Jurisprudências Gerais (Temas Selecionados)

Introdução

Em nome de Deus o Clemente o Misericordioso

Os tópicos abordados a seguir se referem aos detalhes e as disposições de Fiqh (jurisprudência) sobre variadas práticas e preceitos ordenados no Alcorão, como também algumas das práticas recomendadas com base na Sunna do Mensageiro de Deus (saas), que tenham sido comunicadas por fontes fidedignas. Busquei reunir uma parte essencial dessas práticas e de alguns regulamentos da Shariah que envolvem aspectos comuns da vida diária do muçulmano.

Como sabemos o Islam estabelece a prática da religião em todos os aspectos de nossa vida e em todas as práticas há uma relação indissociável entre o aspecto oculto (espiritual) e o aspecto aparente (material). De modo que toda prática ou preceito possui esses dois aspectos e um apropriado Adab (maneira apropriada) de ser observado ou um conjunto de recomendações e práticas do Profeta (saas) e dos Imames (as) que estejam a elas relacionadas.

Com isso compreendemos que em toda prática há uma correção espiritual (interna) que envolve a intenção, a devoção e o conhecimento apropriado, que deve ser seguida de uma correção externa (aparente), que tenha sido detalhada no Livro de Deus ou na Sunna autêntica do Mensageiro (saas).

Podemos tomar como exemplo o Sallah (Oração), que é ordenado claramente no Alcorão e que cujos detalhes de sua prática, bem como a correção externa (posição, recitação, etc.) a ser observada foi explicada pelo Profeta (saas).

A partir disso, a jurisprudência explica que a intenção (Nyyah) permanece válida até que o conhecimento correto da prática seja alcançado, se tornando a partir daí compulsória a sua adoção. Ou seja, a intenção correta perde sua correção se com conhecimento do modo a ser observada determinada prática ou preceito a pessoa insista em realizá-la de modo incorreto.

Em todas as práticas (seja dos îbadat) (cultos) ou outras ligadas ao Din a pessoa deve buscar o conhecimento apropriado das jurisprudências relativas e buscar observa-las tanto nos seus aspectos internos como nos externos.

Diz Deus o Poderoso no Alcorão: “E NÃO VOS IMPÔS DIFICULDADE ALGUMA NA RELIGIÃO…” (22: 78)

A evidência do ayat acima é que, ao contrário das muitas crenças forjadas pelo homem no decorrer da história, o Islam se estabelece numa harmônica relação entre a natureza humana e suas potencialidades e fraquezas de modo que suas práticas e preceitos são factíveis e livres de excessos e sacrifícios sobre-humanos.

Em adição a isso a prática do din não se restringe a um aspecto limitado da existência, ao contrário, em todos os aspectos da vida humana há um tributo de Deus (Exaltado Seja) no qual reside a recompensa divina para os sinceros e tementes e um encargo natural para toda criatura humana.

Seguindo o mesmo critério dos trabalhos anteriores, busquei dentro do possível me pautar dentro dos pareceres gerais adotados pelos mujtahidun, evitando posições minoritárias e questões polêmicas que poderiam dificultar o estudo introdutório para o qual esse trabalho se destina.

ÍNDICE

1. A Higiene Corporal

2. Preceitos do Pudor

3. O Abate Islâmico

4. Das Relações Matrimoniais

5. Do Divórcio

6. Preceitos da Sunna quanto ao Nascimento de um filho.

7. Das Relações Comerciais e do Trabalho

8. Preceitos Básicos do Funeral Islâmico e da Herança

Parte 1 – A HIGIENE CORPORAL

A higiene corporal está profundamente relacionada com o próprio conceito de Tahhara (pureza ritual) embora esta última tenha uma abrangência maior do que a limpeza do corpo. O fato é que o estado Táhir requer a correta higiene e portanto a higiene é um importante preceito do Din. Nas fiéis tradições consta que o Mensageiro de Deus (saas) tenha dito: “Purificai-vos por todos os meios possíveis. Em verdade Deus edificou o Islam sobre a pureza e não entrarão no Jannah senão os purificados”. (Kanzul ummal)

Os preceitos da higiene pessoal a serem observados são parte integrante dos Preceitos legados por Sayydna Ibrahim (Abraão) (as), certas orientações fundamentais que Deus revelou a ele, o que o Alcorão menciona: “E QUANDO SEU SENHOR PÔS A PROVA ABRAÃO COM CERTOS PRECEITOS QUE ELE OBSERVOU…” (2: 124)

Os então assim chamados preceitos abraâmicos, se relacionavam aos detalhes básicos do culto monoteísta em diversos aspectos da vida diária e foram legados a seus descendentes, observados por todos os mensageiros e profetas subseqüentes (as), pelo selo da profecia Sayydna Mohammad (saas) e os Imames dos Ahlul Bait (as).

Imam Mussa Ibn Jáfar (as) discorrendo sobre os preceitos da higiene disse: “Existem cinco sunna referentes a cabeça e outras cinco referentes ao corpo. As concernentes à cabeça são: a escovação dos dentes, o aparar os bigodes, o pentear os cabelos, o lavar a boca e as narinas. As concernentes ao corpo são: a circuncisão, o aparar os pelos púbicos, o depilar as axilas, o aparar as unhas e o istinjás (purificar com água as partes íntimas).”

* A prática da circuncisão do prepúcio é ressaltada por Imam Ali (as) como uma obrigação para o homem muçulmano seja ele jovem ou velho (no caso de conversão). Desde que o muçulmano tenha condições para cumprir este Sunna ele não deve negligenciá-lo.

* O costume ocidental de barbear-se inteiramente é considerado por muitos jurisprudentes como Makrúh (desagradável) pois a barba é uma característica natural e distintiva do sexo masculino. O barbear-se completamente só é aceitável no caso de uma doença de pele que exija isso. O mais correto é o manter a barba, zelando por sua limpeza e aparando os bigodes regularmente.

* O cuidado com as unhas requer maior atenção, pois como sabemos unhas compridas e sujas comprometem a saúde. O mesmo se dá com o Istinjás (purificação dos genitais e das vias excretoras) que deve ser realizado após cada micção e evacuação e após as relações sexuais.

O aparo dos pelos púbicos e a depilação das axilas é tradicionalmente feito num período regular de quarenta dias.

Parte 2 – PRECEITOS DO PUDOR

Deus (Exaltado Seja) nos ordena o respeito e o comportamento digno pública ou privativamente e o exemplo do Mensageiro (saas) é a melhor orientação nesse sentido para os tementes. Nessa questão se encontram os preceitos do pudor e o correto comportamento privado. Os preceitos básicos nesta matéria são:

É compulsório para o muçulmano(a) manter o awra ( partes privadas) oculto da visão das pessoas.

É haram (proibido) manter-se desnudo em direção a Qiblah Sagrada (de frente ou de costas) como também é haram conscientemente manter os pés esticados nesta direção.

É makruh (detestável) urinar ou defecar em direção ao sol, a lua ou a aurora (em seu rompimento) pois estes são sinais do Poder de Deus .

É makruh sentar-se nas ruas e nos caminhos de modo ocioso.

O mais correto é sempre satisfazer as necessidades fisiológicas no banheiro ou num lugar reservado (nunca em público) sempre afastado da visão das pessoas.

É makruh falar, comer ou beber enquanto se urina ou se evacua a menos que seja absolutamente necessário fazê-lo.

É recomendado urinar sempre que se disponha a cumprir o Sallah, antes de se recolher para dormir, após as relações sexuais ou ejaculação.

Realizar sempre o Istinjás e ter o máximo de cuidado para manter as vestes livres de Najjásah.

Parte 3 – O ABATE ISLÂMICO

Dabh (sacrifício ritual) é o modo ordenado para o abate dos animais lícitos (puros) (o gado, os ovinos, caprinos, camelídeos, aves) seja para o consumo apenas ou em cumprimento de algum sacrifício relacionado aos Eids. As regras básicas do modo correto de abate islâmico são:

O animal a ser abatido em qualquer dos casos deve ser saudável.

No caso específico de um sacrifício (qurbani) de Eid Al Adha ou pelo nascimento de uma criança (Aqiqa) o animal deve ser sem defeito .

Deve-se alimentar e dar água ao animal, todo tipo de maltrato deve ser evitado.

O objeto a ser utilizado no abate deve estar previamente afiado de modo que se tenha certeza que o corte será executado corretamente.

O animal deve estar direcionado a quiblah

O abatedor então profere o Takbir “BISMILLAHI ALLAHU AKBAR” e então secciona com um único golpe a jugular e a traquéia ao mesmo tempo para que o fluxo sanguíneo saia completamente.

No caso de caça em que se utiliza animais treinados para tal, o caçador deve pronunciar o Takbir no momento em que solta o predador sobre o animal a ser caçado.

Evidencia o Alcorão: “FORAM PERMITIDAS A VÓS TODAS AS COISAS SADIAS, BEM COMO TUDO O QUE AS AVES DE RAPINA E OS CÃES POR VÓS ADESTRADOS, CONFORME O QUE DEUS ENSINOU, CAÇAREM PARA VÓS. COMEI DO QUE TIVEREM APANHADO PARA VÓS E INVOCAI SOBRE ISSO O NOME DE DEUS ….”(5: 4)

Os jurisprudentes têm diferentes opiniões sobre se o abatedor deva ser um muçulmano ou se é lícito e permissível que seja um dos povos do Livro (cristão ou judeu). A questão se torna polêmica porque apesar de que tenha sido prescrito um dabh na Torah o qual os judeus ainda praticam, no caso dos cristãos este preceito foi praticamente abandonado. A evidência do ayat:

“…ASSIM COMO VOS É LÍCITO O ALIMENTO DOS QUE RECEBERAM O LIVRO…”

É uma específica referência a prévia condição de que o Dabh tenha sido observado e que o nome de Deus tenha sido invocado no momento do abate. Do contrário, não pode ser considerado lícito.

