Os assuntos culturais e sociais da mulher, os seus deveres legais e morais no âmbito da relação conjugal, a participação da mulher no governo e a sua igualdade com o homem, entre outros assuntos, fazem parte deste diálogo da pesquisadora alemã Raquel Fischbach com Sua Eminência, o Jurisconsulto (Allamah) Sr. Mohammad Hussein Fadlallah. Acompanhe a seguir:
A mulher nos centros de saber
Raquel Fischbach: Vossa Eminência acha que o estudo dos assuntos culturais da mulher difere da sua estada na Nobre (cidade de) Najaf ? Vossa Eminência se preocupava com os assuntos da mulher em Najaf?
Sua Eminência Ayatollah Mohammad Hussein Fadlallah: Não havia qualquer movimento feminino na Nobre Najaf quando eu morava lá. Havia algumas mulheres instruídas apegadas à linha islâmica, que acreditavam que tinham o dever de desempenhar a atividade de conscientização islâmica nas fileiras femininas. À frente dessas mulheres estava a senhora Amina Assadr, irmã do senhor Mohammad Báquir Assadr, que procurava instruir-se com a cultura islâmica. Ela começou a escrever artigos islâmicos na revista “Al Adwá”, publicada por um grupo de sábios na Nobre Najaf. Eu era um dos responsáveis por esta publicação.
Essa mulher teve um papel preponderante na conscientização islâmica das mulheres e na sua instrução islâmica. Ela viajava cada semana para Kazimiya, por causa desse objetivo. Ao mesmo tempo, procurava instruí-las politicamente na verdadeira linha islâmica, através do partido de propagação que era dirigido por seu irmão, Mohammad Báquir Assadr.
Depois disso, apareceram várias mulheres na região xiita, quer seja em Najaf ou em Bagdá, que passaram a trabalhar na conscientização da comunidade feminina. Essa situação representou um pequeno movimento feminino islâmico, mas não ao nível do movimento que acontece atualmente em Qom. Além de que, as mulheres hoje em dia, quer seja no Iraque, Irã ou Líbano, no meio xiita em geral, passaram a frequentar as universidades e especializaram-se em vários campos, além de atuarem em setores políticos. Vemos também, atualmente, que no Iraque há algumas mulheres na lista da conciliação unificada dos xiitas. Elas conseguiram se eleger nas eleições legislativas. Há algumas, inclusive, que assumiram funções nos ministérios e nos departamentos culturais públicos.
A mulher é um ser humano como o homem
RF: Eminência, qual é a vossa preocupação pessoal com os assuntos da mulher?
MHF: A mulher é um ser como o homem. O Islã não coloca a mulher à margem para ser mera dona de casa. Desde o início, vejo que é direito da mulher instruir-se, porque Deus, exaltado seja, quer que todos os seres humanos, homens e mulheres, se instruam. Isso é confirmado pelas palavras do Altíssimo: “Poderão, acaso, equiparar-se os sábios com os ignorantes?” (39:9), sem distinguir na questão da instrução entre a mulher e o homem.
Eu vejo que é direito da mulher desempenhar funções sociais que são representadas pelos serviços humanos na realidade social, em relação aos grupos que necessitam de cuidados. Vejo, também, que é direito da mulher ingressar na vida pública e na vida política. A política não é monopólio do homem e a mulher tem o direito de se candidatar às eleições, ser eleita se conseguir os votos da maioria em sua comunidade. Ela tem o direito de exercer cargos públicos se possuir a cultura do serviço público, na base de que não há distinção entre a mulher e o homem quanto ao lado cultural e político.
Eu confirmava e continuo confirmando que o Islã nunca fala da fragilidade da mulher, mas da fragilidade do ser humano. O Altíssimo diz: “E Deus deseja aliviar-vos o fardo, porque o homem foi criado débil.” (4:28). Da mesa forma que Deus quis que o homem fortalecesse a sua personalidade, quis que a mulher também fortalecesse a sua personalidade, porque a responsabilidade, como é do homem, é também da mulher. Deus nos apresentou no Alcorão um tipo de mulher inteligente, sábia, que representa o nível mais forte em inteligência e sabedoria. É a Rainha Balquis, a rainha de Sabá. Quando o profeta Salomão (AS) lhe enviou uma carta contendo uma forte ameaça, ela reuniu o seu povo e “… disse: Ó chefes, foi-me entregue uma carta respeitável. É de Salomão (e diz assim): Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso. Não sejais arrogantes; outrossim, vinde a mim, submissos! Disse mais: Ó chefes, aconselhai-me neste problema, posto que nada decidirei sem a vossa aprovação.” (27:29-32). Ela desejou que eles apresentassem um plano através do qual pudessem enfrentar a ameaça da carta. Mas eles não tinham nenhum plano. “Responderam: Somos poderosos e temíveis; não obstante, o assunto te incumbe; considera, pois, o que hás de ordenar-nos.” (27:33), ou seja, somos corajosos e podemos lutar, mas não temos uma opinião formada. A decisão é sua. Se nos ordenar, acatamos a sua ordem nessa questão. Foi aí que ela tomou a sua decisão: “Disse ela: Quando os reis invadem uma cidade, devastam-na e desonram os seus nobres habitantes; e assim farão. Porém, eu lhe enviarei presentes, e esperarei, para ver com que (resposta) voltarão os emissários.” (27:34-35), ou seja, vou aguardar para ver se Salomão é um rei que deseja o domínio, a conquista e a violência, ou é um profeta que tem uma missão. Dessa forma as coisas foram se desenvolvendo até que ela disse: “… agora me consagro, com Salomão, a Deus, Senhor do Universo!” (27:44). Foi Salomão que a convenceu a se submeter junto com ele. Ela não disse que iria se submeter depois de Salomão. Isso mostra que ela tinha pensamento e sabedoria.
