Por: Ahmed Ismail
Ao nos depararmos com a questão da aderência ao din, nos vemos diante de duas posições conceituais opostas sobre a existência. De um lado o Islam, do outro, uma visão materialista, fundamentalmente irreligiosa que se interpõe entre o homem, sua natureza primordial e seu Criador. Cada um desses opostos possuem concepções definidas sobre os valores e a natureza da existência. No caso da visão materialista, é a inspiradora de diversas concepções filosóficas, políticas, morais e comportamentais que embora diferentes entre si, possuem os mesmos princípios básicos em comum resultantes de uma limitada compreensão da existência.
O próprio significado da palavra Islam nos remete a submissão no sentido de adoção de uma orientação para nossas vidas não originada de nossos próprios desejos, opiniões ou concepções. Isto é, a aceitação incondicional de uma orientação divina e transcendente. Para uma melhor compreensão da questão aqui apresentada, abordaremos alguns dos muitos aspectos em que se verifica a oposição entre essas duas visões sobre o significado e o mecanismo da existência.
O aspecto da compreensão do fundamento da verdade
A questão da verdade sobre a existência se encontra num conflito básico entre estas duas posições conceituais. O Islam ou a “visão religiosa da existência” afirma que a medida para a verdade é um dos atributos divinos, ou seja, ALLAH (Deus), criador e Senhor do Universo revelou a Orientação para o Homem, e a verdade existencial está ligada a Palavra Revelada que é a manifestação da Vontade Divina a qual todas as coisas e seres estão submetidos. Os múltiplos níveis da realidade, segundo a visão religiosa da existência, só podem ser perfeitamente conhecidos por seu próprio criador (ALLAH) e portanto é a Lei Divina Revelada que deve ser a medida para a razão e a ação do homem.
Por sua vez, a visão materialista supõe que a medida para a verdade é um produto da vontade ou da compreensão racional do homem. A verdade, desse modo, é relativizada. Seguindo esta lógica irreligiosa o homem elege a si próprio, ou a sua própria vontade e razão como medida para a “verdade” da qual se originam leis, regras sociais e comportamentais.
Portanto, as conveniências, as paixões e as concepções do próprio homem são consideradas critérios determinantes para as leis, as regras sociais, os regimes políticos, os costumes e mesmo a ética e a moral. Segundo esta visão antropocêntrica o “certo” e o “bom” para o homem e o que convém a ele ou a maioria deles ou a uma certa classe que tenha autoridade sobre as demais. Por conseguinte as leis, os costumes e mesmo a moral são considerados valores mutáveis, tanto quanto as concepções e os interesses dos seres humanos e das sociedades. Esta visão materialista e irreligiosa não deve ser tomada como ateísta, embora o ateísmo confesso seja uma de suas filosofias; quase sempre esta visão tem a crença religiosa como um de seus elementos, porém, jamais chega a reconhecer num Deus ou numa escritura a fonte ou a medida definitiva para a ação e a razão humana.
Ao fazermos uma correta distinção entre estas duas visões sobre a existência e a verdade compreendemos o intransponível conflito entre elas, no qual se encontra a fé e a descrença. Todos os demais aspectos desta oposição conceitual (dos quais abordaremos alguns a seguir) se originam deste ponto fundamental sobre a medida ou o padrão decisivo para a compreensão da verdade e da existência.
Compreendendo a Lógica Conceitual da Visão Religiosa
Ao analisarmos a visão irreligiosa e materialista que tornou-se hegemônica nas sociedades modernas, percebemos que ela se fundamenta numa lógica conceitual formulada a partir de tradições e valores tão antigas quanto o próprio homem e que no entanto são consagradas como princípios avançados de “civilização”.
Na realidade, são as mesmas velhas motivações do egoísmo, da cobiça, da busca do poder e do domínio, do orgulho e da vaidade humana que formam a lógica conceitual dessa visão do papel do homem na existência. Ironicamente, este abstrato conceito de “civilização” que tais sociedades reivindicam como um patrimônio construído pela evolução cientifica e tecnológica, não pode ser distinto de todo um legado vergonhoso de barbárie exercida sobre indivíduos e nações mais fracas. O próprio sistema econômico, político e social que o caracteriza, segue esse mesmo processo que se mantém como uma máquina que garante o bem estar de uma minoria, com o alto preço da desgraça da grande maioria dos seres humanos.