Alguns jurisprudentes aceitam que desde que se tenha certeza que o animal tenha sido abatido corretamente e que o nome de Deus tenha sido proferido no ato, seria lícito seu consumo mesmo que tenha sido realizado por um Judeu ou cristão. Outros, porém, entendem que a condição de muçulmano do abatedor faz parte do que é exigido para a correção do abate.

A destinação do Qurbani (abate ritual consagrado a Deus)

O qurbani, seja relativo ao Eid, pelo nascimento de uma criança ou voluntário deve ser destinado (ao menos parte substancial dele) aos necessitados e aos pobres dentre os muçulmanos preferivelmente.

Parte 4 – DAS RELAÇÕES MATRIMONIAIS

O casamento é uma disposição divina e uma benção para o homem e a mulher. Diz Deus, Exaltado Seja, no Alcorão:

“Ó HUMANOS, TEMEI A VOSSO SENHOR, QUE VOS CRIOU DE UM SÓ SER E DO QUAL CRIOU SUA COMPANHEIRA E DE AMBAS FEZ DESCENDER INÚMEROS HOMENS E MULHERES…” (S. 4 V. 1)

O contrato matrimonial é um dispositivo apropriado para assegurar a correção e o estabelecimento dos direitos e deveres entre os cônjuges. De fato a união pelo casamento representa um importante aspecto de nossa vida. O Islam não dá reconhecimento a nenhum modo de celibato porque tal costume é contrário a natureza do homem e da mulher pela sua própria constituição emocional e física.

A respeito desse ponto evidencia o Alcorão: “…POIS ELAS SÃO VOSSAS VESTIMENTAS E VÓS SOIS AS DELAS…” (2: 187)

As palavras sagradas expõem num exemplo figurado bastante impressivo a natureza dessa ligação entre o homem e a mulher, na qual são um para o outro apoio, conforto e aprazimento mútuo. De modo oposto a outras formas de crença que consideram a união do homem e da mulher algo inapropriado e até mesmo contrário a devoção religiosa, o Islam não só afirma que esta união é absolutamente desejável como a considera um fator de “aprimoramento da religiosidade.”

Nas tradições fiéis consta que o Mensageiro de Deus (saaw) tenha dito: “A pessoa que casa garante metade de sua religião, então ela deve temer a Deus para manter a outra parte.”

E que tenha dito também: “Proibi a vida em celibato e proibi as mulheres de viverem em castidade permanecendo solteiras.”

Portanto a união matrimonial é efetiva tanto para a realização emocional do homem e da mulher, quanto para o aperfeiçoamento da religião na medida que regula e atende licitamente as necessidades naturais, evitando a promiscuidade sexual e todas as suas conseqüências.

No aspecto da realização emocional reside uma graça de Deus a ser reconhecida pelos humanos, ou seja, há um objetivo claro imprimido na natureza do homem e da mulher para que estabeleçam o vínculo do casamento, assim evidencia o Alcorão: “ENTRE OS SEUS SINAIS ESTÁ O DE HAVER VOS CRIADO COMPANHEIRAS DE VOSSA MESMA ESPÉCIE PARA QUE COM ELAS CONVIVAIS, E COLOCOU AMOR E PIEDADE ENTRE VÓS. POR CERTO QUE NISTO HÁ SINAIS PARA OS SENSATOS.” (30: 21)

A ética do Islam nos apresenta critérios apropriados que devem ser considerados na escolha de uma esposa e na escolha de um esposo por parte de nossas irmãs muçulmanas. De maneira que o Islam nos orienta a uma equilibrada análise por estes critérios, equilíbrio entre os sentimentos e a razão a fim de esta escolha seja acertada em busca do bem-estar e não fonte de decepções futuras. Dentre as principais recomendações na escolha de uma esposa encontram-se estes critérios prioritários:

O primeiro e primordial em importância desses critérios (o qual é idêntico na escolha de um esposo por parte de uma muçulmana) é a Fé (aderência ao Islam) e que possua um modo de vida islâmico, um bom caráter que possa ser considerada como uma fiel parceira na formação de uma família islâmica. Nas tradições consta que o Profeta (saaw) tenha dito: “…Escolhei as melhores mães para teus filhos.” Assim, o que é precedente na escolha é a formação educacional e moral dessa pessoa, valores que são completos e assegurados pela sua aderência ao Islam.

Esse critério aponta para uma total isenção dos critérios costumeiros das sociedades pagãs onde a regra dominante está relacionada a interesses tribais, de clãs e classes sociais. Critérios que exigem uma posição discriminatória baseada no status social e nas diferenças raciais. O Islam denuncia essas discriminações como costumes da ignorância e é narrado que o Mensageiro de Deus (saas) tenha dito: “Os crentes são iguais entre si.”

Ainda na tradição se encontra um relato a respeito de Imam Sajjad (as) que escolheu uma mulher para se casar. Um amigo dele ouviu as pessoas comentando que essa mulher não pertencia a uma família proeminente. Porém, quando soube que ela pertencia a uma respeitável família de Bani Shaibah, foi até o Imam (as) e lhe disse: “Eu fiquei infeliz ao saber que tinhas casado com uma mulher de origem comum. As pessoas diziam isso. Porém eu descobri depois que ela pertencia a Bani Shaibah”. O Imam (as) lhe respondeu: “Eu tinha a impressão que tu eras a pessoa mais inteligente que já tinha conhecido. Não sabes que o Islam veio para elevar as classes mais baixas da sociedade e para remover todas as iniqüidades? Agora nenhum muçulmano é inferior ou de classe baixa.”

Em contrapartida, há uma enfática recomendação nas tradições Fiéis para que tais critérios injustos e discriminadores sejam abandonados e que a fé e a formação moral sejam considerados como fatores decisivos na escolha. Numa narrativa consta que o Mensageiro de Deus (saaw) tenha dito: “Quando alguém lhe propor casamento e tu o aprovares, em seus modos e sua religião, então une-te a ele em casamento se não o fizerdes causarás o erro e grande corrupção na terra.”

A afinidade emocional pode ser considerada como um fator relevante (embora não como os anteriores) tanto quanto o agrado com as feições da pessoa. Um certo grau de compatibilidade se faz necessário. Muito embora diferenças culturais e diferentes inclinações possam parecer à primeira vista possíveis entraves para o bem estar no casamento, o Islam nos orienta a considerarmos certos princípios de respeito que se cultivados e mantidos zelam para um crescente fortalecimento da união e aprimoramento dos sentimentos que unem o casal.

O que é indesejável na escolha é que se adote um critério superficial baseado unicamente no agrado e na atração física. Esse critério coloca a escolha numa perigosa posição de cegueira diante dos verdadeiros fatores que devem pautar a escolha. Um homem ou uma mulher que adote a isto como critério está a incorrer no risco de uma má escolha que poderá levá-lo a um sem número de frustrações e decepções. Consta que o Profeta (saaw) tenha dito: “Aquele que se casa com uma mulher apenas por sua beleza, Deus designa isto como (fonte de) aflição sobre ele.”

Portanto mesmo a compatibilidade emocional precede o mero agrado físico e a fé e a moral da pessoa tem um peso ainda maior numa escolha corretamente islâmica.

A competência financeira do pretendente (homem) há de ser considerada nos casos em que a mulher estará sob seu encargo natural (do homem) de manutenção material. Via de regra como sabemos, é uma obrigação do homem de prover os recursos materiais para a mulher e os filhos. Evidentemente, no mundo atual em que os costumes tradicionais tem sido substituídos não somente por fatores errôneos mas também por novas circunstâncias e exigências próprias da vida moderna nem sempre esta regra se torna aplicável. Em todo caso deve ser considerado que uma mínima e digna condição material seja garantida para a família que se formará. Num casamento em caráter permanente a competência financeira do homem se impõe como um pré-requisito. Contudo tal como os critérios anteriores (compatibilidade e agrado físico) este também não deve ser decisivo na escolha pois o casamento não é um investimento financeiro nem para o homem nem para a mulher. Se as pessoas tratarem essa questão com semelhante leviandade decerto que se confrontarão com decepções e frustrações.

O Islam nos ensina que a correção da intenção é uma condição prévia para que se alcance benefícios espirituais, um casamento em que se possa alcançar bem estar e felicidade dificilmente encontrará a realização dessas expectativas se os critérios da escolha tenham sido pecuniárias.

A esse respeito encontramos nas tradições o dizer do Profeta (saaw): Aquele que casa com uma mulher apenas por sua beleza ele não encontrará o que ama e aquele que casa com uma mulher apenas por sua riqueza, Deus o deixará com a riqueza apenas. Portanto procure por uma esposa religiosa.”

A aplicação correta desses critérios visam uma escolha que não seja dirigida nem pelas emoções e aparências, nem pela pressão familiar.

O FATOR FAMILIAR NO PROCESSO DE ESCOLHA

Como o laço matrimonial estabelece um elo social entre duas famílias o fator familiar não deve ser totalmente desconsiderado. O Islam exalta a reverência aos pais como um honrado valor em nossa vida. No caso do casamento entre jovens (especialmente no caso em que a moça seja dependente dos pais, adolescente ou donzela) um grande número de juristas sustenta que o consentimento dos pais é uma condição essencial para o casamento. Entretanto, é pertinente a jurisprudência (num país islâmico) decidir sobre possíveis desentendimentos e excessos que possam ser cometidos no exercício da autoridade paterna e familiar.

A regra principal nesta questão é que “NÃO HÁ CASAMENTO IMPOSTO NO ISLAM” ou seja ninguém pode ser forçado a casar com quem quer que seja, a propósito, em distintas ocasiões em que os Imames (as) foram inquiridos sobre a escolha de um esposo ou esposa, eles enfaticamente declararam que a principal condição para a validade de um matrimônio é o livre consentimento de ambas as partes. Um pai muçulmano também deve adotar a escala de critérios islâmicos em que a Fé e a moral do pretendente devem preceder tudo o mais. Consta nas tradições fiéis que Imam Al Hassan (as) aconselhou a um homem: “Dê vossa filha em casamento para alguém que tema a Deus, o Poderoso, o Majestoso, porque ele a amará e a respeitará e se ele se irritar com ela não a oprimirá.”

