Uma questão com a qual somos confrontados pelos secularistas e liberais, é a da liberdade individual: “Não sou livre para fazer o que eu quiser, desde que não infrinja os direitos dos outros?”
Acho que será muito útil apontar a principal diferença entre o Islã e a ideia liberal secular de liberdade individual.
No sistema secular, os direitos são divididos em dois: direitos do indivíduo e direitos da sociedade. Uma pessoa é livre para fazer o que quiser desde que não infrinja os direitos das outras pessoas. Para se tornar um membro aceitável da sociedade, a pessoa tem que aceitar essa limitação à sua liberdade. A liberdade de um indivíduo é apenas restringida pela liberdade dos outros.
No Islã, por outro lado, os direitos são divididos em três: direitos do indivíduo, direitos da sociedade e direitos de Deus. Uma pessoa é livre para fazer tudo o que gosta, desde que não viole os direitos das outras pessoas e de Deus. Para se tornar muçulmano, a pessoa tem que aceitar essa limitação à sua liberdade.
Uma diferença importante a mais, está no conceito de direito do indivíduo. No costume secular, os direitos do indivíduo são vistos em contraste com os dos outros membros da sociedade. O Islã vai um passo adiante e diz que, mesmo o corpo do indivíduo tem alguns direitos contra a própria pessoa. Em outras palavras, o Islã considera uma pessoa responsável até mesmo pelo uso do seu corpo. Você não tem permissão para abusar do seu próprio corpo ou prejudicá-lo. Allah diz: “Não sigas (ó humano) o que ignoras, porque pelo teu ouvido, pela tua vista, e pelo teu coração, por tudo isto serás responsável!”
Ao descrever o dia do julgamento, Ele diz: “Dia virá em que suas línguas, suas mãos e seus pés testemunharão contra eles, pelo que houverem cometido”. “Neste dia, selaremos as suas bocas; porém, as suas mãos Nos falarão, e os seus pés confessarão tudo quanto tiverem cometido”.
Imam Zain al-Abedin (A.S.), em seu Risalatu ‘l-Huquq , descreve os direitos que a língua, as orelhas, os olhos, pés, mãos, estômago e partes sexuais têm sobre o indivíduo. Se uma pessoa faz uso indevido ou abusivo de seu corpo, então ela é culpada por infringir os direitos de seu próprio corpo e também os direitos de Deus, que confiou a nós nossos corpos.
O Alcorão diz, referindo-se aos crentes: “É certo que prosperarão os crentes, […]. Que observam a castidade, exceto para com os seus cônjuges […]. Mas aqueles que se excederem nisso serão os transgressores”.
No Islã, os direitos de um indivíduo não são limitados apenas pelos direitos da sociedade, mas também por aqueles do seu próprio corpo e de Deus. A justificativa para isso é muito simples: o Islã não permite a uma pessoa prejudicar ou destruir a si mesma; e o pecado, ou a imoralidade, é um meio de perdição. Essa limitação é baseada no amor e preocupação que Deus Misericordioso tem por nós.
“[…] Allah não deseja impor-vos carga alguma; porém, se quer purificar-vos e agraciar-vos, é para que Lhe agradeçais”.
O conceito islâmico de liberdade individual pode parecer restritivo quando comparado ao do sistema secular, mas sua fundamentação e justificativa são aceitas, de forma indireta, até mesmo pela sociedade secular.
A consequência lógica da ideia secular de liberdade individual é que uma pessoa pode fazer o que quiser consigo mesma; sendo a única limitação, não infringir os direitos dos outros. Mas o Ocidente não foi capaz de digerir totalmente essa ideia, como pode ser observado nas leis que impõem restrições a certos atos, por exemplo, suicídio, uso de entorpecentes e o uso obrigatório de cinto de segurança.
Ao usar entorpecentes, o viciado não está infringindo os direitos dos outros, a menos que, é claro, o significado de infringir o direito alheio seja estendido para incluir valores espirituais que não fazem parte do âmbito secular. Entretanto, a sociedade secular justifica a isso afirmando que é seu dever impedir que seus cidadãos prejudiquem a si mesmos. Nesse exemplo, vemos que o sistema secular está se afastando da consequência lógica de sua perspectiva de liberdade individual. A única diferença restante entre a perspectiva secular e a islâmica é que, a primeira dá a si mesma o direito de restringir a sociedade, enquanto a última, dá esse direito a Deus.
Concluindo, podemos dizer que a perspectiva islâmica proíbe não apenas os atos que violem os direitos dos outros, mas também aqueles que violem os direitos do próprio corpo. Essa perspectiva é baseada no amor e preocupação que Allah tem pelos seres humanos.
Por Sayyed Mohammad Rizvi