Esta visão irreligiosa e materialista só pode ser perfeitamente entendida se considerarmos os conceitos em que se fundamenta. Esses conceitos se forjaram a partir de uma falsa percepção da razão e da natureza do homem e da própria existência. Podemos mencionar como os mais decisivos conceitos desta visão materialista:
1. Uma incorreta percepção sobre a verdadeira natureza humana
A visão materialista (irreligiosa) se caracteriza por conceber a vida e a entidade humana como um valor relativo e cambiável. Ela não admite um status natural e intrínseco de dignidade a vida humana portanto, não raro esta concepção produz a mentalidade que torna possível e mesmo aceitável a exploração da vida, do corpo e do trabalho de outros seres humanos. Contudo, esta mentalidade não é apenas responsável por sistemas e sociedades baseadas na injustiça e na exploração; é também o próprio processo de degradação de costumes que leva o homem a crer-se somente pouco mais que um animal.
Aprisionado a esta medíocre e falsa visão de sua própria natureza o homem torna-se sujeito à uma consentida degradação de sua mente, de seus sentidos e de seu corpo a um nível tal que este é reduzido a um mero elemento de produção e consumo.
É precisamente esta incorreta percepção sobre a nossa natureza e a natureza dos demais seres humanos que tem conduzido as sociedades ao exercício desenfreado dos crimes contra a vida, a profunda indiferença ao sofrimento humano, a exploração em alta escala do homem seja no trabalho, por meio da indústria dirigida ao vício e a corrupção (bebidas alcoólicas, drogas, jogos, pornografia, prostituição).
Dizemos uma “consentida degradação de sua natureza”, porque tanto o que explora como o que é explorado partilham da mesma ignorância quanto ao que vem a ser a real natureza da vida e da entidade humana e por isso mesmo tornam-se ao mesmo tempo algozes e vítimas de si mesmos.
Esta visão irreligiosa da existência dá ao homem a percepção acerca de si próprio e dos demais seres humanos que corresponde a algo semelhante a “coisas”, cujo valor é relativo segundo aos padrões e valores que a sociedade adote. Desse modo, são estes padrões e valores (igualmente materialistas) é que determinam o valor de uma pessoa e de sua vida, tal como fazemos com os objetos e os bens materiais.
2. A crença na supremacia natural do mais forte sobre o mais fraco
Este segundo conceito que destaco é uma conseqüência imediata do primeiro. Desde que aceitemos um valor relativo para o homem e a vida humana esta relatividade carrega de forma implícita padrões que segundo a concepção materialista definem quem é superior e quem é inferior.
Estes padrões nas eras antigas tinham por base a força física; quando adotamos o sedentarismo a propriedade territorial passou a ser um segundo referencial para essa definição. Com o surgimento do Estado e do dinheiro, os padrões se tornaram mais complexos contudo, mantiveram como base essencial o poder que possa ser exercido, seja de um indivíduo ou de um determinado grupo sobre os demais. Conceitos de superioridade de classe (como o que justificou a nobreza) e de superioridade racial surgiram deste conceito e permeiam as relações em todas as sociedades.
No âmago dessa mentalidade irreligiosa está a crença de que um homem vale segundo o que possui, sendo que esta posse abrange não apenas a riqueza material, mas também a ascendência que detém o domínio social e cultural sobre as demais. A influência dessa mentalidade nas sociedades humanas é predominante e decisiva, definindo os papéis sociais sob o pretexto de uma “hierarquia natural” que se afirma como um conceito sacramentado tanto pelos que se supõem superiores como pelos supostos inferiores, oferecendo a estes na concepção social moderna sempre a “esperança” de que por meio da ascensão econômica sejam admitidos entre os superiores.
