Diretrizes para a Civilização e o Progresso

Por: Ahmed Ismail

Dentre as muitas noções errôneas difundidas no ocidente sobre o Islam está a de que há no pensamento islâmico uma oposição fundamental ao progresso tecnológico e científico. De modo geral, há uma tendência a se acreditar que religião e ciência devam necessariamente estar em conflito, da maneira que se verificou na história do ocidente. Na verdade, não há nada no Islam que proponha a estagnação das sociedades ou que negue a validade das conquistas da humanidade que proporcionem bem estar ao gênero humano.

O advento da mensagem islâmica através de seu Profeta (S.A.A.S.) foi uma evidência de civilização e progresso numa época em que o mundo se encontrava submerso em estagnação e obscurantismo em todas as áreas do conhecimento.

É fato aceito por um considerável número de historiadores e intelectuais do ocidente que a semente da civilização ocidental germinou no mundo islâmico e esta contribuição foi tão importante quanto a da tradição grega e, sob certos aspectos superou a esta. Devemos considerar que a revisão destes conceitos é muitíssimo recente, os fortes preconceitos que ainda predominam no mundo ocidental em relação à civilização islâmica por séculos foram uma barreira a uma análise franca e imparcial sobre esta questão.

Além disso, o cerne do pensamento ocidental moderno, este agnosticismo prático é uma herança da civilização grega, pelo qual o ocidente se pretende liberto de tudo que rememore suas origens medievais.

O pensamento moderno ocidental ainda identifica como as sementes das luzes do progresso e da ciência a herança helênica, entretanto a contribuição islâmica tem sido reconhecida como um fato, devido a abundância de provas históricas que o corroborem.

Contudo, ao dizermos que o Islam afirma como conquistas da humanidade a civilização e o progresso, não dizemos que o Islam considere civilização ou progresso os modelos predominantes no mundo de hoje, consagrados pelo ocidente como conquistas. Não obstante o Islam corrobore a civilização (e lance as bases para que o homem a estabeleça) e o progresso o Islam refuta os critérios, métodos e objetivos que o mundo ocidental adotou sob o pretexto de alcançar o estágio de civilização e progresso. Sob o ponto de vista islâmico o conceito de civilização do mundo moderno ocidental pouco ou nada difere da barbárie dos povos antigos, talvez a única diferença seja a instituição do Estado, mesmo o sistema escravista (abolido oficialmente a pouco mais de um século) não pode ser tomado como uma diferença se levarmos em consideração as condições de vida de boa parte da população mundial.

O modelo ocidental de civilização e progresso teve suas raízes na onda expansionista da Europa Cristã. Esta onda expansionista foi o resultado da integração de até então dois elementos distintos: o espírito dominador, traço típico dos povos europeus, personificado pelo Império Romano, e a Igreja, que desde os seus primórdios reivindicava esta perspectiva universal (católica).

A queda do império Romano legou às monarquias européias o mesmo espírito expansionista, e esta onda teve um importante impulso com as descobertas e conquistas a partir do séc. XIV, o período colonizador que sucedeu este período permitiu a esses impérios amealhar riquezas numa escala jamais imaginada. Por pelo menos quatro séculos a Europa estabeleceu seu domínio sobre todos os continentes, submetendo povos e culturas a seu poderio bélico.

O séc. XIX foi palco da revolução industrial e de inúmeras descobertas científicas e tecnológicas que ampliaram imensamente as possibilidades de exploração dos recursos naturais e da mão de obra humana. No início do séc. XX era evidente que a onda expansionista do “Progresso e da civilização” não poderia ser detida. Uma grande máquina de exploração dos recursos naturais e da força humana de produção já estava plenamente estabelecida em todo o mundo “civilizado” e nas regiões colonizadas toda e qualquer riqueza ou recurso nativo estava à mercê das regras econômicas do mercado mundial. Todos os avanços tecnológicos e científicos alcançados no decorrer do séc. XX apenas incrementaram esta poderosa máquina de exploração do planeta visando sempre um maior potencial de reverter todos os recursos naturais em lucros e toda potencialidade humana em produção.

