Sinais Fundamentais da Mensagem Islâmica
1. Quem é Muçulmano?
Todo aquele que pronunciar os dois testemunhos é muçulmano. Quer creia no Islã com sinceridade ou o faça formalmente. A partir desse esclarecimento geral, podemos dividir a fé do muçulmano e o seu vínculo com o Islã em duas partes:
a) A Crença
É o Islã formado com base na compreensão e convencimento mental e emocional, concretizado com a assiduidade e a prática dos preceitos da Shari’a (Lei Islâmica) e seus sistemas na vida. Esse grau de veracidade e assiduidade é o que denominamos de crença. O muçulmano que atinge esse grau na sua relação com Deus e na prática de Sua Lei nós denominamos “crente”. A crença, então, é o mais elevado grau no Islã, porque consiste numa atitude sincera acompanhada de prática completa e ininterrupta dos preceitos islâmicos: rituais, regras, instituições, conduta moral, compreensões, conselhos e ensinamentos.
O Alcorão classifica as pessoas em duas categorias quanto à obediência aos preceitos islâmicos: o muçulmano e o crente, ensinando que nem sempre o indivíduo que tem aparência de muçulmano é, na verdade, crente. Diz o Livro Esclarecedor: “Os beduínos dizem: Cremos! Dize-lhes: Qual! Ainda não credes; deveis dizer: Tornamo-nos muçulmanos, pois que a fé ainda não penetrou vossos corações. Porém, se obedecerdes a Deus e ao Seu Mensageiro, em nada serão diminuídas as vossas obras, porque Deus é Indulgente, Misericordioso. Somente são crentes aqueles que crêem em Deus e em Seu Mensageiro e não duvidam, mas sacrificam os seus bens e as suas pessoas pela causa de Deus. Estes são os verazes!” (49:14-15). Portanto, o Islã só será verdadeiro ao atingir a etapa de se acreditar e acatar completamente a vontade e a anuência de Deus. É a etapa descrita pelo versículo sagrado ao descrever a submissão de Abraão (AS) à vontade de Deus, glorificado seja: “E quando o seu Senhor lhe disse: Submete-te a Mim!, respondeu: Eis que me submeto ao Senhor do Universo! Abraão legou esta crença aos seus filhos, e Jacó aos seus, dizendo-lhes: Óh, filhos meus, Deus vos legou esta religião; apegai-vos a ela, e não morrais sem serdes submissos (a Deus)” (2:131-132). Esse é o Islã verdadeiro mencionado pelo Alcorão Sagrado. É o grau sublime da fé e da prática, que expressa a maturidade do crente, tanto ideológica quanto psicologicamente, orientando o seu comportamento e a sua vontade.
Esse é o Islã, que proporciona à humanidade o bem deste mundo e do Outro e concretiza os objetivos da mensagem transmitida pelo Profeta de Deus (S), ao dizer: “Trouxe-vos o bem deste mundo e do Outro.”
b) O Islã aparente
É a submissão formal, instável, que não se enraíza na pessoa nem influencia o seu comportamento, não reage com a sua vida nem governa as relações sociais do homem ou suas atividades quotidianas. Trata-se, aqui, de um arremedo, de uma aparência de Islã, como um galho flutuante, sem fundamento nem estabilidade. Essa aparência representa um perigo para a sociedade e para a Lei Islâmica. É um dos alarmes que indicam destruição e desvio, porque constitui o primeiro passo no caminho da degeneração da queda no precipício da ignorância. Por isso, esse tipo aparente de submissão não capacita o praticante ou o candidata para se incluir, realmente, sob a bandeira da crença, nem o capacita a atingir o grau do Islã no sentido real, expresso na Lei estabelecida pelo Mensageiro de Deus, Mohammad (S). Se o homem não alcançar esse grau, as separações e as distâncias ideológicas e de comportamento continuam enormes entre ele e o Islã como doutrina, lei e método cultural da vida. Ele segue na vida sem obter do Islã a não ser a casca aparente.