Do mesmo modo encontramos nas tradições citações que demonstram forte desaprovação ao pai que se opusesse a um casamento quando o pretendente fosse dotado de Fé e boas maneiras. De fato, seja um consentimento ou uma oposição por parte familiar com base em critérios não-islâmicos de um modo ou de outro pode gerar males e sofrimentos nos quais a filha ou o filho serão os principais lesados.

OS LIMITES ESTIPULADOS

Deus, Exaltado Seja, estabeleceu limites para o matrimônio em razão de vínculos pré-existentes. Portanto os Mahram (aqueles com quem não é permitido ao muçulmano o casamento) se dividem em 3 categorias: Aqueles cujo vínculo é consangüíneo (citados no Alcorão) – (mães – filhas – irmãs – tias – sobrinhas). Aqueles cujo vínculo seja adquirido durante a criação – (amas de leite – irmãs de leite – irmãs adotivas – madrastas) Aqueles cujo vínculo seja adquirido indiretamente – (sogras – enteadas – filhas de mulheres de anterior coabitação – noras – esposas de filhos carnais) Ainda é proibido o casamento com duas irmãs, ou com uma tia e uma sobrinha. Qualquer união que se enquadre nestes casos é nula.

OUTRAS UNIÕES VEDADAS

É vedado ao muçulmano contrair matrimônio com idólatras. São compreendidos como idólatras todas as formas de crença ou práticas não-monoteístas (tanto as que professam a adoração a falsas e múltiplas divinas como as que pregam a inexistência de um Deus separado da existência e da criação, ou o ateísmo). Também é vedado o casamento com os apóstatas, ou seja, os que declaradamente tenham abandonado o Islam.

Por último, há a proibição unilateral às mulheres muçulmanas de casarem-se com não-muçulmanos em geral. Tal proibição se apóia na evidência histórica dos primeiros dias do Islam. Em que não só as uniões de mulheres muçulmanas com não-muçulmanos eram vedadas como também no caso de conversão ao Islam de uma mulher casada tal união era dissolvida se o marido não abraçasse o Islam.

No período inicial em Medina quando os muçulmanos sofriam a perseguição dos idólatras de Makka, ocorria que mulheres convertidas ao Islam fugiam para Medina e eram então mantidas sob a proteção da comunidade islâmica, assim evidencia o ayat: “…NÃO AS DEVOLVEIS AOS INCRÉDULOS, PORQUANTO ELAS NÃO LHES CABEM POR DIREITO, NEM ELES A ELAS, PORÉM, RESTITUÍ O QUE ELES GASTARAM (COM SEUS DOTES)…” (60: 10)

A compreensão disso se torna clara se considerarmos a possível opressão que pode ser exercida por um marido sobre uma esposa que tenha costumes e crenças com as quais ele não aceite; embora a razão central dessa proibição seja a Disposição divina sobre a questão. Da mesma maneira, no caso da conversão de uma mulher casada a jurisprudência aceita que, desde que o esposo não aceite o Islam, este casamento se torna nulo. Em todos os casos acima a união matrimonial é proibida e nula, o que se configura em Zina (fornicação).

Da Permissibilidade do Casamento de um Muçulmano com Mulheres do Povo do Livro

Diz o Livro de Deus: “…ESTÁ PERMITIDO A VÓS CASARDES COM AS CASTAS DENTRE AS FIÉIS E COM AS CASTAS DENTRE AQUELES QUE RECEBERAM O LIVRO ANTES DE VÓS, CONTANTO QUE AS DOTEIS E PASSEIS A VIVER COM ELAS LÍCITAMENTE.” (5: 5)

Deixando claro a licitude da união entre um homem muçulmano e uma mulher dos povos do livro (cristãos, judeus ou zoroastristas). Entretanto o entendimento correto dessa permissão deve ser cuidadosamente analisado. Em primeiro lugar, a mulher pretendida deve ser monoteísta e praticante dos preceitos do Livro ao qual professa sua crença. Se uma pessoa se diz adepta do cristianismo e possui uma crença contrária aos fundamentos da fé cristã ou devota-se a práticas ou costumes pagãos ela não pode ser considerada cristã. Isso torna duvidosa a aplicação dessa permissibilidade nos países chamados cristãos onde o estilo de vida nada tem em comum com a religiosidade da tradição cristã.

Ademais, nos parece muito apropriado o parecer do Imam Khomeini (R.A.) sobre a questão em que ele desaprovava o casamento de muçulmanos com não-muçulmanas em países em que a comunidade muçulmana fosse minoritária. Em tal circunstância estas uniões constituiriam (segundo ele) um fator de enfraquecimento da comunidade muçulmana e de sua identidade. Ao mesmo tempo surgiria uma outra situação igualmente indesejável e injusta que seria a possibilidade de que mulheres muçulmanas fossem preteridas e com isso expostas a uma possível corrupção (Vendo-se preteridas por cristãs a essas poderia restar as uniões ilícitas).

A evidencia do ayat: “…COM AS CASTAS DENTRE AQUELES QUE RECEBERAM OS POVOS DO LIVRO…”

Aponta para a exigência dos mesmos critérios de escolha baseados na formação moral da pretendida. Em qualquer caso mulheres de vida e costumes promíscuos não devem ser tomadas como esposas. Resta ao muçulmano de bom senso a recomendação de que se há um sincero interesse em casar-se com uma não-muçulmana que não apresse essa união, ao menos se empenhe para que ela venha a aceitar o Islam antes de uma possível união. No caso de uma união nesses termos é preciso que se faça claro que a criação dos filhos será dentro dos costumes e da crença islâmica. Bem como que todos os direitos do marido serão respeitados segundo o que o Islam determina. O que é absolutamente fora de questão é que um muçulmano se case com uma não-muçulmana que se oponha virtualmente ao Islam, que professe crenças que combatam o Islam e caluniem o Profeta (saaw), ou mesmo manter um casamento anterior a sua conversão em que a esposa não apenas não aceite o Islam mas também se recuse a criar os filhos na crença e nos costumes islâmicos. Especialmente se os seus costumes sejam costumes corrompidos que venham a destruir a formação educacional dos filhos. Portanto a cogitação de um casamento com uma não-muçulmana (dentre os povos do livro) deve ser cuidadosamente analisada embora em princípio seja lícita.

CONDIÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A UNIÃO MATRIMONIAL

Sendo o casamento um contrato sagrado é ao mesmo tempo algo como uma sociedade entre duas pessoas, requer:

O consentimento consciente de ambos a essa união.

Plena ciência dos deveres e direitos ligados a esta união, bem como (no caso de um contrato) de todas as cláusulas constantes.

Que haja aptidão por parte de ambos para cumprir suas obrigações de um para com o outro.

O dote estabelecido é uma condição para o casamento, sobre isso evidencia o Livro de Deus: “CONCEDEI OS DOTES QUE PERTENCEM AS MULHERES…” (4: 4)

E ainda:

“…DOTAI CONVENIENTEMENTE AQUELAS COM QUE CASARDES, PORQUE É UM DEVER …” (4: 24)

Portanto o dote é um dever do homem e um direito da mulher. O caráter do dote islâmico contudo, difere sobremaneira do caráter do dote nupcial nas sociedades pré-islâmicas onde o dote representava uma negociação entre famílias, ou um modo de garantir segurança financeira para a esposa. (Ainda que este costume da era da ignorância permaneça em várias partes do mundo islâmico).

Na realidade, em nenhuma passagem da Sunna do profeta (saaw) se encontra sustentação para a prática do dote como uma negociação entre famílias ou uma garantia financeira para a esposa. O Profeta (saaw) jamais celebrou um casamento sem a estipulação do dote e muitas vezes este dote foi meramente representativo.

Nos primeiros tempos do Islam a prática era o homem dar como dote, em dinheiro ou espécie, dentro daquilo que dispusesse em recursos. Assim, não se pode afirmar que o Islam tenha instituído o dote com o fito de garantir segurança financeira a esposa. O Alcorão diz “WA ATÚ N’NISA’A SADUQATIHINNA NIHLATAN – (CONCEDEI O DOTE DAS MULHERES COMO OFERTA ESPONTÂNEA” ( 4:4)

Ou seja, o dote pertence às mulheres (não a seus pais ou irmãos), e é uma dádiva, um presente do homem para a mulher. O dote neste ayat é referido como saduqah, um sinal de lealdade e seriedade do afeto do homem. A palavra hunna especifica que pertence a elas (mulheres) e não aos pais ou irmãos como um pagamento por a terem criado e alimentado. A palavra nihlatan (voluntariamente) torna perfeitamente claro que o dote não tem outro propósito senão o de ser uma oferta, um presente ou uma dádiva. A prova prática desse caráter e a conseqüente negação de um suposto meio de garantir segurança financeira a esposa é a própria Sirah (biografia) do profeta (saaw) que concedeu sua própria filha, Sayydatuna Fátima Az Zahrah (as) ao Imam Ali (as) em casamento estabelecido por um dote representativo (um presente) no valor de 30 dirhams.

Uma outra narrativa aceita unanimemente afirma que o Profeta (saaw) celebrou um casamento de um homem pobre (que nada possuía em dinheiro ou bens para oferecer como dote) sob o compromisso deste de ensinar o que sabia do Alcorão a sua esposa (sendo que este foi o seu dote).

Não obstante, o direito da mulher de exigir e especificar o seu dote é indiscutível. A pretendida deve ter o bom senso de exigir o dote dentro das possibilidades do homem, se ela assim o fizer estará sendo justa e tendo uma conduta irrepreensível dentro dos seus direitos.

Um outro aspecto a ser destacado desse verdadeiro caráter do Dote islâmico é que desde que este é um presente, um elo representativo do compromisso e do apreço do homem para com a mulher e não um negócio que torne possível um jogo de interesses entre as partes, a intenção da união não se confunde com os costumes pré-islâmicos que dariam a mulher muçulmana a indigna condição de caçadora de dotes ou que a exporia a ser manipulada por interesses familiares neste sentido. Infelizmente, na prática, verificamos que muitos destes costumes pagãos ainda permanecem entre os muçulmanos e muitas uniões se estabelecem dentro de interesses outros que não a pureza de sentimentos.