O Alcorão fala-nos sobre a mulher do Faraó, que conseguiu ater-se aos seus princípios religiosos. Ela não se submeteu à linha do Faraó quanto ao politeísmo e à injustiça praticada contra as pessoas. Deus, o Altíssimo ordenou os crentes, homens e mulheres, seguir o exemplo dessa mulher forte que conseguiu rejeitar todas as atrações mundanas, o prazer e a posição de poder que ela ocupava. O Altíssimo diz: “E Deus dá, como exemplo aos crentes, o da mulher do Faraó, a qual disse: Ó Senhor meu, constrói-me, junto a Ti, uma morada no Paraíso, e livra-me do Faraó e das suas ações, e me salva dos injustos!” (66:11)
Da mesma forma, Deus apresentou-nos a Maria, filha de Imran, que ocupava posição sagrada e era pura: “… por ter acreditado nas palavras do seu Senhor e nos Seus Livros, e por se ter contado entre os consagrados.” (66:12). Ela foi a mulher consciente e forte, que enfrentou seu povo e o desfiou depois de ter sido acusada de desvio, absorvendo a sua força da posição de sua aproximação de Deus, o Altíssimo.
Por isso, acreditamos que o Alcorão não falou da mulher de forma negativa. Mesmo que tenha-nos apresentado exemplos negativos de mulher: “Deus exemplifica, assim, aos incrédulos, com as mulheres de Noé e a de Lot: ambas achavam-se submetidas a dois dos Nossos servos virtuosos; porém, ambas os atraiçoaram e ninguém pôde defendê-las de Deus. Ser-lhes-á dito: Entrai no Fogo, juntamente com os que ali entrarem!” (66:10). Esse é um exemplo de mulher negativa, que ocupava uma posição de distinção como esposa de um dos profetas e, apesar disso, Deus não lhe deu valor pelo lugar que ocupava, mas a castigou pelos seus atos abomináveis.
À luz disso, compreendemos que o Islã não faz distinção entre o valor espiritual e a questão da aproximação e distanciamento de Deus, entre o homem e a mulher, como vemos nas palavras do Altíssimo: “Jamais desmerecerei a obra de qualquer um de vós, seja homem ou mulher” (3:195). Acreditamos que o Alcorão Sagrado não fala da mulher de forma negativa, como alguns muçulmanos afirmam por meio de pensamentos retrógrados, que sobrevivem com base em experiências históricas momentâneas e errôneas, no que diz respeito à mulher.
O pedido de divórcio
RF: S. Eminência afirma, em seus livros, que o homem é o responsável pelo lar. Por isso, ele tem o direito de pedir o divórcio. Por que se dá o direito de pedir o divórcio ao homem e não à mulher?
MHF: Há uma questão que deve ser esclarecida. A família representa uma instituição que tem duas dimensões: material e espiritual. Deus diz: “Entre os Seus sinais está o de haver-vos criado companheiras da vossa mesma espécie, para que com elas convivais; e colocou amor e piedade entre vós” (30:21). Há um lado que parte do valor espiritual e há um lado que parte das obrigações materiais. Quanto à responsabilidade dos homens pela mulher, é uma responsabilidade administrativa, levando-se em consideração que o homem é que exerce a função de administrar a parte financeira do lar e da esposa. Ele é o responsável pelo sustento da mulher e dos filhos. Quanto à mulher, o Islã não a encarregou de qualquer responsabilidade no lar. Ela não é responsável, legalmente, por cumprir os serviços do lar. Ela não é obrigada, legalmente, a educar os filhos. O Islã considera que, pelo trabalho que a mulher exerce na casa, pode pedir salário por ele, porque ela trabalha como os outros. No que diz respeito ao lado legal e material, a mulher tem o direito de pedir pagamento por amamentar seu filho. Se ela exigir uma pagamento alto, ele pode ser amamentado por outra mulher. O Islã não encarrega a mulher de qualquer responsabilidade legal de cumprir qualquer serviço doméstico.
