)
“No dia em que cada alma se deparar com todo bem que tiver feito e com todo mal que tiver cometido, desejará que haja uma grande distância entre ela e ele (o mal cometido). Deus vos exorta ao temor (a Ele). E Deus é Compassivo com os Seus servos”. (C.3 – V.30)
O diálogo permanece como o método civilizado pelo qual se pode manter uma abertura fora do auto isolamento e da asfixia espiritual, mas é uma ordem que não esgotou sua doçura e subsiste no espaço da imaginação, sem que se permita que se abra seu caminho à realidade; permanece como um desejo dos que buscam a verdade e exigem dos amantes do conhecimento, para que juntos estabeleçam as regras do encontro, para viver a esperança e procurar a luz no fim do túnel, para que então, surja a luz da aurora da verdade.
Que a paz esteja convosco.
Sheikh Ghassan Abdallah (Corporacion de Cultura e Ciência Islâmica – Santiago do Chile)