Não nos é possível entender as razões desta onda civilizatória se não buscarmos analisar suas crenças fundamentais, seus objetivos e critérios. É o que faremos a seguir, confrontando a cada uma delas com a visão crítica do Islam.

O Pensamento Moderno e Suas Concepções de Progresso e Civilização

As crenças fundamentais desta onda civilizatória foram estabelecidas sobre pressupostos com os quais se pretende justificar o modelo e os métodos adotados, a primeira dessas crenças (a qual deu origem e razão a todas as demais) é:

– A crença no caráter superior da dominação

Esta crença se forjou na sucessão milenar das lutas entre os povos por razões territoriais. Pouco a pouco o espírito bárbaro de domínio, de sujeição passou a ser identificado como um símbolo de superioridade, a superioridade da força foi aceita como superioridade por direito. O Império Romano representou para os defensores desta crença o exemplo perfeito e acabado da superioridade afirmada e exercida por direito e razão. Os pressupostos desta crença são que:

Existem raças superiores (ou uma raça superior) dotada de qualidades intelectuais, morais e espirituais, que as predestinam (ou a predestina) ao domínio bélico, econômico e político sobre as demais (raças inferiores). Esta crença foi incrementada com a cristandade, a qual deu um caráter divino e apostólico a essa predestinação. Sob este prisma, o imperialismo europeu exercia um direito histórico e natural da raça branca, cristã, de dominar o mundo e conduzir os demais povos nos rumos da civilização e do progresso neste mundo e a salvação no outro mundo pela fé cristã. Este domínio por direito, não se limitava às demais raças, mas se estendia a todo o planeta, os mares, as terras, os animais, as florestas, e se exerceria sem nenhum critério restritivo, pois faz parte deste pressuposto “que tudo pertence a este homem superior”.

O Islam rejeita qualquer hipótese de superioridade racial e conseqüentemente nega a validade de qualquer doutrina que advogue o domínio por direito de um povo sobre outro ou de uma raça sobre outra.

Este pretexto cínico pretendeu justificar a onda bestial e criminosa com que os imperialistas europeus se lançaram sobre os demais povos e raças, promovendo massacres e saques, e então os escravizando. Essa mesma ideologia pretende justificar o período pós-revolução industrial em que as potências ocidentais promoveram a partilha do mundo e redimensionaram as regras de mercado condenando as nações pobres a uma condição servil e humilhante.

O Islam com igual vigor rejeita a crença de que o homem tem o direito ilimitado de dispor dos recursos naturais e das demais criaturas segundo o que lhe pareça melhor. O Islam declara que todos os bens deste mundo pertencem a Allah, seu único Criador e Senhor, em sua Autoridade e Sabedoria, estabeleceu limites e Leis Divinas. O homem como a excelência das criaturas é representante de Allah na terra, o que significa que deve administrar as riquezas naturais e usufruir delas com respeito às leis naturais e divinas e não saqueá-la, corrompe-la e destruí-la. Não lhe foi lhe dado o direito de poluir os rios e os mares, destruir florestas ou condenar à morte as espécies animais por nenhuma razão.

Uma segunda crença sobre a qual se fundamenta a onda civilizatória ocidental é a de que “o preço do bem estar é o acúmulo de riquezas e a aceleração da produção”. Segundo seus defensores, este seria o único meio de evitar a escassez mundial, portanto os males inevitáveis desse modelo de civilização e progresso seriam males absolutamente necessários. De acordo com essa argumentação não restaria às nações ricas outra alternativa senão incrementar os meios de produção e implantar o atual sistema econômico e mercantil às expensas das nações pobres e da exploração crescente dos recursos naturais. É o que alguns chamam de “o preço do progresso”.

A refutação do Islam a esta segunda crença e a seus pressupostos se respalda em três evidências, igualmente inegáveis: A primeira e superior as demais é a PALAVRA DIVINA DE ALLAH NO ALCORÃO, a segunda é a própria história da humanidade e a terceira evidência é o conjunto de constatações científicas no que se refere ao equilíbrio biológico do planeta.