O casamento é um contrato entre homem e mulher, exatamente igual a qualquer contrato entre pessoas. Dentro das responsabilidades de ambas as partes está a de que a mulher satisfaça o homem sexualmente e, em nossa opinião, o homem também é responsável em satisfazer a mulher sexualmente, se ela tiver necessidade disso, porque o Islã encarregou o homem de muitas responsabilidades no lar.
A responsabilidade moral na família
RF: Não há, acaso, responsabilidades morais dentro dessa relação?
MHF: Antes de falarmos a respeito das responsabilidades morais, chamo a atenção para um assunto: O Islã, quanto à questão material, encarregou o homem de todas as responsabilidades relacionadas com os assuntos do lar. De acordo com isso, a questão do divórcio foi colocada nas mãos do homem, levando-se em consideração que ele arca com a responsabilidade da casa. É natural que ele tenha o direito de terminar essa relação. Porém, há saídas legais a respeito da questão. A mulher tem o direito de, no contrato de casamento, impor condições ao marido de que ela seja, por exemplo, a procuradora dele quanto ao divórcio de si mesma, se desejar se separar. Com isso ela se garante. Temos uma tradição que diz: “Os muçulmanos cumprem os seus compromissos”, ou seja, é dever de cada pessoa cumprir as condições que aceitou.
Quanto ao aspecto moral, lemos na tradição: “A luta da mulher é obedecer ao marido.” O Islã não impõe à mulher participar da guerra, mas lhe impôs se empenhar dentro da família. Quando a mulher suporta aflições e responsabilidades na sua casa, Deus lhe concede recompensa pela sua paciência e considera isso como uma luta pela causa de Deus. Isso de um lado. Do outro, a mulher, quando serve ao marido e cuida dos filhos, adquire o valor espiritual que a aproxima de Deus, glorificado e exaltado seja, considerando-se que ela faz isso por amor e carinho.
Por isso, há uma diferença entre o aspecto legal obrigatório, segundo o qual o homem não tem qualquer autoridade sobre a mulher para que ela faça os serviços de casa, e o aspecto espiritual, que orienta a mulher a fazer os serviços de casa como voluntária e benevolente. Essa voluntariedade não representa qualquer responsabilidade legal em relação aos afazeres domésticos. Trata-se, antes, de um valor espiritual, por meio do qual o homem sente o valor da mulher e o favor que deve a ela.
RF: Se quisermos comprovar a igualdade entre o homem e a mulher, devemos enfocar, então, os aspectos morais e não legais?
MHF: As questões legais no Islã estão abertas para assuntos de ordem moral. Por isso, o Islã procura colocar o moral ao lado do legal. Deus, o Altíssimo diz: “Entre os Seus sinais está o de haver-vos criado companheiras da vossa mesma espécie, para que com elas convivais” – Isso está dirigido ao homem e à mulher, em conjunto. Convivência significa sentimento de estabilidade e tranqüilidade psicológicas na relação – e colocou amor e piedade entre vós” (30:21) – levando em consideração que o casamento é uma relação baseada no amor e na misericórdia mútua. Isso para que o homem tenha misericórdia da situação da mulher e dê valor às suas circunstâncias, e que a mulher tenha misericórdia da situação do homem e valorize as suas circunstâncias.
RF: Vossa Eminência crê que é possível causar mais transformações em relação ao papel da mulher, uma vez que iniciou isso com o parecer jurídico sobre a agressão à mulher?
MHF: Creio que o parecer jurídico não é uma decisão temperamental que sai do sentimento do jurisconsulto, porque não é uma questão pessoal. O parecer nasce de um estudo dos textos islâmicos, presentes no Livro e na Sunna. Por isso, o diligente que trabalha para produzir o parecer deve estudar os textos islâmicos no Alcorão e na tradição do Profeta (S), com método aberto às novas realidades, não de forma tradicionalista, que procura seguir somente o que os antigos disseram. É preciso que o diligente seja independente na compreensão do que lê a respeito do que o Islã apresenta a respeito da mulher e dos outros assuntos.
Os novos pareceres e a sociedade conservadora
RF: Eminência, o Sr. não teme a reação da comunidade conservadora?