Quanto a esse grupo de muçulmanos, devemos dividi-lo em duas categorias, que são:
1. O hipócrita
É todo aquele que manifesta o Islã e esconde a incredulidade. O hipócrita é um muçulmano “de fachada”, sobre quem se aplicam as Leis Islâmicas. Nós nos relacionamos com ele como muçulmanos, sem levar em conta a sua condição real nem a verdade a respeito de sua (falta de) crença, que ele dissimula.
2. O prevaricador
É todo muçulmano que crê no Islã, porém não o aplica na sua vida e nem segue as suas leis. A diferença entre os dois tipos é muito grande: em relação ao hipócrita, que é idêntico ao incrédulo, o prevaricador mantém uma diversidade de caráter doutrinário, se podemos dizer assim. O Alcorão confirma isso: “Não reparas, acaso, nos hipócritas, que dizem aos seus irmãos incrédulos, dentre os adeptos do Livro: ‘Juramos que se fordes expulsos, sairemos convosco e jamais obedeceremos a ninguém, contra vós; e, se fordes combatidos, socorrer-vos-emos’. Porém, Deus atesta que são uns mentirosos” (59:11). Quanto ao prevaricador, o Alcorão não o trata da mesma maneira que trata o hipócrita. A diferença é manifesta no comportamento de ambos, diverso na forma, sem que se leve em consideração o conteúdo de seu coração nem de seu interior.
c) O Método da Pesquisa
O Islã, na sua estrutura e esquema de existência, forma uma unidade ideológica, legislativa e orientadora. O seu escopo compreensivo lança explicação ideológica ampla, a partir da qual são traçadas linhas culturais distintas. Ao se analisar objetivamente a sua estrutura religiosa, conseguimos descobrir quatro verdades básicas, que lhe dão uma forma específica na sua identidade, na identidade do indivíduo e da sociedade. Essas verdades são:
1. Os princípios básicos sobre os quais o Islã é fundamentado;
2. O conteúdo que a Missão Islâmica carrega;
3. As particularidades da Missão Islâmica;
4. Os objetivos do Islã.
Vamos tentar, em nosso estudo sucinto, analisar essas quatro verdades e esclarecê-las.
1. Os princípios básicos sobre os quais o Islã é fundamentado
O Islã, ao especificar a sua visão e compreensão em relação ao homem, ao universo e à vida, organizando as atividades e a vida do ser humano, traçando o método de comportamento, de pensamento e de relações legislativas e sociais, o faz partindo com a determinação de princípios e fundamentos gerais. Eles conformam a base que dá origem a todas as legislações, códigos e preceitos islâmicos. Sobre estes, assenta-se o atendimento a todas as necessidades humanas, de forma que se concretize a harmonia e a concordância completa entre essas bases e as regras gerais, de um lado, e entre as intenções da Lei Islâmica, seus objetivos e os demais preceitos, códigos e ensinamentos, de outro. Esses princípios e bases são:
1. A adoração e a legislação pertencem somente a Deus;
2. A coordenação entre a criação e a legislação;
3. A crença na unicidade do tipo humano;
4. O homem é a mais nobre criatura sobre a terra;
5. O equilíbrio e a moderação;
6. A consideração da vida terrena como uma etapa da existência do homem.
Para maior esclarecimento desses pensamentos e conceitos básicos, vamos expô-los em detalhes:
