Por Ahmed Ismail
Em nome de Deus, O Clemente, O Misericordioso.
Louvado seja o Senhor do universo, que a benção e a paz estejam sobre o nobre mensageiro Mohammad e sobre sua purificada linhagem, sobre os profetas e mensageiros que o precederam, a misericórdia sobre seus fiéis seguidores, muçulmanos e muçulmanas.
Diz o Livro de Deus:
“COMBATEI PELA CAUSA DE DEUS AQUELES QUE VOS COMBATEM., PORÉM, NÃO PRATIQUEIS AGRESSÃO , PORQUE DEUS NÃO AMA OS AGRESSORES. “ (C.2 – V.190)
O Islam é uma mensagem de paz, de justiça e de tolerância. Entretanto, no decorrer da história humana os inimigos da verdade, os tiranos e opressores encheram a terra de corrupção e lançaram mão da violência e do massacre para fazer valer o seu predomínio. Diante disso, em diversas ocasiões Deus, o Poderoso, ordenou a seus mensageiros e aqueles que os seguiam a luta e a resistência para que a luz da verdade e da justiça não sucumbisse diante da brutalidade e da tirania.
O Alcorão menciona uma dessas passagens nestes versículos:
“E QUANDO CHEGARAM DIANTE DE GOLIAS E DE SEUS SOLDADOS, ORARAM: SENHOR, CONCEDE-NOS RESISITÊNCIA E FORTALECE NOSSOS PASSOS E DÁ-NOS A VITÓRIA SOBRE ESSE POVO DE DESCRENTES. E OS DERROTARAM COM A PERMISSÃO DE DEUS E DAVI MATOU GOLIAS . E DEUS DEU-LHE O TRONO E A SABEDORIA. SE DEUS NÃO DERROTASSE OS HOMENS UNS PELOS OUTROS A TERRA SE ENCHERIA DE CORRUPÇÃO…” (C.2 – V.250 e 251)
A razão primeira e essencial do Jihad é a defesa da religião contra toda forma de agressão ou perseguição. O direito de defesa, que é um direito consagrado por todos códigos de lei e constituições, no Islam é estabelecido como obrigação para fazer prevalecer a verdade e a justiça. O Islam nos ensina que a paz só é possível quando a justiça se faz presente, a paz não é como muitos afirmam, uma condição em si, a qual possa ser exigida dos que são oprimidos, lesados em seus direitos e em sua dignidade. Na verdade há uma perversa lógica por trás das chamadas nações “civilizadas” do primeiro mundo que clamam pela paz e o entendimento dos demais povos, tentando fazer calar todo clamor por justiça e impor a sua vontade a todo custo. Como esses arautos da paz pretendem sempre ocultar os seus muitos crimes, os séculos de espoliação das nações pobres, a sua riqueza conseguida por uma ordem injusta e pelo trabalho escravo, como tais nações pretendem apagar o fogo das guerras, quando elas próprias se ergueram como potências através dos massacres e de guerras mundiais?
O Islam afirma de modo categórico que A PAZ É FRUTO DA JUSTIÇA e não um mero ideal vazio de sentido e muito menos a aceitação por parte do mais fraco da vontade imposta pelo mais forte.
Assim, a orientação revelada no Livro Iluminado diz:
“EM VERDADE, DEUS DEFENDE OS FIÉIS PORQUE NÃO APRECIA NENHUM PÉRFIDO E INGRATO. ELE PERMITIU O COMBATE AOS QUE FORAM ATACADOS, DEUS É PODEROSO PARA SOCORRÊ-LOS. SÃO AQUELES QUE FORAM EXPULSOS INJUSTAMENTE DE SEUS LARES , SÓ PORQUE DISSERAM : NOSSO SENHOR É DEUS ! SE DEUS NÃO TIVESSE REFREADO OS INSTINSTOS MALIGNOS DE UNS EM RELAÇÃO A OUTROS, QUANTOS EREMITÉRIOS TERIAM SIDO DESTRUÍDOS , E SINAGOGAS , IGREJAS E MESQUITAS ONDE O NOME DE DEUS É INVOCADO COM FREQUÊNCIA…” (C.22 – V.38 a 40)
A ordem divina do Jihad quando há uma agressão evidente não é, porém, uma licença ao excesso ou uma conclamação ao ódio e a violência, é antes, a força empregada para deter o mal e o agressor. A possibilidade de paz logo que se apresente deve ser adotada (no caso de uma guerra). Diz Deus, Exaltado Seja, no Alcorão:
“SE ELES SE INCLINAM PARA A PAZ, INCLINA-TE TU TAMBÉM A ELA…” (C.8 – V.61)
Fica absolutamente claro o caráter defensivo do Jihad, com respeito ao território Islâmico, a integridade da Religião, da vida e a propriedade dos muçulmanos e de todos os cidadãos residentes num estado Islâmico. A resistência a uma dominação política ou econômica externa ou a um processo de destruição da identidade cultural e religiosa de populações muçulmanas deve ser entendida como um dever dos muçulmanos. Assim, o Jihad assume o caráter de Luta, apenas quando a paz não seja possível e até que esta não possa ser concretizada.
