Por: Ahmed Ismail
No momento em que o povo palestino, os árabes e os muçulmanos de todo o mundo recordam a passagem de um ano do falecimento de Yasser Arafat cabe uma reflexão sobre a questão palestina nesse breve período transcorrido.
Desde o início da chamada segunda intifada, após a desastrosa atitude de Sharon na esplanada das mesquitas em Jerusalém, Washington e o governo israelense utilizaram como argumento perante a comunidade internacional o mito por eles criados de que “Yasser Arafat era o obstáculo a paz na região”. A inconsistência desse absurdo argumento era flagrante para qualquer cidadão minimamente informado e no entanto, a mídia ocidental o propagou aos quatro ventos como uma verdade incontestável: “os amigos da paz”, o “mundo civilizado” estava a se confrontar com o líder palestino, que personificava o ódio e o terror. Amparados nessa retórica Sharon e Bush puderam por em prática uma política de destruição sistemática da imagem de Arafat. Num fato inédito na história política fizeram um líder legitimamente eleito por seu povo cativo em seu próprio quartel-general, numa tentativa vil de humilhá-lo diante do mundo. As manifestações de apreço e amor de seu povo em seu funeral desconcertaram aqueles que o acreditavam derrotado pela história. A grandeza de um homem não pode ser apagada por criminosos da cepa de Bush e Sharon, os quais, ou serão esquecidos por seus respectivos povos, ou lembrados tal como realmente foram, e por conseguinte atirados na lixeira da história.
Ao se completar um ano do falecimento de Yasser Arafat, os mesmos analistas da política internacional que formavam o coro que repetia o discurso da Casa Branca e de Israel, agora se vêm obrigados a reconsiderar suas posições. O simplismo nada ingênuo que reduzia o conflito a figura de Arafat serviu tanto como justificativa para que Israel fizesse valer sua vontade na região levando a cabo suas políticas racistas de ocupação, como também para que a culpa do sofrimento dos palestinos fosse de um modo ou de outro imputada a eles mesmos. O que se viu no decorrer desse ano pôs por terra a argumentação astuta de Israel e da Casa Branca.
A construção do muro dentro dos territórios palestinos ignorando toda e qualquer oposição da comunidade internacional deixou claro que tipo de noção de direito que Israel acredita. A nova liderança palestina de M. Abbas foi prontamente descartada para qualquer negociação bilateral e novamente o problema se encontra do jeito que agrada a Washington e Sharon, ou seja, o mesmo embate de forças desiguais prolongado ao máximo de tempo possível, para que a proposta de um futuro estado palestino permaneça “no futuro”.
O Show midiático promovido por Israel, apresentado ao mundo como “uma iniciativa histórica para a paz” a desocupação de assentamentos em Gaza, durante semanas foi o menu principal da mídia do espetáculo. Os noticiários do mundo ocidental veicularam com grande espalhafato as cenas do que seria um acontecimento extraordinário. Tal foi o empenho quase cinematográfico em apresentar ao mundo a “heróica resistência dos assentados judeus”. Aquela gente nascida e criada sob o mito do colonizador que crê firmemente em seu direito histórico sobre aquilo que não lhe pertence foi promovida a condição de vítimas enquanto as câmeras e os jornalistas (que comumente são impedidos de filmar a expulsão de famílias palestinas), captavam os melhores ângulos para o show patrocinado pelo estado israelense.
Esta versão ladina dos fatos, muito cuidadosamente maquiada para um espetáculo de heroísmo, ocultava uma realidade bem diversa: graças a uma estratégia política criminosa, Sharon dava um golpe decisivo nas aspirações palestinas de um território que incluísse parte de jerusalém. A desocupação de Gaza foi, antes, um modo prático de se desfazer de um problema caro demais: manter tropas mobilizadas para a defesa de um pequeno número de colonos em meio a um milhão de palestinos. De fato, a retórica que pretendia exaltar o feito como um acontecimento histórico não durou mais do que algumas semanas.
O chamado plano caminho da paz tem sido uma sucessão de miragens que se desfazem uma após outra, diluídas nas mentiras já bem conhecidas, porém, bem ou mal, engolidas pela comunidade internacional.
A questão palestina é, na atualidade, um dos itens e uma das bandeiras de luta adotadas por uma considerável parcela de cidadãos do mundo que compõem o que se conhece como o “movimento civil anti-globalização”. O fórum mundial reunido em Porto Alegre este ano, demonstrou ao mundo enorme vitalidade e um consciente senso de organização. Grupos e indivíduos das mais variadas culturas, países, religiões e orientações políticas tornaram manifesta sua disposição de luta e seu desacordo com as agendas políticas e econômicas das lideranças do mundo.
Esse profundo descompasso entre a vontade manifesta dos cidadãos e as políticas de seus governantes demonstra o quanto o poder político está comprometido ao poder do capital e se tornou efetivamente, inimigo da justiça e das verdadeiras liberdades democráticas que diz defender.
O recente encontro latino-americano promovido em Buenos Aires foi, de modo surpreendente “roubado” pela manifestação popular de absoluto repúdio a Bush e as suas políticas fascistas. A causa palestina foi apresentada como uma das exigências de cidadãos conscientes de vários países ali reunidos. Hoje, a despeito das manipulações da grande mídia, é notável a rejeição de cidadãos do mundo ao demoníaco imperialismo americano e a todas as suas políticas, a este modelo econômico mundial que se alimenta da miséria e da morte, a essa ocupação abjeta do Iraque, as prisões nazistas de Abu Ghraib, Guantanamo e Afeganistão, a covardia do conselho de segurança da Onu e ao alinhamento servil de seus governos.
Resta saber até quando esses governos poderão ignorar a tudo isso, e espera-se que esses cidadãos e grupos encontrem meios politicamente viáveis para que sua vontade venha a prevalecer.