Da liberdade de compromisso

Outra condição essencial para o casamento é a liberdade de compromisso. A pretendida não deve estar cumprindo Iddah (período obrigatório de isenção de união em virtude de viuvez ou divórcio).

O homem não pode mesmo propor casamento a uma mulher em seu período de Iddah. Havendo o interesse ele deve se informar e aguardar o final deste Iddah e só então formular sua proposta de casamento.

No caso de uma mulher ter recebido uma proposta formal de casamento e que tenha aceitado (ou que ainda não tenha respondido), torna-se proibido para outro homem propor casamento a ela, (mesmo que isso seja por uma leve insinuação). Se um casamento for celebrado no período de Iddah de uma mulher ele será nulo.

Existem dois tipos de Iddah (período em que o casamento está interdito):

1) O Iddah pós-divórcio – com a duração de três menstruações regulares, se ela não estiver grávida. No caso de se encontrar grávida, o iddah termina após o parto.

2) O Iddah da viúvez – com a duração de quatro meses e dez dias, contados a partir do falecimento de seu marido. No caso de estar grávida, a mulher deve aguardar o parto.

Da celebração do casamento e a recomendação p/ o seu aprestamento

Em várias tradições fiéis ressalta-se a importância do casamento como algo a ser realizado sem adiamento, assim que se esteja apto para tal. Consta que o Mensageiro de Deus (saas) tenha dito: “Ó jovens, aquele dentre vós que esteja capacitado para se casar que o faça, porque isso previne os olhares e protege vossa castidade.”

O Islam não recomenda que o casamento, desde que todos os requisitos básicos estejam em acordo, seja adiado, e recomenda menos ainda que os jovens prolonguem seu período de solteiros. Na verdade, esse costume estranho ao Islam é um fator que leva a corrupção e ao erro. O Mensageiro de Deus (saas) disse: “Em verdade, donzelas são como frutos de uma árvore, quando esses frutos amadurecem e não são colhidos, o sol os arruína e o vento os espalha. Donzelas estão na mesma situação. Quando eles percebem o que uma mulher percebe, não há nenhum remédio senão um marido. Se elas não forem dadas em casamento não estarão seguras da corrupção, porque são criaturas humanas”.

Desde que o Islam não aprova costumes como o período de namoro ou longos períodos de noivado, o casamento é um dos assuntos que merecem ser aprestados sobremaneira. Isso responde a uma característica da natureza do homem e da mulher, especialmente na adolescência em que esta natureza canaliza as energias para o centro sexual.

O estabelecimento e cláusulas do Casamento

O fiqh Jafari (xiah) compreende como perfeitamente lícitas duas modalidades de Regime de Matrimônio: o Casamento em caráter permanente e o Casamento temporário (com prazo pré-fixado de vigência).

Por princípio, o Islam tende a que o laço matrimonial se estabeleça de modo estável e sólido, qualquer que seja a modalidade de contrato de casamento. Entretanto, a existência de dois regimes de casamento se explica pela resposta prática as circunstâncias da vida humana.

O casamento em caráter permanente tem como requisito básico o dever por parte do homem de provir de recursos e manter a esposa e os filhos que surgirão desta união. Este dever incondicional inclui despesas diárias, vestuário, renda familiar e outras necessidades da vida diária tal como medicamentos e tratamento médico.

Por outro lado, o casamento em caráter temporário se baseia nas circunstâncias em que falta disponibilidade de meios para ambas as partes, ou uma delas, de se casar em regime permanente.

Logo, nesta e em outras circunstâncias especiais o casamento temporário se faz necessário sendo uma alternativa prática e lícita. Cabe ressaltar, que com pequenas diferenças essa modalidade de casamento mantém o essencial dos direitos e deveres entre os cônjuges.

As diferenças fundamentais se referem a isenção possível do homem de seu dever quanto a providência de recursos. Ou seja, as partes estabelecem por contrato diferentes cláusulas nesse sentido. No caso do casamento permanente nenhuma das partes (sem o consentimento da outra) tem o direito de se coibir de ter filhos ou praticar o controle de natalidade, mas num casamento temporário o consentimento do outro não é necessário. No caso de uma separação o Iddah a ser observado pela mulher num casamento permanente é de 3 períodos menstruais e de apenas 2 períodos num casamento temporário.

Ademais, as mesmas cláusulas vigentes num casamento permanente também o são num casamento de prazo fixo.

As cláusulas relativas a direitos e deveres dos cônjuges

A Jurisprudência islâmica sobre os direitos e deveres do homem e da mulher no casamento envolve diversos aspectos aplicáveis, destacamos apenas os pontos essenciais a seguir.

São deveres do homem:

Conceder o dote

Prover o sustento de sua esposa (alimentação, vestuário, tratamento médico, etc) na medida de suas posses

Manter relações sexuais com sua esposa com regularidade e conduta delicada (com carinho e atenção as necessidades da esposa).

Protegê-la, salvaguardando sua integridade física e moral. Não a expondo a condições indignas e que aviltem sua natureza e individualidade.

Em conexão com estas obrigações, se encontram os seguintes itens:

O muçulmano deve buscar estabelecer um relacionamento justo, carinhoso, respeitoso e humano para com sua esposa, isento de opressão ou abuso de suas prerrogativas.

Deve respeitar seus períodos especiais.

Zelar pela privacidade do casal (jamais tornando público o que é confidencial da vida em comum).

Zelar pelos bens ligados aos direitos de sua esposa e filhos (não ser perdulário ou negligente sobre isso).

Criar os filhos com uma correta formação e costumes islâmicos.

São deveres da mulher:

Obedecer seu marido em todas as questões que envolvam a sua prerrogativa de chefe da família.

Zelar pela honra de seu marido em sua presença e em sua ausência

Não se negar a manter relações sexuais com ele

Zelar pelos seus bens e recursos, sem desperdiçá-los de nenhum modo.

Não permitir que entre em sua casa alguém que ele não queira.

Criar os filhos com uma correta moral, ética e costumes islâmicos no lar.

Os principais direitos do homem e da mulher já se apresentam nos dois quadros acima (direitos cumpridos de um para com o outro), apenas se faz necessário acrescentar que o homem detém o direito a formulação do divórcio e à mulher cabe o direito de fixar o dote e total independência quanto a propriedade e possíveis recursos financeiros que possua e venha a possuir. Sendo também um direito de ambos herdarem um do outro. É prerrogativa do homem permitir ou não que sua esposa viaje.

O Ato do matrimônio é selado com ambas as partes verbalizando sua vontade e consentimento com uma fórmula simples.

A ÉTICA ISLÂMICA COMO UMA DIRETRIZ DO RELACIONAMENTO

A ética islâmica requer do casal a busca do relacionamento respeitoso, carinhoso e baseado em compreensão mútua. Ambos têm uma compulsória obrigação moral e religiosa de resolverem possíveis desentendimentos da melhor forma, sem recorrerem a ofensas, baixezas e agressões. Quando dizemos que ambos devem honrar um ao outro, dizemos que entre outras coisas não é aceitável que difamem-se mutuamente perante as pessoas e nem se aprazam em irritar um ao outro por qualquer motivo. Desde que cumpram seus deveres fundamentais, qualquer outra razão de discordância deve ser resolvida com a busca do entendimento e a tolerância. Ambos devem considerar seriamente o compromisso assumido perante Deus.

Ayyatullah Murtada Motahhari (RA) escreveu: “A paz e a amizade na vida conjugal é semelhante à paz que deve existir entre pais e filhos; que significa um tratamento generoso, abnegação, preocupação com o futuro um do outro, derrubar a fronteira da dualidade, considerar a felicidade do outro como sendo a sua própria felicidade e as desgraças do outro como as suas próprias”.

Da parte do homem, este deve ter bem claro em mente a natureza do laço que o une a sua esposa. Sobre isso Imam Jáfar As sádiq (as) disse que sempre que um homem deseja casar-se com uma mulher deve dizer: “Confirmo a promessa que de mim Deus recebeu, de que conservarei a mulher com honra ou a libertarei com generosidade.”

O homem detém esse encargo perante Deus de zelar pelo bem estar de sua esposa do modo mais honrado que possa.

Da parte da mulher, esta deve buscar o aprazimento de Deus pela obediência e o bom trato a seu esposo. Nas fiéis tradições encontramos afirmações sobre essas ações, como Imam Já’far (as) que comunicou numa corrente que remonta o Profeta (saas) que: “A mulher que passa uma noite com seu marido justamente irado com ela, sua prece não é aceita até que o apraza devidamente.”

E consta que o Profeta (saaw) tenha dito: “O jihad de uma mulher é o esforço para aprazer seu marido e o direito deste sobre ela é precedente sobre os direitos de outras pessoas sobre ela.”

UMA QUESTÃO RELEVANTE SOBRE O CASAMENTO TEMPORÁRIO

O casamento temporário desperta duas posições contrárias entre si, porém, igualmente equivocadas. De um lado estão os que se opõem a ele sob a incorreta alegação de sua atual ilicitude, do outro, os que depõem contra o Islam e a moral islâmica sob o pretexto do “direito” incorrendo em abusos.

Quanto aos primeiros, o argumento peremptório é que o casamento temporário é a única alternativa islâmica para as circunstâncias em que é aplicável, desde que nelas resta ao homem e a mulher ou o ascetismo ou o abismo da promiscuidade sexual.

O ascetismo, que é indesejável e contrário a natureza, pouquíssimas pessoas teriam capacidade de o manterem, a promiscuidade por sua vez conduz a perdição nesta e na vida futura.

O Islam não trata de idealizações e subjetivismos, muito ao contrário, trata de situações objetivas e reais e aponta o caminho correto, uma resposta concreta para que os problemas humanos sejam resolvidos segundo os limites estabelecidos por Deus. Desejar que homens e mulheres saudáveis não obstante incapacitados de cumprirem as exigências de um casamento permanente se mantenham castos suportando longos períodos de abstinência é ir longe demais com uma visão irrealista da natureza e da vida humana.