1. A adoração e a legislação pertencem somente a Deus.
“O juízo somente pertence a Deus, Que vos ordenou não adorásseis senão a Ele. Tal é a verdadeira religião; porém, a maioria dos humanos o ignora” (Alcorão Sagrado, 12:40). A partir dessa ampla base doutrinária emana toda legislação, código e compreensão do Islã. Essa base é o princípio e o moto da crença, que expressa a Unicidade de Deus, glorificado seja, a adoração e o vínculo do homem a Ele. A Deus pertence a criação, a soberania, a ordem, a vontade e o poder efetivo. Não é dado ao homem crer, legislar, colocar regras ou dispor da vida de forma contrária à vontade de Deus e à Sua lei. A partir dessa submissão e desse dever ideológico surgiu no Islã a rejeição ao despotismo humano e à ideia da delegação divina à humanidade. Todos estão submetidos à justiça de Deus e estão vinculados à Sua vontade. Certamente, a posição correta e o comportamento humano dependem da extensão da adaptação com relação à vontade de Deus, glorificado seja, representada na lei divina transmitida pelo Mensageiro da Misericórdia, Mohammad (S).
Nenhum ser humano tem o direito de legislar ou agir de acordo com seus próprios interesses, desejos, instintos, fazendo-se legislador de maneira autônoma. Nem aos profetas e mensageiros, que são a elite e os líderes da humanidade, foi facultado esse direito. Como seres humanos, eles não possuíam o poder de praticá-lo. Por isso, o Alcorão diz ao Nobre Profeta (S): “Mas, quando lhes são recitados os Nossos versículos esclarecedores, aqueles que não esperam o comparecimento perante Nós, dizem: Apresenta-nos outro Alcorão que não seja este, ou, por outra, modificado! Dize: Não me incumbe modificá-lo por minha própria vontade; atenho-me somente ao que me tem sido revelado, porque temo o castigo do Dia Terrível, se desobedeço ao meu Senhor” (Alcorão Sagrado, 10:15). Por isso, segue-se o princípio: “A crença em Deus, a adoração do ser humano a Ele, o deixar a situação, a legislação e a sentença somente para Ele formam uma base e partida para todas as construções mentais, culturais e de comportamento na vida humana.”
2. A Coordenação Entre A Criação e a Legislação
Quanto ao segundo princípio adotado pelo Islã na normatização, trata-se do vínculo entre a criação e a legislação, bem como a coordenação entre elas. O Islã se preocupou com o lado criativo do homem, tornando os códigos, as formalidades, as práticas e as responsabilidades estabelecidas nessa base. O Islã leva em consideração que o homem é uma unidade objetiva completa, indivisível quanto ao corpo material e o poder espiritual e psicológico. Por isso, reconheceu a necessidade de cada um desses aspectos e estabeleceu a legislação adequada para organizá-lo e satisfazer suas necessidades. O Islã acredita que o homem, com a sua forma física, faz parte do mundo natural e tem as suas necessidades materiais, instintivas e inatas, de alimento e de líquido, de habitação, de vestimenta, de tratamento, de matrimônio, entre outras. O Islã reconheceu e tratou com precisão esse lado humano, com solicitude, proteção legal e educacional. Preocupou-se também com o lado espiritual e psicológico do homem. Ele cuidou de desenvolvê-lo, orientá-lo e satisfazê-lo, de forma a proteger o seu equilíbrio e assegurar a unidade de direção no movimento humano: “Mas procura, com aquilo com que Deus te tem agraciado, a morada do Outro Mundo; não te esqueças da tua porção neste mundo e sê amável, como Deus tem sido para contigo, e não semeies a corrupção na terra, porque Deus não aprecia os corruptores” (Alcorão Sagrado, 28:77). Assim, o Islã busca concretizar, para o homem, o bem-estar material, a felicidade nesta vida e a garantia, na Outra Vida, da felicidade eterna. Ele não separa ou estimula qualquer contradição entre os aspectos da condição biológica e fisiológica do homem e os aspectos de sua personalidade, mentalidade e ética.