A primeira evidência (o Alcorão) afirma que toda a prosperidade provém de Allah, por meio de suas dádivas naturais, com as quais Ele, Exaltado Seja, provê todas as criaturas vivas incessantemente, por sua Prudência e Generosidade legou ao homem esta terra, plena de riquezas e biologicamente capacitada a alimentar todas as criaturas vivas que a habitem, portanto é uma afirmação irracional dizer que serão os empreendimentos humanos que resolverão o problema da escassez. Na verdade foram esses mesmos empreendimentos, esse mesmo modelo absurdo de “progresso e civilização” baseado no acúmulo e na exploração do homem e o abuso dos recursos que gerou os profundos desequilíbrios que hoje se verificam em várias regiões do mundo.

A lei natural e divina por milênios proporcionou ao homem dádivas materiais e todas as possibilidades de prosperidade, sem que este necessitasse de tomar uma atitude predatória. Tanto mais o homem escolher arrebatar criminosamente as dádivas materiais, mais essas dádivas serão restringidas, e os desequilíbrios trarão secas e fome a algumas regiões e enchentes e destruição a outras.

O plano Divino na ordem natural por exemplo, nos provê de água, mantida clara como cristal nos oceanos, e esta água é transferida aos rios e lagos, sem sal, para saciar as sede das criaturas terrestres, por sua vez os resultados dos empreendimentos humanos (que se intensificaram nos últimos duzentos anos) podem ser vistos nos rios poluídos e mortos, em cujas margens se encontram as grandes cidades.

Por milhões de anos as espécies animais têm sido providas e alimentadas pela lei natural e divina, a fome tem se tornado uma ameaça a espécies inteiras apenas a partir do momento que entrou em cena os “empreendimentos humanos”.

As outras duas evidências (a história da humanidade e as constatações científicas da biologia do planeta) reafirmam plenamente tudo o que dissemos acima. Entretanto, algo nessa segunda crença pode mesmo ser considerado verdadeiro: A gigantesca máquina de produção e consumo resultante deste modelo de civilização e progresso gerou nestes últimos dois séculos uma nova situação (absolutamente inédita). Esta nova situação não só interferiu no meio ambiente do planeta, mais do que isso remodelou o comportamento dos povos e as suas relações com o meio ambiente. Este homem, produto dessa época do “progresso”, sob um importante aspecto, não mais se assemelha ao homem pré-revolução industrial. Este homem, além de suas necessidades básicas, carrega consigo uma miríade de “necessidades artificiais” necessidades concebidas pela grande máquina de produção e consumo. De fato, um dos critérios adotados para medir o progresso de uma sociedade tem sido “a capacidade de produção de novas necessidades de consumo”.

E são exatamente essas necessidades artificiais que exigem a busca de uma produção num ritmo desenfreado e uma exploração num nível alucinante e destrutivo dos recursos naturais. Sob esse aspecto, é verdadeiro que este modelo de civilização e progresso exige para que sobreviva o preço que a humanidade está a pagar.

Este novo homem, envolvido na teia de desejos promovidos a necessidades é o cidadão de todas as classes sociais, pouco a pouco ambientado às grandes cidades, sua relação com a natureza tornou-se mórbida e brutal, seu estilo de vida exige a destruição e ele se encontra condicionado a isso de tal maneira, e de tal maneira se encontra despreparado para desvencilhar-se dessa teia que suas alternativas se reduzem a adotar os pressupostos que os defensores deste modelo de civilização apregoam.

De fato, dentro dessa situação criada e enquanto esse processo civilizatório e esse modelo de progresso se perpetuar a exploração crescente do homem e dos recursos naturais se fará necessária por mais suicida essa atitude se apresente.