A preciosa sentença de Imam Ali (as) resume o resultado prático de tal opinião: “SE OMAR KHATTAB NÃO TIVESSE PROIBIDO O MUTA’H, NINGUÉM COMETERIA A FORNICAÇÃO, A NÃO SER OS QUE TIVESSEM UMA NATUREZA PERVERTIDA.”

Desse modo, imputando fardos sobre as costas de outros, condena-se muitos ao comportamento vicioso e hipócrita que os arrasta a promiscuidade oculta aos olhos dos homens.

É inquestionável que a permissão legal do Mutah foi providenciada pela Shariah “Para os que carecem de uma esposa, isto é, os solteiros que não contam com meios para um casamento permanente e aqueles que se ausentam por motivos justificáveis , estando impossibilitados de estar com suas esposas.”

A impossibilidade financeira para um casamento permanente, a permanência numa terra estranha no empenho do Jihad ou no trato de algo lícito, sem que se possa retornar (mesmo por não ter recursos para isso), são as justificativas para o casamento muta’h.

Quanto ao segundo grupo, dos que sob o pretexto de um direito legal, adotam um comportamento leviano se entregando ao abuso o que temos a dizer é que o Islam considera como inimigos de Deus o homem ou a mulher que buscam o casamento ou o divórcio com o objetivo único de um prazer temporário (gratificação sexual), disse o Mensageiro de Deus (saas): “Deus considera seu inimigo e condena o homem que gosta de mudar de mulher, uma após outra, assim como a mulher que gosta de mudar de marido, um após o outro.”

Assim, o abuso de algo lícito é condenado por Deus. No caso do Muta’h, se o homem ou a mulher o estabelecem com a única intenção de gratificação sexual estão sem dúvida abusando de algo tornado lícito. Ainda que quanto ao Fiqh estejam no âmbito da licitude, sua intenção é má e impura. No caso de uma prática assim, se tornar aceita e normal numa comunidade, abrindo a possibilidade para um grande número de relações temporárias e levianas entre os homens e as mulheres, estará comentendo um abuso evidente de algo lícito. Estará se assemelhando a tribo de Israel, para a qual Deus, Exaltado Seja diz no Alcorão: “DESFRUTAI DE TODO LÍCITO COM QUE VOS AGRACIAMOS, MAS NÃO ABUSEIS DISSO, PORQUE A MINHA ABOMINAÇÃO RECAIRÁ SOBRE VÓS, AQUELE SOBRE QUEM RECAIR MINHA ABOMINAÇÃO, ESTARÁ VERDADEIRAMENTE PERDIDO”. (20:81)

Ayyatullah Murtada Motahhari (R.A.) comenta: “Um dos princípios certos e aceitos do Islam é a luta contra a promiscuidade. O nobre Alcorão colocou a promiscuidade a par com a idolatria. Segundo o Islam, um homem que tenha um desejo imoderado por mulheres, isto é, um homem que tenha aspiração de possuir toda espécie de mulheres e de ter experiências com elas, é considerado um homem maldito e condenado por Deus”.

Nos parece evidente que assim como os que recorrem ao divórcio por motivos injustos ou os que recorrem ao mutah com uma intenção impura sob o pretexto do direito legal em nada se diferenciam dos libertinos e promíscuos e promovem um grande mal na comunidade muçulmana.

Parte 5 – DO DIVÓRCIO

O direito ao divórcio é garantido no Islam como uma circunstância excepcional, na qual o prosseguimento da união matrimonial por alguma razão plenamente justificável não seja possível. O Islam o permite nessas circunstâncias, ainda que o desaprove, e desaconselha a sua prática. Várias tradições do Profeta (saas) e dos Imames Purificados (as) ressaltam que o divórcio, muito embora permitido por Deus, é uma prática que o desagrada.

Imam Sádiq (as) disse: “Nenhuma coisa lícita é objeto de tanta ira e aversão aos olhos de Deus como o divórcio”. Portanto, o fiel muçulmano não deve recorrer ao divórcio, a menos que a união realmente não possa ser mantida, isto é, por razões absolutamente justas ou por uma questão insolúvel de outra maneira. Por isso, a legislação islâmica estabelece uma arbitragem e uma tentativa de reconciliação, que são especificadas no ayat sagrado: “E SE TEMERDES DESACORDO ENTRE AMBOS (ESPOSO E ESPOSA) APELAI PARA UM ÁRBITRO DA FAMÍLIA DELE E OUTRO DA DELA. SE AMBOS DESEJAREM RECONCILIAR-SE, DEUS OS RECONCILIARÁ…” ( s.4 v.35)

Ayyatullah Murtada Mutahhari opina sobre a questão que “Toda estratégia que possa operar uma reconciliação, ou pelo menos, retardar o divórcio, é correta e legal, segundo o parecer do Islam”.

No caso em que todas as tentativas de reconciliação não tiverem sucesso e o divórcio se tornar a alternativa possível, então, o direito a isso poderá ser exercido, dentro das regras da sharia’h.

O Livro de Deus expõe esse princípio claramente dizendo: “…TEREIS QUE CONSERVÁ-LAS CONVOSCO DIGNAMENTE OU SEPARAR-VOS COM BONDADE”. (S.2 v.229)

“E QUANDO DIVORCIARDES AS MULHERES E ELAS TIVEREM ALCANÇADO SEU TERMO, ENTÃO CONSERVAI-AS COM HONRA OU LIBERTAI-AS COM HONRA, E NÃO AS CONSERVEIS À FORÇA, PARA TRANSGREDIR, QUEM QUER QUE ASSIM PROCEDA A SI PRÓPRIO PREJUDICA.” ( s.2 v.231)

Ao comentar esses ayát sagrados, Murtada Mutahhari diz: “Destes versículos pode se deduzir um princípio geral, que vem a ser, que todos os homens na vida matrimonial devem escolher entre duas alternativas: ou satisfazem todos os direitos e cumprem todos os deveres com delicadeza (retenção honrosa) ou quebram o laço da união e dão liberdade à mulher (libertação honrosa). Qualquer terceira possibilidade, ou seja, que o marido nem satisfaça devidamente os direitos da esposa com delicadeza, nem se divorcie dela, não é conhecida no Islam. A frase “E não as conserveis à força para transgredir’, nega esta possibilidade”.

As Regras Básicas para a realização do divórcio são:

1. O Esposo deve estar consciente, ser maior de idade e estar absolutamente livre (não sendo forçado por ninguém) ao divórcio, do contrário este será inválido.

2. A mulher não poderá estar em seu período menstrual ou em período pós-parto. E sendo que, após ter saído de seu período menstrual, o marido não poderá ter mantido relações sexuais com ela.

3. E necessária a presença de duas testemunhas idôneas, do sexo masculino.

4. O Esposo deverá formular sua intenção de divórcio verbalmente com absoluta clareza. É possível que por procuração a outra pessoa, ou mesmo a própria esposa, o divórcio se realize.

O divórcio é revogável (por duas vezes) sob condições específicas que necessitam da análise de um qádi (juiz).

Essa possível revogação se justifica pela própria natureza humana, pois, muitas vezes, tomamos atitudes impetuosas ou nos deixamos levar pela emoção momentânea. A prioridade da Lei Divina é a união estável, assim, fica aberta a possibilidade de uma reconciliação. Contudo, há um limite, e o Alcorão nos diz:

“O DIVÓRCIO REVOGÁVEL SÓ PODERÁ SER EFETUADO DUAS VEZES. DEPOIS TEREIS QUE CONSERVÁ-LAS CONVOSCO DIGNAMENTE OU SEPARAR-VOS COM BONDADE…” (2:229)

No caso do divórcio ter se consumado, a sharia’h divina estabelece que o homem é responsável pela manutenção da mulher em seu período de Iddah, diz o Alcorão:

“INSTALAI-AS ONDE HABITAIS, SEGUNDO OS VOSSOS RECURSOS E NÃO AS MOLESTEIS PARA CRIAR-LHES DIFICULDADES…” (s.65 v.6)

A questão do Direito de Divórcio

Como vimos até aqui, o direito de divórcio é um direito natural reservado ao marido. Porém, isso diz respeito a condições normais, em que não haja negligência flagrante por parte do marido de seus deveres. Na realidade, ainda que a mulher não tenha o direito natural inerente do divórcio, ela pode adquiri-lo por duas vias indiretas: por procuração, como direito estipulado através de uma cláusula inserida no contrato de casamento, ou, por um divórcio judicial.

Ayyatullah Hilli expressa sua opinião sobre a questão em seu livro “Direitos Conjugais” dizendo: “Quando um homem nem cumpre seus deveres que lhe competem como marido e nem se divorcia da esposa, a autoridade religiosa deve convocar o marido. Primeiro, deve pedir-lhe para se divorciar da esposa. Se ele não se divorciar, a autoridade religiosa deve decretar o divórcio”.

Parte 6 – Preceitos da Sunna referentes ao Nascimento de uma Criança

O nascimento de uma criança é uma benção de Deus em quaisquer circunstâncias. Um encargo e um importante meio para os pais alcançarem as graças e a misericórdia divina. As seguintes práticas são costumes do mensageiro de Deus (saas) que se referem ao nascimento de uma criança.

Logo após o nascimento, recomenda-se que o pai sussurre suavemente nos ouvidos da criança o Adan e o Iqamah.

Aqiqa é o oferecimento de um animal abatido (ovelha, carneiro, etc…) a ser destinado aos necessitados e aos pobres em sinal de agradecimento a Deus em ocasião do nascimento de uma criança.

O Aqiqa também significa o invocar as bênçãos de Deus sobre aquela criatura que inicia sua vida nesse mundo.

O raspar a cabeça do bebê e o oferecer o peso do cabelo raspado em ouro (ou alguma quantia similar, ou segundo o que se possua) em caridade.

O aqiqa, o raspar da cabeça do bebê e a escolha de seu nome devem ser realizadas no sétimo dia de vida do bebê.

De modo semelhante é recomendada a realização da circuncisão no sétimo dia de vida do menino (o que facilita sobremaneira a rápida recuperação).