3. A Crença na Unicidade do Tipo Humano
A Mensagem islâmica parte, em suas relações com o resto dos tipos humanos, de uma visão realista cósmica, baseada na crença na unicidade do tipo humano; de que todas as pessoas pertencem a uma só origem e participam de uma só verdade: a humanidade. Todos eles são iguais na sua formação e natureza. Como seres humanos, vivem a vida e participam dos sentimentos e tendências, das aptidões e necessidades básicas naturais. A partir desse reconhecimento cultural, o Islã rejeitou as diferenças e os limites criados pelo homem, e os considerou dos conceitos da ignorância que demonstram o espírito de egoísmo, de ignorância, de complexo de superioridade humana. Por isso, também, o Alcorão declarou guerra a essas diferenças e conceitos da época da ignorância, elevando o símbolo da unicidade da raça humana, dizendo: “Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos, para reconhecerdes uns aos outros. Sabei que o mais honrado, dentre vós, ante Deus, é o mais temente. Sabei que Deus é Sapientíssimo e está bem inteirado” (Alcorão Sagrado, 49:13). “Ó humanos, temei a vosso Senhor, que vos criou de um só ser, do qual criou a sua companheira e, de ambos, fez descender inúmeros homens e mulheres. Temei a Deus, em nome do Qual exigis os vossos direitos mútuos e reverenciai os laços de parentesco, porque Deus é vosso Observador” (Alcorão Sagrado, 4:1). O Profeta da humanidade, Mohammad (S) confirmou esses sublimes princípios no seu sermão histórico e eterno após a peregrinação de despedida, dizendo: “Ó gente, o vosso Senhor é Um só, o vosso pai é um só. Todos vós pertenceis a Adão e este foi criado do barro. “Sabei que o mais honrado, dentre vós, ante Deus, é o mais temente”. Não há distinção entre o árabe e o não árabe a não ser pela piedade.” Baseado nesses sublimes princípios, o Islã estabeleceu seus critérios reais quanto à preferência e avaliação. Estabeleceu o critério de preferência e a avaliação humana com precisão e julgamento científico íntegro que dirige a humanidade para o progresso e a perfeição, fazendo brotar nela as fontes do bem e da criatividade. Por isso, restringiu os motivos de preferência em:
a. A crença e a piedade. O Islã estabeleceu isso como base para a preferência e avaliação, porque é a fonte da concessão do bem, o motivo para aperfeiçoar a personalidade do indivíduo e a partida para corrigir a sua marcha na vida: “Sabei que o mais honrado, dentre vós, ante Deus, é o mais temente” (Alcorão Sagrado, 49:13). “Não há distinção entre o árabe o não árabe a não ser pela piedade.”
b. O conhecimento. O segundo critério de avaliação é o conhecimento. Deus, exaltado seja, diz: “Poderão, acaso, equiparar-se os sábios com os ignorantes? Só os sensatos é que são lembrados disso” (Alcorão Sagrado, 39:9).
c. O empenho e o sacrifício pela causa de Deus em defesa do direito e do bem anunciado pelos profetas. Deus, exaltado seja, diz: “Ele concede maior dignidade àqueles que sacrificam os seus bens e as suas vidas do que aos que permanecem (em suas casas). Embora Deus prometa a todos (os crentes) o bem, sempre confere aos combatentes uma recompensa superior à dos que permanecem (em suas casas)” (Alcorão Sagrado, 4:95).
Dessa forma, o Islã estabeleceu seus critérios ideológicos de avaliação e preferência para que o benéfico e o maléfico não estejam no mesmo nível, fazendo ressurgir em cada indivíduo os estímulos do bem e os incentivos nobres de dedicação humana. Esses princípios humanos são facultados a todos. Cada indivíduo consegue se elevar na sua direção. Conseguem, ao mesmo tempo, ser o verdadeiro critério que demonstra a pessoa humana, avaliando o seu empenho e a sua hombridade, ao contrário dos critérios elaborados da época de insensatez, como os critérios de raça, de classe, de riqueza, de partido, de poder, de parentesco, etc. Esses não interpretam, de nenhuma forma, o bom espírito humano intrínseco em cada indivíduo, nem o estimula a se envolver na prática do bem, na excelente dedicação humana, mas na prática do inverso disso. Ele mata no indivíduo o espírito do bem e da criatividade e reprime o espírito de sentimento humanístico e seu valor social, seu poder de superação e crescimento social, porque são critérios submetidos, na sua avaliação, a coações, não à vontade do ser humano, nem à sua hombridade ou à sua capacidade e aptidão. Assim, age no cerramento das portas da superação social, matando o espírito de sentimento de igualdade, estimulando o espírito de rancor e de disputa nas classes da sociedade.