Na realidade, a capacidade destrutiva, etnocida, deste processo revela-se sem limites. Pierre Clastres em seu livro “Arqueologia da Violência” diz: (…) “O que contém a civilização ocidental, que a torna infinitamente mais etnocida que qualquer outra forma de sociedade? É seu regime de produção econômica, justamente o espaço do ilimitado, espaço sem lugares, no que diz respeito ao recuo constante do limite, espaço infinito de fuga para diante. O que diferencia o ocidente é o Capitalismo, enquanto impossibilidade de permanecer aquém de uma fronteira; é o capitalismo como sistema de produção para o qual nada é impossível, senão ser para si mesmo seu próprio fim, seja ele liberal, privado, ou planificado, de Estado (ou socialista). A sociedade industrial, a mais formidável máquina de produção, e por isso mesmo a mais assustadora máquina de destruição. Raças, sociedades, indivíduos, espaço, natureza, mares, florestas, subsolo: tudo é útil, tudo deve ser utilizado, tudo deve ser produtivo, de uma produtividade levada a seu regime máximo de intensidade. Eis porque não se podia dar descanso às sociedades que abandonavam o mundo à sua tranqüila improdutividade originária; eis porque aos olhos do ocidente, era intolerável o desperdício representado pela não-exploração de recursos imensos. A escolha deixada a essas sociedades era um dilema: ou o etnocídio ou o genocídio. No fim do séc. XIX, os índios dos pampas argentinos foram totalmente exterminados a fim de permitir a criação extensiva de carneiros e vacas, a qual instaurou a riqueza do capitalismo argentino. No começo do século XX, centenas de milhares de índios amazônicos foram abatidos por aqueles que procuravam borracha. Atualmente em toda América do Sul, os últimos índios livres sucumbem sob o enorme avanço do crescimento econômico. As estradas trans-continentais, cuja construção se acelera, constituem os eixos de colonização dos territórios atravessados. Desgraçados dos índios que a estrada encontra! O que podem pesar milhares de selvagens improdutivos diante da riqueza em ouro, minérios raros, petróleo, criação de gado, fazendas, etc.? Produzir ou morrer, tal é a divisa do Ocidente. Os índios da América do Norte aprenderam-na em sua carne, e foram mortos quase até o último a fim de permitir a produção. Um de seus carrascos, o General Sherman, o declarava ingenuamente em uma carta dirigida a um famoso matador de índios, Buffalo Bill: “Tanto quanto posso avaliar, havia em 1862 por volta de 9 milhões e meio de bisões nas planícies entre o Missouri e as Montanhas Rochosas. Desapareceram todos, mortos devido à sua carne, pele e ossos (…) Nesta mesma data, havia cerca de 165.000 Pawnees, Sioux, Cheyennes, Kiowas e Apaches, cuja alimentação anual dependia dos bisões. Eles também se foram, sendo substituídos pelo dobro ou triplo de homens e mulheres de raça branca, que fizeram desta terra um jardim e que podem ser recenseados, taxados e governados segundo as leis da natureza e da civilização. Esta mudança foi salutar e prosseguirá até o fim”. O general tinha razão. A mudança prosseguirá até o fim e terminará quando não houver mais nada a mudar”.

Uma terceira crença que tenta justificar o modelo de civilização e progresso é a otimista visão de seus defensores de que os avanços científicos resultantes promoveram e promoverão uma maior qualidade e expectativa de vida ao homem, seja pelo avanço da medicina ou pelos confortos que a vida moderna proporciona.

O Islam, como uma religião racional, afirma que a ciência é um dos tesouros concedidos ao homem para a realização de seu bem estar e, por conseguinte, o progresso científico é absolutamente válido e desejável, com o devido cumprimento de seu propósito: promover o bem estar da humanidade. Sob esta perspectiva, o progresso científico deve se realizar amparado na ética e no respeito às leis naturais e divinas.

Assim, o Islam rejeita a crença que um modelo de civilização e progresso desprovido de respeito às leis naturais e divinas, que considere a vida humana e das demais criaturas como algo a ser tratado como mercadoria possa realizar um avanço científico que realmente vise “o bem estar da humanidade”.

É inegável que nos últimos duzentos anos o idealismo de muitos cientistas produziu benefícios consideráveis, especialmente no combate aos males gerados pelo próprio modelo ensandecido de progresso e evolução que expõe os indivíduos a um estilo de vida e a condições anti-naturais potencialmente doentias.

Há entretanto um outro aspecto na questão do avanço científico que depõe contra os postulados da ciência: a flagrante manipulação do conhecimento para desenvolver meios de destruição em massa, no qual os estados arregimentam os cientistas com um objetivo absolutamente contrário ao que a ciência deveria servir.