A escolha de um bom nome é um direito do filho(a). Os pais muçulmanos devem tomar como critério de escolha “nomes islâmicos”. Ou seja, é muito reprovável que escolham nomes de origem pagã, de significados obscuros ou nomes associados a idolatria (mesmo muitos nomes árabes são associados aos costumes da época da jahilyyah). Portanto, é preciso escolher com cuidado e com plena certeza do caráter islâmico do nome escolhido.

Não há um período fixo para que o pai faça a circuncisão em seu filho, porém, a menos que por algum motivo relevante o pai tenha que adiá-la, assim que seja possível é recomendado que a realize.

Parte 7 – Das Relações Comerciais e do Trabalho

O Islam como senda divina de salvação, orientação celestial para a vida do homem nos exorta a construir o nosso bem estar dentro dos limites estabelecidos por Deus, de tal modo que os nossos direitos legítimos e os direitos legítimos das outras pessoas sejam assegurados.

O direito ao sustento digno ocupa um importante lugar no Islam ao qual corresponde o dever do ganho lícito e honesto.

As questões concernentes ao trabalho e as atividades econômicas representam um vasto espaço na jurisprudência islâmica. Como este trabalho tem a intenção de apenas apresentar noções gerais, reunimos aqui uma pequena parte dos princípios e preceitos da Shariah sobre o assunto.

DOS FUNDAMENTOS E DA ÉTICA ISLÂMICA DO TRABALHO

Como em todos os demais aspectos de nossa vida, o trabalho, as atividades econômicas e as fontes de sustento se conformam dentro dos limites estabelecidos por Deus o Altíssimo. A noção ética do Islam a esse respeito é que a natureza essencial do trabalho é “produzir benefícios” para o indivíduo e para a sociedade como um todo, o que significa que o trabalho deve necessariamente ser isento de prejuízos ao indivíduo e a sociedade, ou aos direitos de ambos.

Assim, as diretrizes do Islam asseguram que uma atividade econômica seja exercida dentro de sua razão de ser: uma fonte de benefícios e de prosperidade. Via de regra nenhuma atividade econômica, fonte de renda ou trabalho que produza malefícios, ou que atente contra os direitos das pessoas, ou que se exerça em função do prejuízo moral e ético da sociedade pode ser considerada “fonte de benefício ou de prosperidade”.

Este é o fundamento ético que compõe o Halal (lícito) e o Haram (ilícito) nesta matéria. Considera-se Halal (lícita) uma atividade econômica, trabalho ou fonte de sustento:

1. Que claramente produza benefícios ou preste serviços benéficos e úteis a sociedade.
2. Que seja isenta de atividades fraudulentas, que não atente contra a propriedade alheia (privada ou social). Seja por logro ou exploração do trabalho de outros.
3. Que seja isenta de negociações com juros, ou qualquer forma de usura ou práticas que levem ao monopólio.
4. Que não envolva a negociação, produção ou qualquer prestação de serviços relacionados a bebidas alcoólicas, carne de porco e derivados, sangue, artigos de cultos idólatras ou politeístas, jogatinas, cassinos, pornografia, erotismo ou drogas.
5. Que não envolva ou produza nenhum prejuízo ao Islam e aos muçulmanos. Seja propagando inverdades sobre o Islam ou favorecendo aos que o combatem, ou promovendo a corrupção da religiosidade da comunidade muçulmana.

Os cinco itens acima evidentemente abordam requisitos plenamente estabelecidos e aceitos de modo geral pelos jurisprudentes. Em virtude da imensa variedade de atividades econômicas existentes na sociedade moderna muitas vezes há a necessidade de uma análise cuidadosa de casos específicos. Enquanto existem atividades sobre as quais não há nenhuma dúvida quanto a seu caráter ilícito, existem por outro lado, atividades que não são necessariamente ilícitas, podendo segundo as circunstâncias tornarem-se ilícitas.

Também podemos considerar situações específicas como relações trabalhistas, em que se faz necessário uma cuidadosa análise e um parecer abalisado para determinar a licitude ou ilicitude da mesma. Uma relação trabalhista em qualquer país do mundo é uma situação delicada sob o ponto de vista do estabelecimento da justiça. Tal relação é um contrato social, isto é, encontra-se no âmbito dos direitos das pessoas, no qual existe a obrigatoriedade religiosa de cumprirmos nossos deveres. Contudo, um diferencial importante da Shariah em relação aos demais códigos de leis trabalhistas é que há um reconhecimento prévio de que esta relação não é em absoluto um contrato entre partes em pé de igualdade.

A superioridade econômica do empregador sobre o empregado é levada em consideração, visto que direitos e deveres de ambos não são absolutamente iguais. Dessa maneira, a Shariah refreia a tendência a uma opressão econômica que possa ocorrer. Em linhas gerais é dever do empregador:

Pagar um salário justo e digno, que ao menos minimamente cubra as necessidades básicas de alimentação, moradia , vestimenta e despesas essenciais ao empregado. No caso em que o empregador não conte com recursos para tal, que o faça o mais justamente que lhe seja possível dentro de seus recursos.

Saldar os vencimentos do empregado com absoluta pontualidade segundo o que tenha sido firmado.

Tratar seus empregados com respeito e dignidade, não expô-los a humilhações, abusos ou exigir deles atividades extras não remuneradas pressionando-os ou coagindo-os para o seu cumprimento.

Garantir todos os seus direitos trabalhistas que a lei do país tenha estabelecido.

Fornecer todo o material necessário para a execução do trabalho, incluindo material de segurança no caso em que a atividade requeira.

São deveres do empregado:

Cumprir os horários firmados com pontualidade.

Zelar pelos bens e mercadorias de seu empregador, bem como por todo material de trabalho posto sob a sua responsabilidade.

Honrar a confiança nele depositada.

Executar com a máxima presteza o trabalho pelo qual é remunerado.

A negligência por parte de um de outro, em quaisquer um desses deveres seria na verdade, uma forma de fraude. O Islam considera fraude toda e qualquer negociação ou acordo onde o engano se faça presente, onde o espírito de injustiça prevaleça como a oferecer pouco e exigir muito. Por conseguinte todo o lucro que possa advir disso é Haram.

* A questão do salário justo é muito delicada e requer uma profunda análise das circunstâncias. Suponhamos que um empregador necessite dos serviços de um funcionário, entretanto, os seus recursos não são suficientes para a estabilidade de seu negócio e para cobrir as exigências de um salário digno, ou mesmo para cumprir os direitos trabalhistas que a lei garante a um empregado. Uma alternativa possível seria estabelecer uma carga horária de trabalho menor para o empregado. Esta suposição serve para ilustrar o fato de que um muçulmano temente deve buscar por todos os meios possíveis evitar o lucro ilícito que resulte da exploração de condições injustas para que Deus o abençoe para que alcance verdadeira prosperidade.

Tanto numa questão trabalhista como em qualquer contrato não há isenção de culpa se as duas partes concordam com algo que seja injusto, na realidade é que muitas vezes uma das partes se vê pressionada pelas circunstâncias a aceitar condições injustas. A pressão econômica que leva, por exemplo, um trabalhador aceitar um salário ou condições indignas de trabalho nada mais é do que Dzulm (opressão). Algo semelhante ocorre numa transação imobiliária em que um locador exige um preço abusivo ou injusto, ou por força de contrato exija aumentos excessivos de alugueres. O fato de que o locatário tem a liberdade de não aceitar o contrato ou se retirar do imóvel não altera a condição de Dzulm (que naturalmente recairá sobre o locatário seguinte). O mesmo pode ser dito de um locatário que seja negligente no cumprimento de seus deveres, seja atrasando o pagamento ou causando prejuízos ao imóvel, isso seria fraude e injustiça não importando se o locador fosse paciente ou não.

A justiça ou injustiça de uma negociação independe da aceitação ou não das partes envolvidas.

DAS ATIVIDADES DO COMÉRCIO

Como as demais atividades o comércio deve se enquadrar nos cinco itens apresentados como requisitos para o Halal. O Mensageiro de Deus especificou algo desses requisitos com respeito ao comércio no seguinte dizer segundo narrativas dos Ahlul Bait (as): “Aquele que negocia deve evitar 5 coisas, do contrário não deve comprar nem vender coisa alguma: Usura, perjúrio, esconder os defeitos das mercadorias, elogiá-las enganosamente quando a vende e procurar algo errado no que está a comprar.”

Especialmente nos países em que a Shariah muçulmana não esteja em vigor, o muçulmano deve observar com máxima atenção para não incorrer em negócios que envolvam usura, qualquer espécie de fraude, adulteração das balanças, transações com mercadorias roubadas ou falsificadas.

Diz o Altíssimo no Alcorão:

“OS QUE PRATICAM A USURA, SÓ SERÃO RESSUCITADOS COMO AQUELE QUE FOI PERTURBADO POR XAITAN, ISSO PORQUE DISSERAM QUE A USURA É O MESMO QUE O COMÉRCIO, NO ENTANTO, DEUS CONSENTE O COMÉRCIO E PROÍBE A USURA.” (2: 275)

O versículo sagrado expõe o falso argumento dos que tentam confundir o comércio com a usura e que com tal pretexto buscam justificar a busca ávida por lucros e pela constante multiplicação. A afirmação “DEUS CONSENTE O COMÉRCIO E PROÍBE A USURA” deixa claro que comércio e usura são duas coisas distintas, ou seja, assim como um agiota pode praticar o crime da usura sem vender ou comprar coisa alguma, um comerciante pode praticar sua atividade sem incorrer ou participar em negociações que envolvam juros.

Devido a complexidade dos sistemas financeiros modernos faz-se necessário ao comerciante muçulmano manter uma constante assessoria de um sábio capacitado nessa área do conhecimento islâmico. Via de regra, qualquer negócio, empréstimo, investimento que envolva o pagamento ou a cobrança de juros (ou qualquer forma de excedente do capital que se configure como tal) é ilícita. A economia moderna predominante nos países regidos por códigos de leis não-islâmicos se assentam sobre a instituição dos juros, sendo assim, a comunidade muçulmana tem por obrigação criar meios lícitos alternativos ao comércio e as demais atividades econômicas.