O Esforço para a Propagação do Dín
Trata-se do esforço pacífico para propagar o Islam levando a mensagem divina para os não- muçulmanos. Abrange toda iniciativa para ensinar e auxiliar as pessoas no aprendizado do Dín. Este esforço não envolve a força mas o uso da razão, da bondade e dos bons exemplos.
O Jihad em Circunstâncias Específicas
Compreende-se como Jihad toda ação para estabelecer a justiça e combater o erro, de maneira que é requerido de cada pessoa segundo a sua capacidade e em variadas circunstâncias, o esforço na causa de Deus.
Abordando a abrangência do caráter do Jihad o Mensageiro de DEUS (S.A.A.S.) disse:
“Aquele que é morto injustamente em defesa de seu lar é um mártir, aquele que é morto injustamente em defesa de sua propriedade é um mártir, aquele que é morto injustamente em defesa de seu vizinho é um mártir, aquele que é morto na causa de Deus é um mártir.”
O Jihad Al Akbar (O Jihad Maior)
Até aqui discorremos sobre os aspectos externos do Jihad. Contudo, há um aspecto interior no Jihad que diz respeito ao esforço pessoal para fazer a fé triunfar sobre as próprias inclinações e instintos. Este aspecto é denominado de Jihad Maior, que todo devoto deve levar a cabo em sua vida diária seja no cumprimento do bem, na prática do îbad (obrigações de culto) ou no esforço em refrear-se da prática do erro em busca do aprazimento de Deus.
Este Jihad é necessário continuamente, mesmo nas ações mais corriqueiras e na medida do amor a Deus e da sinceridade da fé o devoto obtém a vitória sobre si mesmo. Diz o Altíssimo no Alcorão:
“VENCERÃO OS QUE CRÊEM, QUE CUMPREM O SDEUS, DESPREZAM AS CONVERSAS FÚTEIS, DÃO O QUE É DEVIDO AOS POBRES E REFREIAM A CONCUSPICÊNCIA” (C.23 – V.1 a 5)
E diz ainda:
“PELA ALMA E POR QUEM LHE DEU FORMA E NELA COLOCOU A CONCUSPICÊNCIA E O TEMOR, VENCERÁ QUEM A PURIFICAR E PERDERÁ QUEM A CORROMPER.” (C.91 – V.7 a 10)
Assim sendo, se há um alto grau de distinção para aquele que dá sua vida e seus bens pela causa de Deus, de modo semelhante há um grau digno para aquele que por amor a Deus estabelece os pilares da religião, levantando-se de seu leito para orar, suportando os desconfortos do jejum, concedendo o zakat e praticando a caridade, refreando em si mesmo a preguiça, a luxúria, a avareza e o excessivo apego ao conforto, ou para aquele que cultiva a paciência diante das adversidades inerentes a vida, ou refreia em si a malícia e a cólera.
O Jihad em todos os seus aspectos foi exemplificado pelo Profeta (S.A.A.S.), pelos Imames purificados de sua linhagem (A.S.) e por seus fiéis companheiros. Os nobres exemplos de abnegação e coragem deixados por eles servem de luz aos que crêem nos momentos difíceis que os muçulmanos hoje atravessam.
A Nobre Posição dos Mártires
O Alcorão afirma a alta distinção dos mártires na causa de Deus e assegura a estes o Paraíso. Com efeito, não se passa um dia em que homens, mulheres e crianças muçulmanas são martirizadas em razão de sua fé em várias partes do mundo e isso não arrefece o ímpeto com que os mujahiddin (combatentes na causa de Deus) se lançam ao Jihad e ao eventual martírio, o que constitui um fator sempre temível para os inimigos de Deus.
A despeito da superioridade tecnológica e bélica que contam na atualidade os opositores do Islam, sabem que jamais conseguirão se equiparar em coragem e abnegação aos combatentes na causa de Deus. Enquanto são movidos por ódio e interesses materiais têm a sua frente homens e mulheres dotados de uma fé íntegra que muitas vezes caminham para a morte sem nenhum temor.
