Por: Ahmed Ismail
Desde a criação do estado sionista em 1948, o papel da imprensa ocidental tem se caracterizado por uma abordagem superficial e com raras exceções, francamente favorável ao que podemos denominar de “lógica de direito do estado” que pressupõe que, as ações e medidas do Estado de Israel seriam “legais” e, por conseguinte, as reações da população palestina, pacíficas ou não, seriam desobediência civil e terrorismo. É evidente que por trás dessa lógica se encontra o poder econômico judeu e o apoio norte-americano que dão as cartas na política internacional, os quais têm como adversário um povo que foi destituído de sua terra, de sua identidade nacional e que na atualidade constitui a maior massa étnica de refugiados no mundo.
As guerras levadas a cabo pelas nações árabes vizinhas nas três décadas seguintes contra o Estado sionista foram utilizadas por Israel e pela imprensa ocidental como pretexto e argumento de que “diante do avanço bélico árabe que ameaçava Israel este deveria se defender e defender o seu direito de existência”.
Certo número de idéias falsas sobre o conflito árabe-israelense tornou-se comum na mídia internacional oferecendo à opinião pública mundial nada mais do que mentiras cômodas ou meias verdades, que visam obscurecer a história e reduzir a questão a um enganoso “conflito racial-religioso.”
O alinhamento histórico dos Estados Unidos à Israel já serviria para colocar o trato comum da questão em condição de suspeita. Nas entrelinhas do assim chamado “acordo de paz” no qual os presidentes americanos desde Camp David se sucedem em empenhar-se (não por amor a paz, mas pelo prestígio político diante de seus eleitores) podemos ver o constante esforço americano em “convencer” os palestinos a aceitar as condições de Israel. O fracasso das negociações em Oslo foi maliciosamente atribuído à “intransigência dos palestinos”. A grande mídia do ocidente propagou essa versão fabricada pela Casa Branca e pelo governo sionista, sem jamais atentar para o teor do acordo proposto. Na verdade, o que se propunha era absolutamente inaceitável para os palestinos. Não se tratava de um acordo, mas sim, uma total aceitação de todas as condições impostas por Israel.
Com raras exceções na imprensa mundial algum jornalista ou órgão gasta parte de seu tempo para analisar seriamente as “condições” de Israel, se o fizesse publicamente, seria muito difícil conseguir com que a opinião pública (em seus setores mais esclarecidos) continuasse acreditando em tais esforços para a paz. Na realidade, é com muito esforço que a imprensa internacional consegue suavizar o impacto da flagrante arrogância e truculência do Estado de Israel, a imensa distância de um discurso democrático e conciliador, de sua ação e de seus objetivos que negam aos palestinos quaisquer direitos ou dignidade.
Este mesmo discurso conciliador é o que inspira a idéia abstrata dos esforços para a paz, muito conveniente para promover os demagogos da Casa Branca. Nesse ponto é onde se estabelecem as falsas razões históricas do conflito que visam confundir e alienar a opinião pública mundial sobre os verdadeiros motivos e implicações do conflito. A argumentação de que “árabes e judeus seriam inimigos históricos” é a mais falaciosa de todas. Com isso, se pretende afirmar que a questão palestina não é senão um capricho de dois povos que alimentam intolerância e ódio mútuos há séculos.
Fato amplamente conhecido pelos historiadores e jamais refutado é o que desde o surgimento da civilização islâmica e de sua expansão as populações judias sempre gozaram de proteção e liberdade de culto em território islâmico. Em razão disso, a título de exemplo, a derrota dos muçulmanos na península ibérica e a sua retirada (1492 d.c.) teve para a população judia ali estabelecida o impacto de uma tragédia. De cidadãos protegidos pelo califado e respeitados em seus direitos, os judeus passaram, sob o jugo cristão, a cidadãos destituídos de qualquer direito, forçados a aceitar a fé cristã como única alternativa e sujeitos (como também os muçulmanos que ali ficaram) à inquisição, à tortura e a morte. A mesma situação se verificou na Palestina durante as cruzadas.
A minoria judaica, quando da invasão cristã em Jerusalém, foi vítima da selvageria fanática dos cruzados que incineraram homens, mulheres e crianças nas sinagogas. Quando Saladino retomou o controle da cidade santa (1187), os direitos fundamentais da minoria judaica foram restabelecidos. O espírito de harmonia existente entre os árabes-muçulmanos e os judeus na Palestina pode ser exemplificado por um costume que perdurou por séculos: as crianças judaicas e muçulmanas nascidas no mesmo bairro e na mesma semana eram cuidados por suas famílias como irmãos de leite; a criança judia era amamentada pela mãe muçulmana e a criança muçulmana pela mãe judia.