4. O Homem é a Mais Nobre Criatura Sobre a Terra
O Islã, em sua avaliação e relacionamento com o ser humano, parte de um princípio fundamental: a crença de que o ser humano é a mais elevada, nobre e valiosa criatura sobre a terra. Que tudo que há na terra está submetido a ele e existe para o seu bem. Deus, exaltado seja, diz: “Ele foi Quem vos criou tudo quanto existe na terra; então, dirigiu Sua vontade até ao firmamento do qual fez, ordenadamente, sete céus, porque é Onisciente” (Alcorão Sagrado, 2:29). E diz: “E vos submeteu tudo quanto existe nos céus e na terra, pois tudo d’Ele emana. Em verdade, nisto há sinais para os que meditam” (Alcorão Sagrado, 45:13). E diz, ainda: “Enobrecemos os filhos de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com todo o bem, e os preferimos enormemente sobre a maior parte de tudo quanto criamos” (Alcorão Sagrado, 17:70).
Portanto, a riqueza, a terra, o sol, a lua, as estrelas, os animais, as propriedades, as coisas boas, tudo nesta vida existe para servir ao ser humano. A sua condição humana, que o distingue do resto das criaturas, é a mais elevada realidade sobre a terra, devido ao que possui de raciocínio, vontade e conhecimento.
O ser humano, depois de lhe serem concedidas essas distinções e capacidades, torna-se, na ótica do Islã, responsável pela manutenção dessas elevadas particularidades humanas, encarregado de formar um ambiente cultural e ético sobre a terra, tornando-se uma expressão iluminadora no grande Livro do Universo. Somente em harmonia com o espírito desse belo mundo o homem será o fiduciário do que lhe foi confiado e merecedor do que lhe foi concedido de valor e nobreza: “Por certo que apresentamos a custódia ao firmamento, à terra e às montanhas, que se negaram e temeram recebê-la; porém, o homem se encarregou disso, mas provou ser injusto e insipiente” (Alcorão Sagrado, 33:72).
Portanto, quando o ser humano se conscientizar de seu valor e posição sobre a terra e souber de sua grande responsabilidade, deve se empenhar na realização da sua condição, seguindo o caminho de superação, de acordo com o sistema de vida traçado pelo empenho e pela sabedoria de Deus. Essa trajetória deve ser seguida com precisão e cuidado, para que a pessoa não perca a sua condição humana, o seu valor e sua honra, transformando-se em elemento meramente material, negligenciado nas contas da insensatez.
As abordagens materialistas, tão comuns em nossa sociedade, transformaram o ser humano em elemento de produção, um meio de execução, tratando-o como um aparelho mecânico, distante dos valores, dos conceitos e dos sentimentos realmente humanos. Para que o homem não se esqueça dessa verdade e não ignore o seu valor, o Alcorão passou a estimular nele o espírito humanístico, semeando no seu interior o significado da nobreza. Estabeleceu nele a posição natural entre ele e o mundo inanimado, reformulando o equilíbrio da relação entre objetivo e meio. Fê-lo recordar que tudo nesta vida é um meio para servi-lo e motivo para lhe proporcionar o seu bem e a sua felicidade, para que não seja enganado pela cobiça material nem seja escravizado pelos sedutores. Deus, exaltado seja, diz: “Enobrecemos os filhos de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com todo o bem, e os preferimos enormemente sobre a maior parte de tudo quanto criamos” (Alcorão Sagrado, 17:70). Com base nisso, o Islã edificou sua visão sobre o homem e sobre o que o cerca, distinguindo as coisas e meios úteis e prazerosos existentes no mundo natural. Ele conformou todas as regras e todos os valores para concretizar essa verdade e concedê-la ao homem, tornando sua vida repleta de movimento e satisfação.
