Por Ahmed Ismail
Em nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso.
Uma das peculiaridades do Islam, a qual marca profundamente o desenvolvimento da própria civilização e cultura islâmica, é a preservação histórica de seu texto sagrado. Em nenhuma das demais grandes tradições religiosas do mundo se encontra fenômeno semelhante. A preservação histórica do texto corânico, em sua forma e idioma originais, é um fato plenamente aceito por pesquisadores imparciais e historiadores não-muçulmanos. Mesmo os historiadores abertamente opositores e os críticos radicais ao Islam raramente buscam fundamentar seus argumentos numa possível perda parcial ou adulteração do texto corânico. A evidência histórica em contrário é, para os historiadores sensatos, tão conclusiva que não dá lugar a dúvida nesse campo.
Os que são abertamente hostis e os críticos velados, quer estejam comprometidos ou não com uma bizarra “cruzada contra o Islam e seu avanço”, comumente se empenham na tentativa de macular a imagem dos muçulmanos, do Islam e de seu Profeta; uma vez que não encontram qualquer base histórica confiável para levantar dúvidas sobre a autenticidade e a preservação do Alcorão. Essa posição única do Sagrado Alcorão é, sem dúvida, admirável do ponto de vista histórico. Entretanto, é o próprio texto corânico o fundamento e o argumento de sua fidelidade. Os métodos de sua transmissão e preservação nas mentes e corações dos muçulmanos são fatores que, embora surpreendentes, nunca foram determinantes para a fidelidade do Alcorão. O Livro é, em si e por si mesmo, a prova de sua fidelidade.
É o que Sayyed Tabataba’i (rahmatullahi alaihi) expressa brilhantemente sobre o tema: “A transmissão do Alcorão, desde sua revelação até os dias atuais, é um processo livre de erros. As suras e versículos estão constantemente em uso entre os muçulmanos e foram transmitidas na sua forma original de geração em geração. O Alcorão que hoje conhecemos é o mesmo Alcorão que foi revelado ao Profeta há catorze séculos. O Alcorão não necessita de prova histórica para sua identidade ou autenticidade, (muito embora a história confirme também sua validade). Desde que um livro afirma ser a fiel e inalterável palavra de Deus e atesta isto em seu próprio texto, não precisa recorrer a outros para provar sua autenticidade. A mais evidente das provas de que o Alcorão que hoje temos é o mesmo que foi revelado ao Profeta e que nenhuma alteração ocorreu em seu texto, é que a mesma superioridade que reivindicou para si no momento de sua revelação é a que ainda existe. O Alcorão diz que é um livro de luz e orientação, diz que explica todas as coisas, isto é, tudo o que é necessário para que o homem viva de acordo com seu próprio caráter natural; diz que é a palavra de Deus e desafia os homens e os gênios a produzirem palavras similares; desafia-os a encontrar alguém igual ao Profeta, que não seja capaz de ler e escrever e que tenha sido criado numa era de ignorância como um órfão sem instrução; o Alcorão desafia-os a encontrarem qualquer contradição em seu método, em suas ciências ou leis, como se pode encontrar em qualquer livro comum. Obviamente, não podem fazê-lo em razão da superioridade do Alcorão que permanece após sua revelação”.
De fato, a pesquisa sobre o tema da inalterabilidade e da fidelidade do Sagrado Alcorão deve partir dessa premissa: O Alcorão é um Livro livre de contradições. Por conseguinte, quando Deus, Exaltado Seja, afirma no Alcorão: “…revelou a Seu servo o Livro, no qual não pôs contradição alguma”.(18:1) devemos estar cientes de que todo o Livro prova e corrobora esta declaração. O mesmo se aplica à declaração de sua preservação como uma disposição divina, quando Deus, o Altíssimo diz: “Nós revelamos a Mensagem e somos o Seu Preservador”. (15:9). Ou ainda, quando declara sua incorruptibilidade e a impossibilidade de sua adulteração: “… é um Livro veraz por excelência. A falsidade não se aproxima dele, nem pela frente, nem pela retaguarda, é a revelação do Prudente, O Digno de Louvor”. (41: 41-42)
Estas três disposições são confirmadas no próprio texto sagrado, como Sayyed Tabataba’i menciona. Nesse contexto, (e somente nele) é que as provas da tradição, da história e da razão são validadas. Ainda que não sejam decisivas, são componentes úteis para uma abordagem esclarecedora na refutação intelectual de toda e qualquer dúvida, que seja levantada sobre a fidelidade e a preservação do Alcorão. A inexistência de provas históricas confiáveis e fundamentadas para se pôr em dúvida a fidelidade ou a preservação do Alcorão, não evitou que inimigos do Islam e alguns indivíduos desprovidos de conhecimento correto do assunto se dedicassem à propagação da dúvida e da suspeita. Desde os primeiros tempos a ação dos hipócritas e dos ignorantes se manifestou numa sistemática tentativa de confundir os muçulmanos e induzi-los à discórdia e à apostasia. Foi precisamente a integridade do texto e do processo de sua compilação e difusão, que constituiu o principal obstáculo aos objetivos desses indivíduos. Não surpreende, portanto, que para muitos hipócritas e seus aliados lançar a sombra da suspeita sobre a preservação integral do Alcorão tenha se tornado uma importante estratégia em sua luta contra o Islam.