O propósito essencial da missão do Jihad em relação a Mensagem Divina na história humana é apresentado no Alcorão quando diz:
“É UMA PROMESSA INFALÍVEL, QUE ESTÁ REGISTRADA NA TORAH, NO EVANGELHO E NO AL QUR’AN…” (C.9 – V.111)
Deixando explícito que, a propagação da Mensagem Divina em todas as épocas e sociedades está intimamente relacionada a necessidade do embate entre a luz e a treva, entre a consciência e a ignorância, entre a justiça e a injustiça, e que, esse embate é o cumprimento inevitável de um processo histórico e como tal, é parte indissociável da própria Mensagem Divina. Diz o Alcorão:
“SE MORRERDES OU FORDES MORTOS PELA CAUSA DE DEUS SABEI QUE A INDULGÊNCIA E A CLEMÊNCIA DE DEUS VALE MAIS DO QUE TUDO QUE OS DEMAIS AMONTOAM E QUER MORRAIS QUER SEJAIS MORTOS, PARA ELE VOLTAREIS.” (C.3 – V.157 e 158)
De um modo geral, o ser humano vive e é surpreendido pela morte apegado e envolvido pelos bens e negócios mundanos, agarrando-se àquilo que não pode reter e fugindo da realidade da morte que o alcançará invariavelmente. O mandamento do AMAR A DEUS ACIMA DE TODAS AS COISAS é posto como um mero adágio como se a religiosidade não se fundamentasse em compromisso e abnegação. “Negar a si mesmo” por amor a verdade e a Deus é a essência da mensagem dos profetas e enviados, da qual foram exemplos vivos.
“E NÃO DIGAIS QUE ESTÃO MORTOS AQUELES QUE SUCUMBIRAM NA CAUSA DE DEUS. AO CONTRÁRIO, ESTÃO VIVOS, PORÉM VÓS NÃO PERCEBEIS ISSO.” (C.2 – V.154)
Por isso estes versículos deixam claro, e é ponto pacífico que, o martírio no esforço em nome da causa da justiça e da senda de Deus é amplamente recompensado com o paraíso, ainda que para a maioria das pessoas cuja crença é duvidosa assim não pareça, exceto para os que compreenderam o sentido real da existência humana. Nisso reside o alto grau de distinção daquele que se empenha no Jihad, que vence o medo da morte por amor a causa de Deus e que venha a perecer nesse caminho. Disse Imam Ali “O Emir dos Crentes” (A.S.): “O Jihad é uma das portas do Paraíso, a qual Deus abriu para os seus principais amigos. Ele é o revestimento da religiosidade, o elmo protetor de Deus e seu fidedigno escudo.”
O estabelecimento do Jihad
Como vimos até aqui, o jihad (esforço na causa de Deus) não é necessariamente guerra. Entretanto, sempre que em defesa do Islam, dos muçulmanos e mesmo dos não-muçulmanos que vivam sob a proteção de um estado islâmico isso se torne preciso, o jihad deve ser empreendido pelos que contem com recursos para tal. Como todas as ordens divinas constantes no Livro de Deus o Jihad também possui seus princípios e regulamentos, os quais abrangem múltiplos aspectos e questões.
No que diz respeito a esse pequeno trabalho, abordaremos aqui apenas os princípios éticos básicos do Jihad.
1. É opinião adotada por grande parte dos jurisiprudentes xiitas que, o Jihad (em seu caráter de combate) só pode ser convocado por um Imam Justo e capacitado.
2. Como ação defensiva (e nunca agressora) o Jihad deve visar o combate dos diretamente envolvidos nele, ou seja, as forças militares e de apoio do agressor ou invasor. Deve-se evitar ao máximo o derramamento de sangue dos civis, das mulheres, dos velhos e das crianças.
3. Os prisioneiros devem ser tratados dentro de limites de humanidade e respeito. Qualquer forma de tortura ou humilhação que fira a dignidade destes é um pecado e uma forma detestável de opressão. Em caso de crimes de guerra que eventualmente prisioneiros tenham cometido, deverão ser julgados com retidão.
4. Os lugares consagrados a Deus (igrejas e sinagogas) e os sacerdotes, monges e freiras devem ser deixados em paz.
O Discernimento Correto para o Jihad
Não nos cabe julgar grupos ou pessoas que em nome do jihad cometam excessos ou não se pautem por princípios islâmicos e diretrizes corretas. Obviamente, muitas das ações empreendidas em nome do Jihad não devem ser compreendidas como tais. Ainda que não haja um critério absolutamente claro sobre isso, desde que o Islam é a Religião da Justiça, ações que visem a agressão a inocentes ou cidadãos civis, ou que tenham por alvo templos religiosos, mesquitas, sinagogas ou igrejas, com o declarado intuito de causar grande e indiscriminada mortandade são apenas e tão somente atos de terror. A meu ver, este é o único critério possível de dedução, especialmente nas circunstâncias atuais em que as forças inimigas do Islam (as grandes potências ocidentais) estão a empregar tal gama de recursos bélicos e estratégias das mais variadas (que incluem o terror de estado e a tortura), tornando a reação uma necessidade, muitas vezes desmedida.
Palavras Finais
De fato, as implicações do Jihad são muitas e diversas. As questões envolvidas nele são muitas vezes complexas e a isto se acrescenta a difícil situação enfrentada pelo mundo islâmico na atualidade. Neste trabalho procurei dar uma breve introdução ao assunto e destacar seu aspecto mais sublime e seu fundamento, contra as ideias preconcebidas que comumente são propagadas no ocidente.