5. O Equilíbrio e a Moderação
O ponto de vista do Islã e a sua compreensão quanto às atividades e posições humanas, a relação do homem com as coisas e os assuntos de ordem material diferem da compreensão, avaliação e os pontos de vista dos diferentes sistemas ideológico-sociais, como o comunismo, o capitalismo, o socialismo, etc.. Também difere seu ponto de vista das filosofias e teorias morais, psicológicas e sociais representadas por tendências e escolas diversas, que conduziram o indivíduo e a sociedade a uma situação de instabilidade, de desequilíbrio psicológico e ético.
A ênfase no hedonismo e na supervalorização da liberdade – que degenerou, em muitos casos, em libertinagem – se reflete na situação política, econômica e social contemporânea, tanto individual quanto coletivamente. A ética foi abandonada, tornando-se o exagero, a negligência, o desperdício e o abuso um fenômeno cultural destruidor, mas muitas vezes aceito, abusando da saúde física e psicológica do homem. Esta extrema licenciosidade moral solapa as riquezas, a organização da sociedade e a estabilidade da vida. Nenhuma coisa, na conduta desse ser humano materialista, se submete a uma avaliação ou é colocada numa balança de valores e de ética.
Depois de transformar o prazer a qualquer custo em objetivo final da existência, a anarquia torna-se fundamento, generalizando-se para o comportamento humano. Para atingir o prazer máximo e constante, perderam-se todos os valores, juntamente com os critérios estabelecidos para a conduta humana, desequilibrando-se as equações da vida, com a sociedade sendo dominada por uma espécie de desordem, negligenciando o comportamento humano e seus instintos.
Essa civilização materialista gerou um ser humano confuso, desequilibrado, com personalidade concupiscente e inquieta, de tal forma que permite ao pesquisador e historiador denominarem a civilização materialista contemporânea como “civilização da insensatez e da perdição”. O homem, nessa civilização, distanciou-se das bases da moderação e da retidão. Ações como ingerir comida e líquido, as relações sexuais, o acúmulo de riquezas e o uso da autoridade, tudo é feito com exagero e desperdício. A demonstração de seus sentimentos, como o amor, o ódio, a satisfação, a ira e a aversão também é feita sem comedimento. O homem se transformou em um ser insensato, desequilibrado, pois morreu no seu íntimo o domínio da retidão, desaparecerem de seu mundo os controles morais e os valores espirituais.
Para salvar o ser humano dessa corrente material inquietante e destrutiva, o Islã submeteu o comportamento, os instintos, as tendências psicológicas e as relações sociais humanas ao controle da Organização Cósmica. O Islã inclui todo comportamento humano e suas relações em equações equilibradas, baseadas numa estrutura sólida de caráter psicológico e moral. Os versículos do Alcorão, as análises dos juristas e os vários textos islâmicos confirmam esse princípio, modelando um código e uma base para a vida: “A base do controle, equilíbrio e moderação”. A norma mais precisa que surgiu nesse sentido é a Mensagem Divina dirigida ao Profeta da humanidade, Mohammad (S), como segue: “Sê firme, pois, tal qual te foi ordenado, juntamente com os arrependidos, e não vos extravieis, porque Ele bem vê tudo quanto fazeis” (Alcorão Sagrado, 11:112). Em outros textos do Alcorão vemos uma definição exata e uma especificação clara desse princípio básico das leis e dos valores, consubstanciados na Sharia. Vamos citar, como exemplo, as palavra de Deus, exaltado seja, falando do comportamento pessoal do muçulmano e do método de relacionamento com as riquezas e as coisas, quanto a gastar e consumir. Deus, exaltado seja, diz: “São aqueles que, quando gastam, não se excedem nem mesquinham, colocando-se no meio-termo” (Alcorão Sagrado, 25:67). “Não cerres a tua mão excessivamente, nem a abras completamente, porque te verás censurado, arruinado” (Alcorão Sagrado, 17:29). “Ó filhos de Adão, revesti-vos de vosso melhor atavio quando fordes às mesquitas; comei e bebei; porém, não vos excedais, porque Ele não aprecia os que se excedem” (Alcorão Sagrado, 7:31).