Se no campo científico e da comprovação histórica não existem meios de sustentar uma posição afirmativa a algum gênero de alteração ou perda parcial do texto corânico, no campo da especulação e da pesquisa superficial sobre os primeiros séculos da era islâmica há uma imensa gama de ditos confundidos com ahadith autênticos, atribuídos a figuras eminentes e companheiros do Profeta, que municiam os que propugnam a ocorrência de alguma alteração. Fazer circular falsos relatos numa sociedade e época em que somente existiam meios rudimentares de comunicação era, por assim dizer, a principal arma de contra-informação.
Entretanto, antes de abordarmos o tema das falsas tradições e dos relatos sem uma cadeia de transmissão confiável ou conhecida, devemos considerar que qualquer suspeita de adição ou subtração no texto corânico, só encontraria chances de prosperar se uma dúvida inicial sobre a compilação do texto se popularizasse. E este é um ponto débil, da perspectiva histórica, nessa argumentação. A crença numa primeira compilação tardia, nos tempos do terceiro califa, serviu para ludibriar mentalidades ingênuas. Porém, contradiz a robusta prova histórica que atesta a compilação de Imam Ali Ibn Abi Talib (A.S.) durante a vida do Profeta (S.A.A.S.).
O famoso hadith Thaqalain registrado nos principais livros xiitas e sunitas cita textualmente “o Livro de Allah”: “Os que defendem a versão histórica de uma primeira compilação posterior ao Profeta se sentem à vontade para acreditar que a palavra “Livro” do mencionado hadith se referia aos fragmentos e manuscritos esparsos. Contudo, o grande mestre dos mujtahids contemporâneos, Sayyed Al Jo’i, depois de citar a ocorrência da palavra “Livro” tanto no Alcorão como no hadith Thaqalain afirma: “Existe uma prova clara que o Alcorão foi escrito e compilado na época de sua revelação, porque o termo “Livro” não se utiliza como referência ao que se guarda na memória, nem à escritos dispersos, ou pedaços de papel e artigos, senão metaforicamente. Sem dúvida, não é correto construir um termo de modo metafórico a menos que se tenha clareza em seu contexto. O termo “Livro” denota a existência de uma reunião (de escritos) e não de manuscritos soltos, nem de coisas que estão na memória e não escritas”.”
Como é bem conhecido, à atribuição de falsas tradições foi um processo que se iniciou ainda nos dias do Profeta, e que perdurou por um longo período. A prática de forjar ahadith e atribuí-los ao Profeta ou aos seus seguidores mais próximos foi empregada e explorada largamente. Durante as dinastias omíada e abássida, serviu de instrumento para a efetivação das intenções mais vis e criminosas contra o Islam, a família do Profeta (A.S.) e os muçulmanos. O combustível da ignorância alimentou a fornalha da falsidade que serviu para promover a dissensão na nação islâmica.
O Mensageiro de Deus (S.A.A.S.) advertiu os muçulmanos sobre esse assunto ao dizer: “Decerto que muitos criam mentiras sobre mim e o número deles aumentará …” E na mesma narrativa fiel, estabeleceu o Alcorão como padrão seguro para a avaliação de qualquer tradição comunicada, dizendo: “Portanto, cada vez que se narre um hadith, comparai-o com o Livro de Allah e minha Sunnah estabelecida; e o que estiver de acordo com o Livro de Allah, aceitai-o; e o que for contrário ao Livro de Allah e o meu Sunnah, rejeitai-o”. (Safinatul Bihar v.2 p.474)
Ou seja, o Alcorão foi determinado pelo próprio Profeta (S.A.A.S.) como critério básico para aceitação das tradições ou narrativas, e não o contrário. No entanto, à lamentável propagação da prática fraudulenta dos hipócritas, dos inimigos do Islam e dos ignorantes se acrescentou a adoção dos ingênuos e dos mal-informados. No período em que as coletâneas de ahadith começaram a surgir, a ausência de um critério científico corretamente estabelecido permitiu que narrativas de natureza e origens diversas fossem incluídas. Somente num período posterior, com o desenvolvimento da ciência do hadith, surgiram os instrumentos de análise apropriados para alguma margem de discernimento sobre a veracidade desta ou daquela narrativa. Entretanto, sunitas e xiitas possuem métodos diversos de pesquisa nessa área e, sobretudo, adotam uma atitude muito diferente diante de suas coletâneas e obras do gênero.