Como resultado o século XX assistiu a um inédito desenvolvimento dos meios de destruição, garantindo às potências a certeza de que onde a pressão econômica falhasse, a ameaça bélica garantiria seus interesses e sua hegemonia.

No que diz respeito aos avanços da medicina, o poderio econômico dos laboratórios multi-nacionais estabeleceu uma situação muito distante do que essa crença otimista preconiza. O acesso aos benefícios da medicina é franqueado a uma parcela mínima da humanidade (seguindo as regras de mercado, para aqueles que possam pagar por isso). A leviandade e frieza dessa indústria em nada se diferencia da indústria bélica e seu poder atropela mesmo os estados, tal a máquina de lucros que ela representa.

É igualmente questionável o valor da medicina moderna no que se refere a promover “a saúde”, a mentalidade das multi-nacionais forjou como conceito de saúde “a ausência de sintomas” assim como também “a qualidade de vida” como sendo “a quantidade de tempo de vida” dando às pessoas a falsa crença de que alguém cuja vida seja prolongada por medicamentos ou meios artificiais está sendo beneficiado com “qualidade” de vida. Muitos terapeutas compromissados com a verdade tem mesmo posto em dúvida tais conceitos, porém, o poder organizado das associações médicas, dos conselhos de medicina (altamente comprometidos com as multi-nacionais farmacêuticas) exercem sua força com mão de ferro, punindo todas as tentativas de uma mudança conceitual e prática que tem como propósito fazer com que a medicina retome os seus objetivos originais.

Quando se fala em qualidade e expectativa de vida costuma-se tomar como base os relatórios e estatísticas governamentais e da organização mundial de saúde, o que não se leva em conta são os interesses envolvidos representados no que os “números apresentam” e não no que os “números escondem” tal é a magnitude das desigualdades sociais e as diferenças entre as nações desenvolvidas e as nações sub-desenvolvidas que afirmar que este modelo de progresso e civilização proporcionou um ganho em qualidade ou expectativa de vida é uma flagrante tentativa de subestimar a inteligência das pessoas.

Além do mais, é muito difícil provar que um cidadão nova-iorquino ou parisiense com acesso a melhor assistência médica possível e todo o conforto que o progresso proporcione que viva 70 anos teve uma melhor qualidade de vida do que um indígena que viva nas montanhas andinas uns bons 90 anos sem saber o que significa um plano de saúde ou uma aspirina.

Algumas nações ricas se orgulham da longevidade de seus habitantes apresentando isso como “prova de qualidade de vida” e logo depois, tem que reconhecer em seus relatórios o aumento de doenças debilitantes como Parkson e Alzheimer entre cidadãos de meia e da terceira idade.

Os E.U.A. consomem 18% da produção mundial de alimentos e é também o maior consumidor de barbitúricos e calmantes, qual a lógica dessa “prova de qualidade de vida”? As taxas assustadoras de suicídio de países desenvolvidos dizem alguma coisa à expectativa de vida ou sobre a falta de expectativa na vida?

Ao contrário, os mesmos relatórios apresentados por essa “no mínimo duvidosa organização mundial de saúde” (que até poucos anos atrás apresentava o álcool como “alimento”) dão uma clara indicação que a coisa não é bem assim.

Populações alijadas dos “benefícios” do progresso não apresentam “doenças próprias do progresso” mas, com freqüência são vitimadas por ele através da subnutrição (má distribuição das riquezas do mundo) ou abandonadas às pestes e epidemias próprias do subdesenvolvimento.

Boa parte dos confortos proporcionados por este modelo de civilização e progresso, os quais são muito bem explorados pela máquina de produção e consumo, já se provaram muito eficientes em minar a saúde por meio de um estilo de vida sedentário e anti-natural, a idéia do mínimo esforço tem enchido cemitérios, hospitais e manicômios no último século tanto quanto as guerras e epidemias. Resta aos médicos e psiquiatras o ridículo papel de tentar resolver o problema todo com os novos medicamentos no mercado e convencer seus pacientes que isso é tudo a fazer. Os especialistas em nutrição apontam medidas paliativas como alimentação balanceada e imediatamente caem no poço cavado pelas indústrias alimentícias e pelos trustes de agrotóxicos que há décadas propagam a mentira “que não há como produzir alimentos sem a utilização de venenos e substâncias cancerígenas”.