O que é inaceitável é que os indivíduos de modo consciente se entreguem a prática do que é Haram com a justificativa de que o Halal seja difícil ou impraticável. Estes, ao agirem assim, se assemelham a alguém que consuma comida envenenada alegando que não há comida pura: os seus argumentos não alterarão o fato do inevitável prejuízo que estarão provocando para si mesmos.

DOS EMPRÉSTIMOS E DÍVIDAS CONTRAÍDAS

“Ó FIÉIS, QUANDO CONTRAIRDES UMA DÍVIDA POR TEMPOFIXO, DOCUMENTAI-A E QUE UM ESCRIBA NA VOSSA PRESENÇA PONHA-A FIELMENTE POR ESCRITO, QUE NENHUM ESCRIBA SE NEGUE A ESCREVER, COMO DEUS ENSINOU. QUE O DEVEDOR DITE E QUE TEMA A DEUS, SEU SENHOR, E NADA OMITA DELE (O CONTRATO). PORÉM, SE O DEVEDOR FOR INSENSATO OU INAPTO, OU ESTIVER INCAPACITADO DE DITAR, QUE SEU PROCURADOR DITE FIELMENTE POR ELE. CHAMAI DUAS TESTEMUNHAS MASCULINAS DENTRE OS VOSSOS, OU NA FALTA DESTAS, UM HOMEM E DUAS MULHERES DE VOSSA ESCOLHA, A FIM DE QUE, SE UMA DELAS SE ESQUECER A OUTRA RECORDARÁ. QUE AS TESTEMUNHAS NÃO SE NEGUEM QUANDO FOREM REQUISITADAS, NÃO DESDENHEIS DOCUMENTAR A DÍVIDA, SEJA PEQUENA OU GRANDE, ATÉ O SEU VENCIMENTO. ESTE PROCEDIMENTO É O MAIS EQUITATIVO AOS OLHOS DE DEUS, O MAIS VÁLIDO PARA O TESTEMUNHO E O MAIS ADEQUADO PARA EVITAR DÚVIDAS. TRATANDO-SE DE COMÉRCIO DETERMINADO, FEITO DE MÃO EM MÃO, NÃO INCORREREIS EM FALTA SE NÃO O DOCUMENTARDES. APELAI PARA TESTEMUNHAS QUANDO MERCADEJARDES E QUE O ESCRIBA E AS TESTEMUNHAS NÃO SEJAM COAGIDAS. SE AS COAGIRDES, COMETEREIS DELITO. TEMEI A DEUS E ELE VOS INSTRUIRÁ, PORQUE É ONISCIENTE. SE ESTIVERDES EM VIAGEM E NÃO ENCONTRARDES UM ESCRIBA, DEIXAREIS UM PENHOR RESGATÁVEL QUANDO VOS CONFIARDES RECÍPROCAMENTE, SAIBA QUEM TIVER RECEBIDO O DEPÓSITO QUE DEVERÁ RESTITUÍ-LO, TEMENDO A DEUS SEU SENHOR. NÃO VOS NEGUEIS A PRESTAR TESTEMUNHO, SAIBA QUEM O NEGAR , QUE SEU CORAÇÃO É NOCIVO. DEUS SABE O QUE FAZEIS.”( 2: 282,283)

Com muita clareza o procedimento correto é exposto nestes versículos sagrados. A primeira parte do versículo 282 diz respeito às transações que envolvem pagamentos futuros, ou mercadorias pagas no ato a serem entregues posteriormente, ou simples empréstimos.

A documentação dessas transações é um importante dispositivo que por si só previne muitos problemas. Dívidas contraídas devem ser saldadas sempre que possível dentro do prazo estipulado e caso por alguma razão justificável o devedor se veja impossibilitado de fazê-lo, deve procurar o credor e solicitar deste um novo prazo.

A ética islâmica nos impõe a obrigação moral de saldarmos nossas dívidas (grandes ou pequenas) assim que tenhamos condições de fazê-lo. Tal é a relevância da dívida que no caso de falecimento de uma pessoa o pagamento de suas dívidas (documentadas ou simplesmente comprovadas pelos parentes) ocupa um dos primeiros lugares dentre as providências a serem tomadas pelos parentes.

Com efeito, o pagamento das dívidas tem precedência mesmo sobre os dispêndios do Zakat, do Khums, da caridade voluntária e das despesas para o cumprimento do Hajj, não devendo se adiar e muito menos reter o que é de direito de um credor. Sob o ponto de vista da Shariah o dinheiro retido (que por direito pertença ao credor) é ilícito para o devedor. Ao credor por sua vez , Deus, Exaltado Seja, diz no Alcorão: “SE VOSSO DEVEDOR SE ACHAR EM SITUAÇÃO PRECÁRIA, CONCEDEI-LHE UMA MORATÓRIA, MAS SE O PERDOARDES, SERÁ PREFERÍVEL PARA VÓS, SE QUEREIS SABER.” ( S. 2 V.280)

A condição de credor ademais, não lhe dá o direito de se exceder com ameaças, pressões ou insultos. Se é patente que o devedor possui recursos para saldar a dívida e não deseja fazê-lo, deve procurar fazer valer o seu direito por meios lícitos e legais.

Parte 8 – Preceitos Básicos do Funeral Islâmico e da Herança

Na ocasião do falecimento de um muçulmano(a) é uma obrigação coletiva (da comunidade) providenciar um funeral islâmico com toda dignidade e respeito. A seguir estão relacionadas uma série de providências, preceitos e recomendações a serem observadas:

Se o falecimento for assistido, é fundamental que a pessoa seja auxiliada a pronunciar o xahadataini enquanto tenha consciência para fazê-lo.

Logo que a pessoa dê o último suspiro seus olhos devem ser fechados. (Recomenda-se que se diga: BISMILLAHI WA ÂLA MILLATI RASULILLAHI – Em nome de Deus e com o método do profeta de Deus).

A pessoa ou as pessoas presentes devem fazer dua’a pelo falecido, pedindo a Deus que tenha misericórdia dele e dos presentes e que lhe facilite o que deve enfrentar.

Se possível e se algum parente próximo esteja presente, este deve despi-lo (mantendo seu awra sempre oculto) e envolvê-lo num lençol (branco ou opaco), suster-lhe o maxilar atando-o suavemente com um lenço ou tira de pano.

Posicionar o mayyt com a face voltada para a Quiblah.

Aproximar tanto quanto possível as suas pernas atando-as com uma tira de pano pelos dedos dos pés.

Pedir a Deus o perdão para ele e Sabr (paciência) para sua família.

As pessoas que tenham presenciado o momento da morte devem manter absoluto sigilo sobre qualquer coisa que tenham visto ou ouvido que envolva a privacidade e a dignidade do falecido. Qualquer comentário ou crítica sobre ele deve ser evitado.

Obter o certificado médico de óbito antes de iniciar as providências do funeral.

Os familiares devem providenciar o material necessário para o Ghusl ul Mayyt e deliberar sobre quem o realizará.

Considerações para a execução do Ghusl ul Mayyt

Um mayyt masculino deve ser lavado por homens (ou por sua esposa), um mayyt feminino por mulheres (ou por seu esposo).

Se o mayyt é uma criança (sem que tenha alcançado a puberdade), o ghusl pode ser realizado tanto por homens ou mulheres. Obs. O corpo de um muslim, mesmo de um feto abortado que tenha alcançado 4 meses deve ser lavado.

O ghusl deve ser feito num recinto fechado, onde não devem entrar senão os que forem solicitados. É requerido do executante e de seus auxiliares absoluto respeito e sigilo no que se referir ao mayyt.

O mayyt deve ser colocado sobre uma mesa, sempre com gentileza (sem movimentos bruscos).

A pessoa que realiza o Ghusl deve ser auxiliada por outra e deve estar corretamente abluída.

Ao iniciar o ghusl o executante deve fazer Nyah (intenção de realizar o Ghusl)

A mesa (ou banco) e todo material a ser utilizado devem estar limpos.

Não é permissível cortar, raspar pelos ou cabelos, cortar unhas ou alterar qualquer coisa na aparência do mayyt por meio de maquiagem ou coisas do tipo. Se durante o ghusl se desprenderem quaisquer pêlos, crostas da pele, unhas etc. isto deve ser recolhido e colocado no cafan para ser enterrado junto com o mayyt.

Deve-se remover do mayyt coisas que impeçam o contato da água com o corpo (cremes, pinturas, esmalte).

Remove-se também anéis, jóias, próteses dentárias ou ortopédicas, etc.

A pessoa incumbida para o ghusl deve iniciar realizando o prévio Istinjás retirando todo Najássah que eventualmente o corpo tenha liberado. (Mantendo sempre o awra coberto e sem olhar para as partes pudendas do mayyt).

O ghusl mayyt consiste em lavar o corpo inteiramente do alto da cabeça até os pés (1 a 3 vezes), com água pura e na temperatura ambiente (ou morna ). Na primeira vez o corpo é lavado com água misturada com Sidr, depois misturada com cânfora e por último apenas com água.

Terminado o ghusl o mayyt deve ser envolvido no cafan. Este, é preferível que seja branco.

O kafan deve ser liso, de um tecido não-transparente. Deve ser adquirido com o dinheiro ganho pelo próprio mayyt ou pelo seu tutor ou aquele que tinha a obrigação de o sustentar. Na impossibilidade disso, a responsabilidade passa para a comunidade.

É haram incluir no kafan quaisquer escritos com dua’as, kalima ou versículos do Alcorão.

Todas as despesas do funeral de uma esposa devem ser integralmente suportadas por seu esposo, se financeiramente for capaz para tal, mesmo que ela tenha deixado o seu próprio dinheiro.

Uma vez envolvido o mayyt no kafan não se deve deixar sua face descoberta. Estando pronto para o funeral, o Sallatul Mayyt e o enterro não devem ser atrasados.