Entre os sunitas, se desenvolveu uma lamentável tendência à aceitação incondicional de todas as narrativas constantes em seus livros considerados de maior credibilidade. Os chamados “Seis Livros da Tradição” ou “Seis Livros da Tradição Correta”, especialmente o Sahih Al Bukhari e o Sahih Muslim dentre eles, são vistos como “confiáveis” num grau próximo da “infalibilidade”. Todavia, um exame, mesmo que superficial, de seu conteúdo demonstra a qualquer pessoa um forte componente de contradição em suas páginas e seções. Numa mesma página se verificam tradições claramente contraditórias sobre um mesmo tópico.
Entre os xiitas, porém, não existe uma adoção incondicional de qualquer obra de ahadith. Não existe a crença de algum tipo de infalibilidade no que se refere aos seus autores, comentadores ou narradores. Mesmo as obras mais renomadas (Al Kutub al Arba’ah) são passíveis de exame científico em seu conteúdo. Todas as narrativas são submetidas à rigorosa análise, no que tange às suas cadeias de transmissão, seu sentido de expressão, a biografia de seus comunicadores, a linguagem utilizada e, sobretudo, sua conformidade ao Alcorão, aos dizeres recebidos dos Mas’umin (Infalíveis) e aos fatos conhecidos.
Ironicamente, desde os primeiros séculos da Hijra, um pequeno grupo de opositores da escola xiita a acusam de crer na alteração do Alcorão. Acusação que tem sido refutada continuamente por renomados sábios imamitas que, em diversas obras, deixam patente a posição da escola xi’ah duodecimalista de que “o Alcorão é o Livro de Deus, cuja inalterabilidade é um fato indiscutível”. Posição que é atestada por centenas de eminentes eruditos xiitas de todas as épocas. Os grandes especialistas e compiladores do Hadith da escola xiita unanimemente rejeitam qualquer possibilidade de alteração ocorrida no texto corânico. Shaykh Abu Ja’far As Saduq, em sua obra Kitab al I’tiqadat afirma que: “Cremos que o Alcorão que Deus revelou a Seu Profeta Mohammad é o que as pessoas têm em mãos e não há mais do que isso. Aquele que afirme que dizemos que há mais do que isso (o texto atual) é um mentiroso”.
Ora, a simples existência de narrativas que levantem dúvida sobre a preservação do texto sagrado nas coletâneas xiitas ou sunitas, não fundamenta uma acusação generalizada a toda uma escola de jurisprudência. O mesmo se pode dizer sobre obras que surgiram advogando uma suposta alteração. A opinião pessoal de um indivíduo, qualquer que seja a tendência a que pertença, não reflete necessariamente o pensamento de todos ou da maioria.
O termo “tahrif”, no contexto aqui discutido, “alteração, tergiversação” é empregado para definir variados gêneros de alteração. No caso de um texto ou documento podemos supor basicamente:
1. A alteração no aspecto terminológico – alteração literal ou verbal de alguma palavra ou passagem do texto.
2. A alteração textual por adição parcial, quer seja de termos, passagens ou capítulos.
3. A alteração textual por perda ou subtração parcial.
A primeira e a segunda hipóteses são absolutamente negadas categoricamente por todos os muçulmanos. Os que supõem algum tipo de alteração defendem, com base em narrativas, uma suposta subtração ou perda de partes do texto.
As citadas narrativas, atribuídas a companheiros e pessoas eminentes dos primeiros tempos do Islam, afirmam diversas subtrações e perdas ocorridas no texto corânico. Um exame apurado do conjunto dessas tradições (dispersas em muito maior número nas coletâneas sunitas, mas também em coletâneas xiitas) demonstra que em sua quase totalidade se tratam de narrativas fracas (d’aif), isto é, de uma única comunicação, cujas cadeias de transmissão não estão perfeitamente determinadas ou são provenientes de fontes de narração não confiáveis. Um exemplo disso é mencionado por Ayyatullah Ju’i ao responder aos proponentes da crença na alteração: “Tais dizeres não provam a existência do tahrif (alteração). A maioria deles possui uma cadeia de transmissão fraca já que um grupo dessas narrativas foi transmitida da obra de Ahmad Ibn Muhammad Saiari, e todos os sábios do ‘Ilm Ar Rijal (a ciência que estuda a credibilidade dos narradores) concordam que esta obra não é confiável pelos erros de sua crença; ou foram transmitidas por Ali Ibn Ahmad Kufi a quem os sábios do Al Rijal consideram mentiroso e adepto de crenças errôneas”.