Esta nova concepção desse conceito, não traz qualitativamente nenhuma mudança efetiva das que a precederam. De um modo ou de outro o valor intrínseco do ser humano não é reconhecido, isto é, permanece submetido aos padrões e circunstâncias externas: os bens que possua, o nível cultural e profissional que detenha, o papel que desempenhe na pirâmide social, a etnia ou grupo racial a que pertença. Esta lógica bestial não só produziu e justificou o escravismo, o racismo, o absolutismo medieval, o capitalismo e uma série de outros sistemas fundamentados na injustiça e no exercício do poder dos que dominam sobre os dominados como também levou e leva o ser humano a uma predisposição a busca do poder sobre os demais quase sempre por todos os meios que se façam necessários, e uma vez conseguindo alguma parcela desse poder ele é levado a empregá-lo não segundo sua consciência, mas segundo as contingências de sua posição. E é nesse ambiente determinado pelo poder ou pela filosofia da superioridade natural de uns sobre outros, que os valores morais e éticos das sociedades são moldados não para enobrecer o espírito humano nem para assegurar a justiça e o bem, mas para sustentar privilégios e prerrogativas estabelecidas que contrariam os direitos naturais que não apenas uns mas todos os homens possuem desde que nascem.
Uma última e ainda mais nefasta conseqüência desta mentalidade é a que hoje têm arrastado sociedades inteiras a uma amoralidade sem precedentes, na qual a competição pelo “ter” tem se manifestado através de uma total falta de escrúpulos onde a corrupção tanto nas esferas de poder como nas demais esferas da sociedade, o crime e todas as formas de violência e exploração são verificadas e justificadas segundo a lógica de que o mais forte sobrevive e tem o direito de lesar os mais fracos.
3. A crença na supremacia do valor quantitativo (uma filosofia do acúmulo)
Esta mentalidade do poder baseado na posse material conduz o homem a uma filosofia do acúmulo. O valor dos bens materiais não é medido segundo o benefício que produzam ou o seu usufruto, ao invés disso a tendência predominante é a do acúmulo constante. Sejam os indivíduos ou as sociedades como um todo se caracterizam sob este conceito de acúmulo pela concentração das riquezas. Esta filosofia do acúmulo produziu o consumo movido não apenas pela necessidade, mas principalmente pela cobiça, a qual tornou-se um valor determinante para manter uma produção infindável de bens supérfluos que atendem os desejos de posse e ostentação.
Desde que a lógica da produção e do consumo serve a esta crença no valor quantitativo e em última análise, as piores características humanas (a avareza, a cobiça, o egoísmo) o próprio trabalho humano está dirigido não para proporcionar o bem estar da humanidade, mas sim, para garantir riquezas numa escala sempre crescente que se destinam a uma mínima parcela da humanidade. Os grandes benefícios do progresso material humano são, portanto, tratados como bens particulares os quais permanecem inacessíveis a uma imensa maioria dos seres humanos, porque a própria lógica do acúmulo pressupõe que os “mais fortes” prevalecem e que “não pode haver o suficiente para todos”.
A filosofia do acúmulo não reconhece o direito de todos a uma parte justa simplesmente porque no centro desta filosofia está um desejo ilimitado de possuir tudo o que possa amealhar, a despeito do que isso resulte para os demais.
4. Uma incorreta percepção sobre o objetivo da vida humana e sobre a realidade cósmica da existência
No âmago desta mentalidade está a estreita visão que compreende a existência segundo a limitada percepção dos sentidos, e que rejeita tudo o que possa abalar suas convicções. A filosofia materialista resume a vida a um mecanismo que se auto-produz e que se exaure para o nada. Muito embora a maior parte dos seres humanos não reconheçam isto como sendo a verdade sobre a existência, também é um fato que a grande maioria vive segundo as naturais conseqüências dessa teoria.
Não obstante, em princípio aceite que exista uma razão para a existência e leis universais que regem todas as coisas, o homem típico desta mentalidade vive num estado de inconsciência muito próximo a dos animais: ele come, bebe, trabalha, acasala e adormece todos os dias de sua vida sem nenhuma concreta preocupação sobre o objetivo de sua existência.