Diante de todos esses fatos, concluímos que não é pertinente uma discussão se os benefícios e as soluções que esse modelo de progresso deu origem superam ou não os malefícios e problemas que produziu, o que realmente é importante é que um modelo de progresso que não tenha como objetivo real o bem estar de toda a humanidade (e não de uma pequena parcela de seres humanos) e no qual a exploração da vida humana seja o pilar que o sustenta, deva ser descartado pela humanidade, ao menos pelos homens de bem como um objeto de vergonha e não de orgulho.

A quarta e última crença e argumentação apresentada pelos defensores da onda civilizatória ocidental, é a crença de que este modelo de civilização e progresso proporcionará aos povos a libertação de uma série de limitações culturais e a solução para os conflitos de natureza racial e religiosa, conduzindo-os a uma era de paz.

Esta crença adota dois pressupostos básicos:

1. Que o regime capitalista aliado a um direcionamento democrático (nos moldes ocidentais) é o único regime que poderá levar uma nação a esse caminho de prosperidade e bem estar social.

2. Que os traços culturais tradicionais e religiosos são um entrave ao modelo de progresso e civilização ideal.

O Islam rejeita todos os pontos desta crença, e esta rejeição também é respaldada pela constatação dos fatos históricos e contemporâneos. Ora, se esse modelo de progresso e civilização é a efetivação da supremacia de uma cultura sobre todas as demais e por isso mesmo as desconsidera e as ignora, tal modelo jamais poderá promover a superação dos conflitos, muito ao contrário, trará a todo conflito uma ainda maior gravidade. Prova disso, foi a ação dos imperialistas no continente africano, que desconsiderando a organização social e política tradicional dos povos, impôs fronteiras a seu bel prazer gerando conflitos tribais sem aparente solução que irrompem regularmente em massacres e guerras que se arrastam por décadas.

O desprezo a auto-determinação dos povos e nações, que tem sido a regra do mundo desenvolvido no trato político e econômico, gerou crises regionais como a do Oriente Médio e a guerra do Vietnam.

Quanto aos conflitos de natureza racial e religiosa cabe lembrar que as nações ricas são historicamente o berço de grande parte desses conflitos, a Europa produziu o Nazi-fascismo (e agora assiste seu ressurgimento) e os E.U.A. têm como uma mancha em sua história o racismo branco da Ku-Klux-Klan e de outros movimentos de cunho religioso e político que são prosélitos da superioridade racial.

Essa é uma prova que a intolerância religiosa ou racial não é um produto do atraso e nem um traço típico do subdesenvolvimento.

Além disso, a crença de que este modelo de progresso e civilização pode superar o ódio racial e religioso, libertando os povos desses fatores de obscurantismo e intolerância não se sustenta ao constatarmos que o modelo em questão se por um lado pretende integrar os povos e as religiões por outro, com freqüência tende a substituir o fanatismo religioso por um fanatismo tão detestável quanto o primeiro: a crença na superioridade racial, nacional ou xenófoba.

Assim, por exemplo, o cidadão médio americano nutre um desprezo absoluto contra as nações pobres ou que tenham discordância com a política e o modo de vida americano. Esse cidadão, por não reconhecer nenhum valor humano ao povo vietnamita apoiou cada agressão americana contra esse povo (a quem de modo depreciativo chamavam de “amarelos”), o mesmo fenômeno xenófobo se verificou durante a guerra do Golfo e ainda as sanções internacionais contra o povo iraquiano (que geraram a morte de milhares de crianças por inanição a cada ano) contam com pleno apoio da opinião pública americana.

Nos anos 50, o governo americano não teve dificuldade em arregimentar o apoio popular a sua irresponsável campanha pró-armamentos nucleares. E assim tem sido desde a segunda guerra mundial, o povo americano (apesar da reação contrária de uma parcela lúcida da população) na sua maioria, tem como traço característico a crença que a força brutal bélica deve ser usada contra todo povo que não aceite as ordens da Casa Branca e exige de seus governantes “mão de ferro” em nome da pátria e da hegemonia americana.