Um segundo grupo é composto por narrativas que possuem alguma probabilidade de serem fiéis, porém, carecem de uma interpretação correta. Trata-se de narrativas que se referem a outras informações, não relacionadas ao texto corânico, mas que foram interpretadas equivocadamente para servirem de apoio aos argumentos dos que advogam a ocorrência do tahrif.
Pertencem a este grupo algumas narrativas que mencionam um conjunto muito maior de revelações ao Profeta. Shaykh As Saduq, em sua obra “Kitab al ‘Itiqadat”, explica: “Existem muitos ahadith qudsi (tradições sagradas) que foram revelações, porém, não fizeram parte do Alcorão. Se fossem parte do Alcorão, teriam sido incluídos nele…” Ou seja, o equívoco de tais narrativas se refere ao fato de que o Sagrado Alcorão foi uma parte do que foi revelado ao Profeta (S.A.A.S.). Assim, se estabeleceu nelas uma confusão entre o que fazia parte do Alcorão e o que não fazia, permitindo a errônea interpretação de uma subtração ou perda de versículos ou suras do Livro.
Também pertencem a esse grupo uma boa parte das narrativas que, interpretadas sem o devido conhecimento do tema ou do contexto são apresentadas como indícios de alteração no Alcorão. Por exemplo, as narrativas que mencionam o mushaf (compilação) de Ali Ibn Abi Talib (A.S.) como um exemplar diferente do Alcorão que conhecemos. O fato conhecido sobre esta compilação, com base nos relatos dos Imames dos Ahlul Bayt (A.S.) é que continha além do texto corânico (com as suras ordenadas segundo a sequência de sua revelação) um conjunto de notas sobre as circunstâncias da revelação dos versículos, a explicação dos versículos ab-rogados e ab-rogadores, etc. Ou seja, o mushaf de Ali (A.S.) em nada divergia quanto ao conteúdo do texto sagrado do Alcorão que temos em mãos.
Um outro exemplo de equívoco interpretativo é o que pretende apresentar a ocorrência do termo “tahrif” em algumas narrativas atribuídas ao Mensageiro de Deus (S.A.A.S.) e aos Imames dos Ahlul Bayt (A.S.), como um indício da ocorrência de alteração (subtração) no texto corânico. Na verdade, todas essas narrativas se referem não ao tahrif no sentido de alteração (subtração ou adição), mas no sentido de uma alteração semântica. Se referem ou às diferentes formas de leitura, ou ainda, à ocorrência da falsa interpretação ou entendimento dos versículos. Isto é, o termo “tahrif” nelas é empregado a respeito daqueles que deliberadamente ou não, adotam opiniões pessoais sobre os significados corânicos, desviando-se e desviando a muitos. Não se trata, portanto, de nenhuma referência a algum tipo de alteração no Alcorão.
A regra essencial na aplicação do método científico de análise dessas narrativas consiste do exame acurado das fontes e cadeias de transmissão. Se uma narrativa não pode ser considerada aceitável, deve então ser interpretada corretamente ou descartada; adotando-se o critério básico expresso por Imam Jafar Assadeq (A.S.): “Aceitai o que for condizente ao Livro de Deus e rejeitai o que contrariar o Livro de Deus”.
A hipótese de uma alteração (subtração) no texto corânico apresenta inúmeras contradições e pontos débeis. Seu principal obstáculo é o próprio Alcorão; mas também a tradição, a razão e a prova histórica apresentam argumentos contrários indiscutíveis.
A prova corânica é exposta nas palavras de Deus Altíssimo: “Nós revelamos a Mensagem e somos o Seu Preservador”. (15:9)
Ao afirmar a si mesmo como um Livro preservado pelo poder divino, o Alcorão nos diz que goza de uma posição superior às circunstâncias materiais; que a vontade, o intelecto ou a imperfeição humana não podem agir sobre ele. Supor que o esquecimento, a omissão, a malícia ou qualquer outra característica humana pudessem interferir na preservação divina do Alcorão equivale a contradizer o próprio Alcorão. Essa posição de absoluta incorruptibilidade é novamente ressaltada nos seguintes versículos: “… é um Livro veraz por excelência. A falsidade não se aproxima dele, nem pela frente, nem pela retaguarda, é a revelação do Prudente, O Digno de Louvor”. (41: 41-42).