As orientações do Alcorão não se restringem à moderação e ao se livrar do excesso e da insensatez. Abrangem, igualmente, as situações psicológicas do homem, organizando e controlando o equilíbrio da sua reação diante das situações da vida. Deus, exaltado seja, diz: “Quando os castigardes, fazei-o do mesmo modo como fostes castigados; porém, se fordes pacientes será preferível para os que forem pacientes” (Alcorão Sagrado, 16:126). “Para que vos não desespereis, pelos (prazeres) que vos foram omitidos, nem vos exulteis por aquilo com que vos agraciou, porque Deus não aprecia arrogante e vaidoso algum” (Alcorão Sagrado, 57:23). “Não mateis o ser que Deus vedou matar, senão legitimamente; mas, se matardes alguém injustamente, facultamos ao parente do morto a represália; porém, que (o parente) não se exceda na vingança, pois ele está auxiliado (pela lei)” (Alcorão Sagrado, 17:33).
Os exemplos de apelo à moderação e ao equilíbrio, tanto no Alcorão quanto na Sunna, nos compêndios de estudos morais, éticos e legislativos que os muçulmanos elaboraram ao longo da história são muitos. Os fenômenos da moderação e equilíbrio aparecem em todas as legislações e entendimentos no Islã: na comparação entre as questões da vida terrena e da Outra Vida, como é dito nas palavras de Deus, exaltado seja: “Mas procura com aquilo com que Deus te tem agraciado a morada do Outro Mundo; não te esqueças da tua porção neste mundo, e seja amável, como Deus tem sido para contigo” (Alcorão Sagrado, 28:77); aparecem na comparação entre o instinto individual e a ação coletiva, para efetivar o equilíbrio entre os interesses do indivíduo e da sociedade, eliminando o egoísmo, de um lado, e protegendo a liberdade e a vontade individual, do outro; aparecem na comparação entre os direitos e os deveres do indivíduo, da nação e da sociedade; aparecem na comparação entre os sexos, etc.. Todo mundo conhece a influência da moderação e do equilíbrio no estabelecimento da organização da vida e da orientação da capacidade humana, para o proveito e o bem da própria humanidade.
6. Consideração da Vida Terrena Como Uma Etapa na Existência do Ser Humano
O mais importante princípio básico que influencia o sistema de vida islâmico é o da crença na Outra Vida, ou seja, na extensão eterna da vida humana após a morte, o que contradiz a ideia materialista de desaparecimento do ser humano. A concepção da interrupção definitiva da vida humana e o seu encerramento no mundo terreno, restringindo-a ao tempo de sobrevivência neste plano, é uma ideia materialista e insensata, pois nega os princípios da Ressurreição, Julgamento, responsabilidade, castigo e recompensa após a morte. A ideia que o homem insensato e o pensamento materialista continuam repetindo ao longo dos séculos é: “Não há mais vida do que esta, terrena! Morremos e vivemos e jamais seremos ressuscitados!” (Alcorão Sagrado, 23:37).