Essa mentalidade gerou duas correntes principais de filosofia materialista: A primeira é o materialismo puro que por acreditar que não existe qualquer objetivo para a vida do homem defende que este deve buscar a satisfação de seus instintos básicos (fazendo disso seu objetivo de vida). A segunda é a corrente que crê numa realidade transcendente e mesmo em leis naturais as quais o homem esteja submetido. Esta segunda corrente produziu as mais diversas teorias e interpretações para uma realidade transcendente, porém, a sua abordagem sempre sucumbiu diante dos interesses materiais e da permissividade humana que, de um modo ou de outro se colocam no centro dos objetivos humanos. Nas muitas escolas filosóficas pertencentes a esta mentalidade, o homem e seus interesses é que determinam o certo e o errado, o bem e o mal.
Em nome da liberdade humana vemos nas sociedades modernas as pessoas viverem segundo as concepções que concordem com seus interesses mesmo quando estas concepções admitam uma verdade transcendental ou leis universais. O surgimento e o crescimento de seitas das mais variadas formas, é um fenômeno típico desta mentalidade onde cada qual escolhe a “verdade” que lhe pareça mais conveniente. O estado de ignorância sobre si mesmo, sobre o objetivo de sua vida e sobre a realidade cósmica é desse modo perpetuado por um comportamento que pode ser definido como “se você não sabe, não se preocupe em saber, apenas aceite e viva segundo o que lhe seja conveniente”.
Assim, uma sociedade fundamentada no materialismo e na irreligiosidade não significa uma sociedade sem religiões e filosofias mas significa que as religiões e filosofias são de uma maneira ou de outra comprometidas com os conceitos materialistas em que esta sociedade se baseie. E segundo esta lógica, o valor dessa “religiosidade” ou desse pensamento filosófico é também definido pelos costumes predominantes, e como tudo o mais numa sociedade materialista, pode eventualmente ser reduzido a mercadoria ou mero traço cultural.
O efeito que melhor traduz na prática esta concepção materialista da existência no mundo atual é o “culto ao corpo”, ao “prazer” e ao “entretenimento” que a cada dia se torna mais difundido em todas as classes sociais e em todas as faixas etárias.
Talvez o que há de mais típico no homem moderno é essa busca por uma satisfação imediata, essa devoção narcisista que reduz a sua existência a uma relação de “compra de momentos felizes”, algo que denota um total desconexão com o que poderia vir a ser “consciência de si mesmo” ou “consciência de sua posição no universo”.
5. A crença no ilimitado direito do homem sobre a natureza
Este conceito materialista é como uma extensão dos anteriores. O homem dessa mentalidade não só vê a si mesmo e os seus semelhantes como coisas, como também vê tudo o que o rodeia como objetos a serem utilizados, dominados e explorados do modo que lhe pareça melhor.
Essa mentalidade tornou-se dominante na medida em que o homem alcançou pela ciência e a tecnologia recursos cada vez mais amplos de utilizar-se das riquezas naturais do planeta. O próprio conceito corrente de “progresso” se fundamenta nesse pressuposto direito ilimitado do homem sobre a natureza, com isso, aliada aos conceitos anteriores essa mentalidade conduziu a humanidade a uma escalada sem precedentes de destruição nos últimos séculos cujos efeitos já são sentidos e seguramente se agravarão nas próximas décadas. A lógica (destrutiva e principalmente suicida) desse conceito encontra sua justificativa na adoção dos padrões de lucro e mercado, produção e consumo ininterruptos. Uma cruel máquina de trabalho e dinheiro na qual nações e indivíduos se encontram aprisionados, o que nada mais é do que uma prisão cujas grades são seus próprios desejos e ambições.
Os cinco conceitos da mentalidade irreligiosa e materialista aqui destacados têm produzido males nas sociedades humanas numa escala incalculável; a tal ponto que mesmo muitos que partilham de algo desta visão sobre a existência no decorrer das épocas têm questionado alguns de seus aspectos. Uma certa visão humanista se desenvolveu reivindicando uma revisão conceitual que atendesse ao bom senso e os direitos do homem. Essa visão aproximou-se da visão religiosa tendo em comum a esta a necessária busca por justiça, valores morais e éticos de fraternidade que evitassem que as sociedades se tornassem a arena onde o homem fosse reduzido a condição de presa o próprio homem. Diversos sistemas políticos e filosóficos influenciados por esses ideais humanistas lançaram novas concepções e valores que propunham a predominância da razão e da ética nas relações humanas, estados que garantissem limites, direitos e deveres a todos seus cidadãos.