MHF: É natural que um novo parecer jurídico não seja aceito pela comunidade conservadora. Ela assume uma posição negativa e violenta contra o parecer. Alguns me condenaram devido a algumas das minhas opiniões, como o parecer de que é direito da mulher defender-se se o homem tentar agredi-la no lar e ela não tiver qualquer meio, fora da casa, para defender-se, quer seja de forma legal ou social. O direito de legítima defesa é um direito do ser humano, religioso e legal. Eu até aconselhei as mulheres a receberem treinamento para se defender, saindo da situação de fragilidade imposta pelo seu físico, porque elas podem sofrer agressões fora de casa, como estupro ou assalto. Eu defendo o ponto de vista de que a mulher tem de ser forte para enfrentar qualquer situação agressiva, quer seja dentro ou fora do lar.
É natural que o Islã tenha estabelecido para a mulher o direito de se defender, da mesma forma que estabelece o mesmo para o homem. Da mesma forma que deu o direito de defesa, deu, ao mesmo tempo, o direito de perdoar. Se todo ser humano tem o direito de se defender, tem também o direito de perdoar. Deus, o Altíssimo, diz: “Sabei que o desprendimento (da parte do marido) está mais próximo da virtude” (2:237).
A mulher, o testemunho e a sentença
RF: Dizem que as mulheres são mais sentimentais que os homens. De acordo com isso, surgiram algumas leis que fazem diferença entre homens e mulheres, como a lei do testemunho e da sentença. Isso é verdade ou não?
MHF: Não concordo com essa análise, porque a mulher possui o lado sentimental, emotivo, movido pela maternidade e pela feminilidade, que se manifesta em sua relação com o homem, num processo de amor mútuo. Porém, na vida em geral, a mulher é mais dura que o homem em alguns casos, porque ela armazena o seu sentimento humano com muita força. No passado, diziam que a sua conspiração é terrível. Verificamos hoje que algumas mulheres, por sua experiência, quer seja no nível político, social ou em outros níveis, apresentam mais força do que os homens.
Quanto à questão do testemunho, não há aqui uma conotação sentimental. Isso é confirmado pelas palavras do Altíssimo: “… porque, se uma delas se esquecer, a outra a recordará” (2:282). Observa-se que a mulher, se esquecer ou se desviar, outra mulher é que irá fazê-la recordar. Se supormos que a mulher representa uma situação negativa, como outra mulher pode orientá-la e corrigi-la?
Quanto à questão do homem no juízo, há o que se chama de evidência. Ela exige o testemunho de duas pessoas justas. Isso significa que não é suficiente o testemunho de um só homem se uma petição for apresentada perante o juiz para a comprovação de um caso qualquer. É preciso o testemunho de dois homens justos. Será que isso é exigido por questão sentimental? O testemunho e a evidência estão sujeitos à questão de precaução para a justiça. No caso de adultério, a confirmação necessita do testemunho de quatro homens, que confirmem o fato detalhadamente. Não é suficiente o testemunho de um só homem. Há, também, casos que exigem o testemunho de uma só mulher, por exemplo, na confirmação da virgindade ou não da mulher.
Portanto, a questão do testemunho tem relação com a conservação da justiça e não com temas de ordem sentimental. Como disse, o homem pode ser mais sentimental que a mulher no que diz respeito ao controle do desejo, por exemplo, quer seja desejo sexual, monetário ou outro qualquer.
RF: Eminência, quando cita, em seus livros, o caso da esposa do governador do Egito de tentar José (na Surata de José), está querendo dizer que há necessidade de proteger os homens contra as mulheres?
MHF: Não, não estou querendo dizer isso. Digo que o homem é que tenta a mulher, e não a mulher que sempre tenta o homem. Quando escrevi a explicação a respeito da experiência de José (AS) com a esposa do governador, disse que o significado das palavras “Ela o desejou” é que ela atirou-se a ele para obrigá-lo a ter relação com ela; quanto à expressão “e ele a teria desejado”, digo que ele sentiu uma atração física, não racional, por ser jovem e sem experiência, sendo abraçado por uma mulher. Ele ficou com desejo, da mesma forma que o faminto que passa por um restaurante; mesmo que não queira comer, ele sente a necessidade física, “se não se apercebesse da evidência do seu Senhor.” (12:24). A questão da experiência de José (AS) era que a mulher é que estava tentando o homem. Porém, em outras experiências, os homens é que tentam as mulheres nas operações de desvio sexual. Há muitas dessas situações, hoje em dia, quer na sociedade ocidental como da oriental.
A questão do desejo representa uma situação em que estão envolvidos homens e mulheres. Além disso, quanto à mulher, devemos levar em consideração que ela vive mais intensamente o sentimento de sua beleza e feminilidade. Ela considera que o desejo do homem por ela valoriza a sua feminilidade e sua condição humana. E isso é explorado pelas agências de publicidade e da moda.