Em suma, o que este modelo de civilização e progresso propõe como paz ou resolução dos conflitos de natureza racial, territorial ou religiosa nada mais é do que uma acomodação aos interesses das potências mundiais. Este modelo tem se demonstrado incapaz de superar tais conflitos, ao invés disso, com freqüência tem acirrado e ampliado a gravidade desses conflitos, uma vez que desconsidera completamente as aspirações legítimas dos povos.

E uma constatação ainda mais vergonhosa e brutal é que sempre que tais conflitos sejam, sob quaisquer aspectos favoráveis, ou não representem ameaça aos interesses das nações ricas, serão tolerados, ignorados ou até mesmo sustentados. Isso explica o fato que no decorrer de todo século XX (e até o fim da bipolarização de forças – EUA x URSS) o sistema de apartheid sul-africano foi devidamente tolerado pelas chamadas “nações civilizadas do ocidente”.

Como um exemplo desse espírito civilizado de “decidir quem deve viver e quem deve morrer” quando a existência de campos de extermínio de bósnios muçulmanos mantidos pelos sérvios foi confirmada, e o então Presidente Americano George Bush foi avisado, declarou: “Dêem-lhes o que comer mas, nada de intervenção, se eles (os sérvios) querem mata-los, que o façam, mas que seja longe das câmeras!”

Os diversos conflitos regionais que na atualidade se arrastam sem solução seja no Oriente Médio, na África, na Ásia ou na América Latina possuem como traço comum alimentar a discórdia à nefasta política internacional dirigida pelas potências mundiais.

O Islam concebe civilização e progresso como duas importantes realizações da humanidade, os quais pouco ou nada tem a ver com o que este modelo predominante assume como civilização e progresso. O Islam não vê “civilização” onde a vida humana e as riquezas do planeta sejam consideradas como coisas e medidas de lucro.

O grande equívoco de que possamos ser civilizados à custa do sofrimento e da exploração de outros estabeleceu falsas afirmações sobre o progresso. O Islam refuta qualquer progresso que se meça apenas pela prosperidade material, ou o aumento das comodidades, se tudo isso provém da transgressão dos direitos de outros povos ou da desconsideração das leis naturais e divinas é na melhor das hipóteses uma lucrativa “ação criminosa”.

Chegamos ao séc. XXI e os defensores deste falso modelo de civilização e progresso clamam aos quatro ventos as maravilhas da tecnologia, induzindo muitos à crença que “TER” é a medida perfeita para se medir o progresso e a civilização. Contudo, a razão nos diz que nossos computadores e satélites não podem nos ajudar a tirar 1 bilhão e meio de vidas humanas da linha da miséria em que se encontram.

Cabe perguntar: estamos progredindo, para qual direção? Se os benefícios do progresso são benefícios monopolizados para uma parcela mínima da humanidade, um grupo seleto de nações prósperas, então decididamente este modelo de progresso não interessa as demais nações e povos.

É evidente que se a cultura do desperdício e o pouco respeito às riquezas naturais QUE PERTENCEM A TODOS fossem substituídas por um modelo de progresso centrado no bem da humanidade, em poucos anos todos os povos e nações estariam usufruindo das mínimas condições para uma vida digna de ser chamada de humana.

Diante de todos os sintomas da violência instituída em que as potências mundiais continuam a impor sua vontade, seja por meio de embargos econômicos ou pelo uso da força militar, e que o pequeno círculo dos que decidem os rumos do planeta continua a exercer seu poder decisório sem considerar o que os povos tem a dizer, podemos mesmo nos denominar de “civilizados”?

O Islam nos diz que este alto estágio desejado de CIVILIZAÇÃO E PROGRESSO não pode ser alcançado sem que as leis divinas e naturais ditem os rumos e decisões, e isso não se concretizará enquanto a ambição humana não for deposta do pedestal em que foi colocada. Este é um desafio presente e nele reside nossas esperanças futuras.

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