A história da humanidade nos últimos séculos tem demonstrado que, embora esta revisão conceitual tenha se oficializado em considerável parte dos estados modernos, de modo algum a mentalidade em que os conceitos supracitados se originam deixou de escravizar a humanidade porque a lógica do poder e do dinheiro continua a mover as sociedades. Um estado moderno por mais imbuído de ideais humanistas que seja, não encontra meios de tornar realidade ideais que se opõem ao mecanismo cruel que o poder dos mais fortes submete os demais. Como resultado temos um mundo onde os ideais humanistas e de uma nova relação com o meio ambiente soam como belas teorias utópicas diante de uma realidade brutal onde os conceitos irreligiosos e materialistas continuam a prevalecer desconsiderando o valor da vida humana e dos recursos naturais.
As cartas magnas dos países e seus governantes declaram belas disposições em defesa dos ideais mais elevados, enquanto o poder do dinheiro dirige as consciências e mantém um processo sempre crescente de corrupção de tudo e de todos. Ao analisarmos as razões das guerras dos últimos dois séculos, ao verificarmos a prosperidade alcançada pela multiplicação das riquezas e a vergonhosa e indigna miséria que uma considerável parte da humanidade se encontra concluiremos que nenhum desses males pode ser extirpado da alma da humanidade senão por uma TOTAL REJEIÇÃO DE TODOS OS CONCEITOS QUE COMPÕEM A MENTALIDADE IRRELIGIOSA E MATERIALISTA, e a adoção integral de uma mentalidade religiosa iluminada pela orientação divina.
O que a mentalidade humanista produziu foi apenas e tão somente uma revisão de valores bastante limitada, pois não propôs uma rejeição do mal, mas uma acomodação dos interesses egoístas que dominavam as sociedades a mudanças políticas que proporcionassem melhores condições de vida a uma maior parcela da humanidade. Esta mentalidade depôs o sistema monárquico elegendo novos dominadores, adotou a liberdade de mercado sem considerar o cerne do problema. O mecanismo da produção e do acúmulo de riquezas, por exemplo, não apenas tornou-se o PODER REAL como também tomou para si uma justificativa idealista expandindo a idéia de que “todos tem o direito a enriquecer”.
Na prática, vimos o escravismo ser substituído pela revolução industrial e o colonialismo sendo superado por um projeto de globalização, sendo que a mesma mentalidade materialista não só permaneceu dirigindo a humanidade, como também sofisticou-se de tal modo que o valor da entidade humana e de sua vida tornou-se um mero dado estabelecido pelo dinheiro.
O ponto principal a se destacar no que a mentalidade religiosa nos ensina, é que a mudança deve se realizar na mente e no coração do homem: o abandono dos conceitos materialistas e a adoção completa dos conceitos do Din. Não serão as mudanças puramente políticas e a adoção de sistemas econômicos mais ou menos igualitários que promoverão uma mudança na realidade que vivemos. Se as motivações permanecerem ligadas aos conceitos materialistas e irreligiosos estaremos fadados a reproduzir os mesmos males indefinidamente.
Uma Renovada Visão da Existência
Eis, portanto, a questão da adoção do Islam ou o que podemos chamar como “A visão religiosa da vida”. Não se trata da mera repetição de rituais ou o cultivo da fé sem uma CONSCIÊNCIA DA FÉ. Uma pessoa pode se considerar religiosa, ser praticante dos pilares e isso não significa necessariamente que esta pessoa não mantenha sua vida dirigida por valores materialistas e irreligiosos, que não determine suas escolhas e decisões segundo padrões definidos por ambições pessoais ou costumes sociais que se oponham ao Islam. E este é o principal dilema que os muçulmanos atravessam na atualidade.