Nas contas do homem insensato e materialista, não entra o conceito da Outra Vida. Ele não age como quem crê no Julgamento, na responsabilidade e na eternidade, restringindo toda a sua preocupação a esta vida e só trabalhando para ela. Parece-se com o peixe: não sente a vida, a não ser debaixo da água, limitando a extensão do movimento à sua constante natação. Sob o domínio desse pensamento materialista, não deixa de adquirir o que lhe proporciona prazer, mesmo que isso cause prejuízos aos outros, destruindo o sistema de vida e eliminando a felicidade humana. Quem crê nisso não está preparado para praticar o bem por si, mas o faz para auferir lucros pessoais e egoísticos nesta vida. Assim, não consegue deixar de causar desequilíbrio no sistema de vida ou se afastar de prática de vários tipos de contravenções, negando a sua responsabilidade perante o seu Criador e negando o castigo após a vida terrena.
O materialista age de maneira contrária ao muçulmano. Este edifica todo o seu comportamento e suas relações, suas atividades e suas compreensões da vida sobre a consciência de que a vida terrena é uma etapa curta na existência do ser humano, uma introdução para o Mundo Eterno. Diante desta realidade transcendente, a vida se debilita e as tentações se tornam insignificantes, a ponto de a realidade mundana parecer algo insípido e frugal. O muçulmano não se impressiona com as preocupações humanas e elas não consomem sua existência. Por isso, ele age de acordo com o sentimento de responsabilidade e a crença na recompensa da Outra Vida, depreciando tudo o que há nesta, sem se apegar a ela ou lutar desbragadamente por ela.
Nesta condição islâmica, é muito natural que o homem viva num despertar de consciência e auto-observação, fundamentando seu comportamento na prática do amor e do bem pelo bem, afastando-se da luta e do sacrifício pelo lucro da vida efêmera. Ele direciona a sua preocupação e empenho por um mundo mais sublime e um “lucro” melhor e mais duradouro: a eternidade. Ele percebe que vive neste mundo apenas para incluir a sua existência no mundo da felicidade eterna.
A ideia de religião nada mais é, depois da crença em Deus, do que a confirmação desse princípio. Vemos o Alcorão Sagrado e a Sunna Profética, em cada oportunidade, falando ao homem sobre o mundo vindouro, aprofundando a sua compreensão e sentimento da verdade da vida e o valor da Outra Vida. O Alcorão diz ao homem: “Tudo quanto vos foi concedido (até agora) é o efêmero gozo da vida terrena; no entanto, o que está junto a Deus é preferível e mais perdurável, para os crentes que confiam em seu Senhor” (Alcorão Sagrado, 42:36). “Os crentes, que migrarem e sacrificarem seus bens e suas pessoas pela causa de Deus, obterão maior dignidade ante Deus e serão os ganhadores. O seu Senhor lhes anuncia a Sua misericórdia, a Sua complacência, e lhes proporcionará jardins, onde gozarão de eterno prazer” (Alcorão Sagrado, 9:20-21). “Os crentes, que praticam o bem, serão os diletos do Paraíso, onde morarão eternamente” (Alcorão Sagrado, 2:82). “Dize: Contentai-vos com a graça e a misericórdia de Deus! Isso é preferível a tudo quanto entesourarem” (Alcorão Sagrado, 10:59). “Ó humanos, a promessa de Deus é verdadeira! Que a vida terrena não vos iluda, nem vos engane o sedutor, com respeito a Deus” (Alcorão Sagrado, 35:5).
Esses são os mais importantes princípios básicos que o Islã adotou na edificação do pensamento, do comportamento e do sistema de vida humanos. Ele se preocupou, em cada situação, que esses princípios e crenças não fossem meros dogmas em que o muçulmano deva acreditar, ou conselhos e orientações que nascem, vivem e morrem no círculo do pensamento teórico. O Islã agiu para transformá-los em bases científicas que fundamentam todos os aspectos da vida, todas as atividades e os comportamentos do ser humano, no seu quotidiano e na sua relação com o além.