Segundo Husain Yavan Arasteh, em seu artigo sobre o tema: “O termo “’aziz” (traduzido como veraz) é proveniente da raiz “’izzat” que significa “solidez”, e possui muitas formas de utilização. Em árabe, qualquer coisa que não seja influenciada por um fator externo é denominada “aziz”. O Alcorão é “aziz”, isto é, é um livro forte e impenetrável, que não permite ser influenciado nem submetido por outro fator”.
Por conseguinte, o próprio Alcorão afirma a impossibilidade de sua alteração por qualquer fator externo. Afirma também a solidez e a permanência de suas palavras e sentenças. A prova da tradição é estabelecida pelas fiéis narrativas. O hadith Thaqalain exemplifica perfeitamente essa prova, uma vez que nele, o Mensageiro de Deus diz: “Certamente que deixo entre vós duas coisas muito valiosas, o Livro de Deus e a minha Família. Enquanto vos mantiverdes apegados a ambos não vos extraviareis. E certamente que não separarão uma da outra até que voltem a mim junto a Fonte (de kauçar)”.
Esta tradição, como muitas outras dos purificados Imames (A.S.) recomendam aos muçulmanos que se mantenham apegados ao Alcorão; e o Alcorão é também mencionado nelas como critério discernente do certo e do errado, do falso e do verdadeiro, do que leva ao Paraíso e do que leva ao Inferno. Portanto, supor que o Alcorão pudesse sofrer alteração seria o mesmo que supor que um elemento que constitui padrão discernente do certo e do errado, ou do falso e do verdadeiro não conta com absoluta credibilidade, o que seria absurdo e contraditório. Em suma, se alguma alteração fosse possível no Alcorão, nem o Profeta (S.A.A.S.) nem os Infalíveis de sua descendência (A.S.) afirmariam sua condição de critério decisivo para os muçulmanos.
A prova racional se apóia na argumentação corânica e na argumentação da Sunnah Autêntica, e pode ser resumida nos seguintes pontos:
1. Admitindo-se que o Alcorão é o Livro de Deus, a orientação descida para todos os humanos de todas as épocas e lugares, como o próprio Livro declara, a razão nos diz que Deus não decretaria a descida da Mensagem, sobre a qual afirmou sua preservação e veracidade, para que em seguida permitisse que as ações humanas a corrompessem.
2. Se o propósito da revelação do Alcorão é a Orientação ao gênero humano apresentando a Shariah definitiva até o Dia do Juízo, como esse propósito se concretizaria se a Mensagem sofresse alguma subtração ou alteração (como afirmam os que advogam essa tese) mesmo antes de ser propagada aos povos?
Alguém poderia objetar esses pontos citando o ocorrido com as escrituras divinas anteriores. Porém, devemos lembrar que não existe qualquer indício, no que nos chegou dessas escrituras, de que Deus Altíssimo tenha afirmado algo semelhante (preservação ou isenção quanto à adulteração) a respeito delas. Por outro lado, Ele, Exaltado Seja, assegurou a preservação e a isenção do Alcorão em relação à falsidade. O que coloca aqueles que presumem alguma alteração ou subtração no Alcorão na posição de negadores da palavra de Deus.
A prova histórica se compõe das evidências documentais que atestam o método de transmissão do Alcorão, de geração em geração; evidências bem fundamentadas sobre o processo de memorização, recitação, estudo e ensino do Alcorão iniciado ainda na época do Profeta (S.A.A.S.), e a dedicação dos primeiros muçulmanos nessas matérias memorizando os versículos logo após a sua revelação.
As evidências históricas demonstram que o conhecimento do texto corânico sempre ocupou uma posição de destaque na comunidade muçulmana. O desenvolvimento das ciências corânicas do aprendizado, memorização, recitação que se processou nos primeiros séculos deixa evidente o caráter coletivo da cultura corânica. Supor que uma alteração (subtração ou perda) do texto se operasse em qualquer período da história, sem o conhecimento de uma parte substancial da comunidade muçulmana, é algo que contraria a razão e os fatos.
A prova histórica também encontra base de sustentação no próprio processo de expansão do Islam nos séculos subseqüentes. A permanência e a preservação do texto corânico no decorrer dos séculos, após sua difusão a um grande número de culturas e povos, a despeito de sua exposição aos fatores sócio-culturais (o que inclui o contato com outros idiomas) constitui uma prova irrefutável de sua condição de inalterabilidade.