Quatro prioridades são relativas ao falecimento de um muçulmano. As quais cabem aos herdeiros, parentes próximos (na ausência destes alguém a quem tenha sido confiado pelo falecido ou alguém em nome da comunidade):

As despesas do funeral
As dívidas do mayyt
A execução do testamento
A partilha dos bens entre os herdeiros

Segundo a Shariah, tudo o que tenha pertencido a uma pessoa (imóveis, dinheiro, valores a receber de devedores, roupas e quaisquer objetos de uso pessoal) no momento de sua morte constitui Herança, e portanto, é compulsório aos responsáveis utilizar disso com absoluta honestidade para o desencargo das quatro prioridades acima mencionadas. Com exceção da despesas do funeral, as outra três podem ou não existir.

Supondo que todas as 4 prioridades existam, uma certa porção será gasta no funeral e do que restar uma outra porção se destinará para o pagamento das dívidas. Só então, do que restar após as duas primeiras obrigações um terço deverá ser aplicado na execução do testamento e os dois terços restantes na distribuição pelos herdeiros. Quando não há dívidas e nem testamento, da herança será aplicada logicamente uma parte com o funeral e o restante na distribuição pelos herdeiros. Quando o montante de dívidas é enorme os direitos pelo testamento e dos herdeiros podem ficar comprometidos. Por isso é muito recomendado o pagamento das dívidas o mais cedo possível enquanto se está vivo.

Bens que não constituem herança

O que tenha sido emprestado ao falecido e portanto estava sujeito a restituição ao respectivo dono (valor, bens e objetos).

O que o falecido tenha adquirido de modo ilícito (Nestes dois casos os herdeiros são responsáveis pela devolução dos bens referidos).

O que o falecido tenha dado a alguém, mesmo que tenha sido durante um período de doença.

A pensão de morte paga a algum dos familiares pelos serviços sociais ou entidades de seguros.

Tudo o que o falecido tenha adquirido por acordo e que não tenha pago adiantadamente e que ainda esteja em posse de seu antigo dono.

ENCARGOS DO FUNERAL

São considerados encargos do funeral apenas e tão somente aquilo que é lícito perante a Shariah. Despesas com reuniões póstumas tradicionais não fazem parte e não podem ser debitadas da herança do falecido.

Se algum familiar ou amigo se dispuser a pagar no todo ou em parte estes encargos poderá faze-lo com a anuência dos herdeiros. Neste caso não se tira nada da herança e não é lícito se criar despesas desnecessárias só porque alguém está a custear.

Não é lícito doar em caridade dos bens de herança, segundo a Shariah, é uma apropriação indébita. É importante que antes de tudo a herança seja corretamente dividida em conformidade com a Shariah e então os herdeiros adultos poderão fazer caridade tirando da parte que lhes couber.

AS DÍVIDAS DO MAYYT

As dívidas, mesmo que o falecido não tenha deixado recomendações escritas ou verbais, devem ser liquidadas logo depois do enterro se não for possível antes, pois sem sua prévia liquidação não há execução de testamento nem repartição da herança.

Existem duas naturezas de dívidas: dívidas para com Deus e dívidas para com as criaturas. Dívidas para com Deus podem ser obrigações do îbad não cumpridas (Sallah, Zakat, Khums, Jejum, Zakat ul fitr, Hajj), dotes de casamento ou compensações especiais (Kaffara). No caso do Sallah e do jejum obrigatório, por cada sallah não cumprido ou dia não jejuado paga-se o fidyah. É permitido que um filho ou um pai compense jejuando ou cumprindo o Sallah e o Hajj que o falecido não tenha feito. Enquanto as dívidas para com as criaturas se tornem compulsórias para os herdeiros, as dívidas para com Deus só o são se expressas, mencionadas num testamento.

Portanto, dívidas relativas as criaturas não são limitáveis segundo o montante da herança. Já as dívidas com Deus, no caso de excederem um terço da herança dependerá dos herdeiros desejarem abrir mão de algo de sua parte para saldá-las.

O TESTAMENTO

O testamento incide sobre um terço do total da herança de uma pessoa (após o débito das despesas do funeral e o pagamento das dívidas). Ou seja, o testamento é limitado a esse terço em qualquer caso, salvo quando não há herdeiros por direito.

Um testamento é considerado válido quando :

1. Tenha sido redigido e enunciado como testamento.
2. Ou tenha sido feito verbalmente na presença de testemunhas fiéis.
3. Sempre que não declare instruções contrárias a Shariah. (o que o torna um testamento ilícito).
4. Sempre que tenha sido feito por uma pessoa adulta sã (que não esteja acometida de uma doença mortal como um paciente terminal por exemplo), no pleno exercício de suas faculdades mentais.

Obs: Considera-se o período em que o testamento pode ser feito (e tido como válido) enquanto uma pessoa goze de plena saúde, ou embora acometido por uma doença grave, esta não lhe incapacite de levar sua vida normalmente e nem comprometa sua lucidez.

É muito recomendado que a pessoa que deseje realizar um testamento procure a orientação de alguém que possua conhecimento correto da jurisprudência islâmica e de seus detalhes nesta matéria.

A pessoa deve especificar cada dívida que possua (para com Deus e as criaturas), bem como qualquer depósito a ele confiado (objetos, bens ou valores) deixando instruções expressas para que sejam devolvidos aos seus respectivos donos.

O testamento a favor dos familiares cujas porções já estão definidas no Alcorão é nulo (p.ex. a favor dos pais, do marido, da esposa, dos filhos, etc.).

DISTRIBUIÇÃO DA HERANÇA

Depois de executado o testamento, os restantes dois terços são divididos pelos herdeiros em plena conformidade com as proporções estabelecidas no Alcorão.

No caso em que não hajam dívidas e um testamento, debitadas as despesas do funeral, todo o restante será destinado a partilha.

As proporções que cabem a cada herdeiro já estão definidas no Livro de Deus e ninguém goza, em nenhuma circunstância, de qualquer prioridade para alterá-las, se o fizer, incorrerá num ato declaradamente haram.

Havendo uma partilha de herança, deve-se elaborar uma lista completa dos herdeiros, incluindo também os ausentes, porque tal situação não anula o direito de herança.

É sempre recomendável encarregar a partilha a uma pessoa versada na jurisprudência não- pertencente a família.

Não são herdeiros: o padrasto, a madrasta, o filho adotivo, o filho ilegal (nascido de adultério), o sogro, a sogra, o relacionado por concubinato (adultério).

Perdem o direito de herança: o filho que mata seu próprio pai (salvo se tratar-se de um insano ou for ainda uma criança), o apóstata (inclusive um pai que tenha renegado o Islam). Via de regra um Káfir não herda de um muçulmano, nem vice-versa. Também não possui direito de herança (e nem se herda dele) o filho de um adultério ou fornicação.

São considerados herdeiros legítimos, segundo o percentual estabelecido no Livro de Deus:

* O Primeiro grau: os pais, os filhos ou os netos (se os filhos não forem mais vivos).

* Na ausência do primeiro grau: os avós, os irmãos, as irmãs, os sobrinhos e as sobrinhas.

* Na ausência dos graus anteriores: os tios, as tias, os primos e as primas.

* A esposa: esta terá direito de receber herança, existindo ou não os graus anteriores.

Caso o falecido não tenha nenhum parente a quem possa caber a herança, esta será destinada ao Estado Islâmico.

O ENTERRO E O SEU MÉTODO

O enterro de um mayyt é um fard kifáyah. Diz Deus o Altíssimo no Alcorão:

“NÃO FIZEMOS DA TERRA UM RECEPTÁCULO PARA OS VIVOS E OS MORTOS?” (77: 25,26)

O Islam proíbe costumes pagãos como a cremação e o desrespeito pelo cadáver, como sua posterior exumação sem uma razão absolutamente justificada.

Após o Salatul Mayyt, o falecido deve ser enterrado o mais rápido possível.

O corpo deve ser depositado em seu túmulo envolvido apenas por seu kafan (nunca em caixões) e deve ser disposto de modo a que a Quibla esteja a sua direita (com a face virada para ela).

É recomendação fundamental que o corpo esteja em contato com a terra.

Se a legislação de um país não permite que o enterro seja sem um caixão deve-se colocar uma quantidade considerável de terra em seu interior para que o corpo tenha contato com a mesma.

A profundidade mínima de uma cova pode ser entre 80 e 90 cm, contudo, recomenda-se que exceda isso.

É haram edificar o túmulo suntuosamente, ornamentá-lo ou cobri-lo com qualquer tipo de aparência luxuosa, colocar fotos do falecido ou coisas desse tipo. Nenhum desses costumes são islâmicos, como também não o são, discursar junto ao túmulo após o enterro, observar um minuto de silêncio em memória do falecido, levar alimentos e depositá-los sobre os túmulos dos entes queridos ou acender velas.

O túmulo de uma pessoa deve ser respeitado, e deve ser preservado com simplicidade. Não é lícito andar, deitar ou sentar-se sobre um túmulo.

As demonstrações de tristeza são naturais e aceitáveis diante da morte de um ente querido, porém, é preciso que essas demonstrações não excedam os limites da Shariah. É haram o chorar alto, proferir impropérios, arranhar-se, rasgar as próprias roupas, deixar-se cair ao chão e coisas do tipo que incomodam a alma do falecido e os presentes.

É mustahabb apresentar condolências aos parentes do falecido com palavras encorajadoras lembrando a paciência diante da adversidade e sempre fazer dua’a em silêncio pedindo para que Deus se apiede do falecido e ampare e conforte os seus entes queridos.

É muito desrespeitosa a atitude de indiferença e a falta de disposição em participar do Sallatul mayyt, ou o comentar qualquer coisa que difame a imagem do falecido, ou fazer pilhérias sobre qualquer coisa durante o enterro. Lembremos que um dia seremos nós que ali estaremos, e precisaremos da prece das pessoas e desejaremos que tratem nossos entes queridos com dignidade e carinho.

Comentário Final

Apresentei aqui alguns pontos gerais a serem destacados e observados no funeral islâmico, a matéria envolve muitos outros aspectos e detalhes que demandariam livros inteiros. Na análise das muitas circunstâncias especiais que este assunto abrange se faz necessária uma consulta cuidadosa a jurisconsultos.

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