Acostumamos a ver a religião como um certo conjunto de princípios e práticas que caracterizam a definição do religioso ou do muçulmano praticante, todavia, este é apenas o aspecto mais elementar da religião (a dimensão do Fiqh). A dimensão da consciência da fé transcende o aspecto exterior e envolve o Imam (fé), a submissão (Islam), o taqwaa (temor) e por fim o Yaqin (convicção). Nenhum destes elementos está dissociado dos demais e nenhum deles pode ser corretamente cultivado sem que as concepções materialistas e irreligiosas que abordamos sejam substituídas por uma consciência renovada à luz do que foi revelado. Isto é, as diretrizes divinas sobre o TAWHID (Unicidade Divina), sobre quem somos, qual nosso papel no cosmos e o objetivo de nossa existência e sobre quais princípios que devemos pautar nossa relação com os nossos semelhantes e os demais seres do Universo.
A religiosidade em sua verdadeira natureza é um processo de interação entre o coração e a razão. Por isso a constante ênfase tanto no Livro Sagrado como nas fiéis tradições no princípio do esforço pessoal.
Se entendermos que a Devoção (em qualquer forma que seja exercida) é um ato de doar de si, de dirigir a atenção não para nós mesmos ou para nossos interesses pessoais e imediatos, mas para Allah (que está além de nossa percepção física) entenderemos o sentido desse “esforço”.
A mentalidade condicionada ao materialismo é fortemente inclinada a agir por si e para si; quando você vê a si próprio como “este corpo material” e se mantém na ignorância de imaginar-se o “centro do mundo” a “devoção” e a religião em sua real dimensão se torna quase incompreensível. Por isso mesmo os 3 primeiros elementos (submissão, Fé no invisível e taqwaa) se tornam indispensáveis para que por uma renovada visão da existência (que se faça presente tanto no coração como na razão) possam conduzi-lo a Religião por Excelência.
O Alcorão coloca esses graus ou elementos do Islam como graus concedidos aos abençoados e muito amados por Allah, e o Yaqin (convicção) uma benção que supera as demais, pois é o conhecimento perfeitamente em harmonia com a consciência e a ação. Novamente, é o esforço aplicado com correção que se faz decisivo nesse processo. Ao muçulmano este esforço se torna producente na medida que se firme na aderência a esta renovada visão da existência, isto é, o conhecimento do din com uma simultânea abolição dos conceitos materialistas que condicionam o homem às ações e hábitos contrários a sua natureza .
Os conceitos materialistas abordados no capítulo anterior são denominados no Islam como os conceitos da Jahillyah (época da ignorância) que expressam valores e concepções grosseiras sobre a existência e a condição humana. Neste ponto é que se encontra o sentido de “arrependimento” e “purificação” que são aspectos implícitos da verdadeira Religiosidade. O Abandono dos ídolos, anunciado por todos os mensageiros de Allah, pode ser compreendido numa dimensão muito mais vasta e abrangente. Não se trata apenas de abandonar a crença politeísta, mas principalmente, abandonar todo e qualquer conceito materialista que nos escraviza, que nos induz a Dzulm (trangressão, injustiça, opressão), todo e qualquer valor estabelecido por nossos interesses egoístas aos quais sacrificamos nossa consciência e em nome dos quais somos injustos para com Allah, para com nós mesmos e para com os demais seres.
Na realidade, esta visão materialista e irreligiosa não pode apenas ser suprimida ou refreada por conceitos humanistas e racionais (pois suas motivações residem no âmago de nossa mente e de nosso coração). A adoção de uma renovada visão da Existência, fundamentada na Orientação Divina, é a única possibilidade de transformação real dessa condição. E é isso que Allah Exaltado Seja, nos ofereceu com o envio de Seu Mensageiro, com a Revelação do Alcorão Sagrado e com o estabelecimento do Imamato Divino dos Ahlul Bait (as): a oportunidade sem precedentes de transformarmos nossas motivações interiores, redirecionarmos nossas escolhas e ações e adotarmos essa renovada visão da existência.
Que Allah, em sua infinita misericórdia nos guie para isso.