Apenas com a chegada dos primeiros colonos sionistas europeus no final do século XIX, e sua sistemática e gradual atitude de hostilidade para com a população palestina é que esta harmonia foi destruída.
Uma outra falácia similar ou o que parece ser uma espécie de distorção da realidade para a opinião pública ocidental, é o mito da Palestina como terra original dos judeus.
É unanimidade entre os historiadores imparciais que o território atualmente conhecido como Palestina já era habitado pelos cananeus a pelo menos 5.000 anos, da miscigenação dos cananeus e outros povos semíticos originou-se o povo palestino.
A estadia dos judeus na região jamais foi contínua, por volta de 150 d. c. em virtude da dura repressão romana aos movimentos de emancipação, o povo judeu se dispersou e os sinais deste na região praticamente desapareceram, restringindo-se desde então a uma minúscula população. Apoiados apenas em sua ideologia nacionalista a qual se utiliza de argumentos religiosos (interpretados da maneira que lhes agrada) os sionistas reivindicam o que chamam de “direito sagrado do povo judeu sobre a Palestina”.
Como alguém reagiria se ao chegar em sua casa, onde por gerações seus antepassados tenham vivido como proprietários, e lhe dissesse: “Agora você e sua família sairão daqui por que eu e os meus temos “direito divino” sobre esta casa? A resposta é óbvia, contudo, no caso em questão os judeus sionistas contavam com o apoio das potências ocidentais, detinham um plano traçado de ação e de recursos materiais e militares para implantar a “sua vontade” e assim, os palestinos foram destituídos de sua terra e forçados a ceder por meio do uso e do abuso da força.
É curioso que a mesma imprensa mundial que hoje se levanta indignada diante da invasão da Indonésia ao Timor Leste (1975) e a selvageria empregada nos anos seguintes contra a população daquele país, veja com certa naturalidade a política de assentamentos dos sionistas que nada mais é do que expulsar os palestinos de suas casas e propriedades para estabelecer colonos judeus vindos de várias partes do mundo.
Há um ar de indisfarçável cinismo nos noticiários que abordam a atual situação na Palestina como uma “guerra sem razão”, mas perguntamos “guerra”? Como podemos chamar de guerra quando apenas um lado conta com um exército (que atira para matar) e quando o outro lado se compõe de população civil? O que a imprensa mundial chamava em Timor de selvageria Indonésia contra civis, em Israel chama de guerra de intolerância mútua.
A condição de apartheid vivida cotidianamente pela população palestina em Israel é desprezada em detrimento as chamadas “ações terroristas dos radicais muçulmanos que não querem a paz”. As agências de notícias internacionais destacam com apreensão a ação de grupos e indivíduos que recorrem a esta via, classificando-a como um lamentável atraso no “processo de paz”. Contudo, as ações bárbaras e as torturas nas prisões israelenses são facilmente “explicadas” pelos porta-vozes sionistas e não são consideradas como retrocesso nas negociações de paz.
O fato é que nenhum tribunal internacional jamais foi constituído para punir oficiais israelenses por execuções sumárias de palestinos. Todas as ações do Mossad de eliminação de inimigos de Israel são tratadas como ações legais, os ataques aéreos de Israel ao Líbano, ainda que levantem algum protesto aqui e ali, terminam sendo considerados tal como o Governo Sionista classifica “justificado exercício da força”. Políticas de detenção sem acusação formal por meses ou anos, punição coletiva, destruição de casas de parentes de militantes, eliminação seletiva de lideranças, retenção dos impostos e de ajudas internacionais aos palestinos são justificadas da mesma maneira por um tipo de direito que esmaga todos os direitos consagrados dos demais indivíduos e povos.
Semelhante atitude da imprensa ocidental reflete a mesma indiferença da comunidade política internacional que continua a investir numa paz que não significa outra coisa senão a esperada subjugação do povo palestino num futuro próximo. Entretanto, esta sinistra esperança parece longe de se concretizar. Um povo que há meio século resiste e que mantém aceso o seu espírito de luta, sem dúvida conta com uma surpreendente determinação, o que nos permite dizer que esta é uma situação muito longe de qualquer solução nos moldes desejados pelas potências mundiais.