Por Ahmad Ismail
O Islam realmente odeia os cristãos?
O cidadão ocidental, religioso ou não, pouco familiarizado com o mundo islâmico, se vê diante de noticiários inflamados sobre atentados de radicais islâmicos em vários pontos do mundo. O medo e a insegurança se instalam e são rapidamente capitalizados por grupos nacionalistas ou fundamentalistas cristãos. Questões políticas se misturam a uma disputa religiosa e muito pouco é devidamente esclarecido. Um amplo espaço é dominado pelo preconceito, a desinformação e a manipulação ideológica dos fatos.
Mas afinal, o que o Islam tem a dizer sobre a acusação lançada por seus opositores, sobre o ódio aos cristãos?
“Não há no Alcorão nenhuma passagem que ordene matar cristãos ou judeus. O versículo que autoriza o combate defensivo nesses termos se refere especificamente aos idólatras árabes que perseguiam, escravizavam e matavam os primeiros muçulmanos. Todas as passagens que autorizam o uso da força se referem (1) aos inimigos de Deus, isto é, os que promovem a corrupção na terra, (2) aos agressores, ou seja, aqueles que violam os pactos, perseguem, assassinam, expulsam muçulmanos de suas terras, não importando qual seja sua religião.
O Alcorão ordena aos muçulmanos que se defendam e defendam sua fé, porém, reitera que devem buscar a paz e o entendimento com aqueles que desejam a paz e o entendimento.
Diz o Altíssimo no Alcorão:
“E COMBATEI, NO CAMINHO DE DEUS, OS QUE VOS COMBATEM, E NÃO PRATIQUEIS AGRESSÃO. POR CERTO, ALLAH NÃO AMA OS AGRESSORES. E MATAI-OS (OS IDÓLATRAS) ONDE QUER QUE OS ENCONTREIS, E EXPULSAI-OS DE ONDE VOS EXPULSARAM, PORQUE A PERSEGUIÇÃO É PIOR DO QUE O HOMICÍDIO…” (2:190,191)
“PORÉM, SE DESISTIREM, SABEI QUE DEUS É INDULGENTE, MUI MISERICORDIOSO. E COMBATEI-OS ATÉ QUE TERMINE A PERSEGUIÇÃO E PREVALEÇA A RELIGIÃO DE DEUS. MAS, SE DESISTIREM, NÃO HAVERÁ MAIS HOSTILIDADES, EXCETO CONTRA OS INÍQUOS”. (2:192,193)
Assim, as ações dos extremistas (Isis e Boko Haram, por exemplo) não obedecem as ordens de Deus, e não devem ser atribuídas aos demais muçulmanos.
Um ponto importante a ser destacado é que o critério que autoriza o uso da força não se fundamenta no princípio da profissão de fé, mas sim nas categorias de ações que Deus considera iniquidades: o assassínio, a agressão, etc. Não importando quem as pratique ou a religião que professe.
Por catorze séculos, igrejas, monastérios, locais de culto e comunidades cristãs estáveis existiram por todo o mundo islâmico, mesmo durante as cruzadas as igrejas ortodoxas orientais participaram da vida das comunidades islâmicas, respeitando as leis locais e gozando da proteção dos califados (proteção esta, imposta pela lei islâmica (dhimma)). Se fosse objetivo do Islam eliminar o cristianismo e os cristãos, certamente os governantes muçulmanos não teriam a menor dificuldade em apagar todos os vestígios da tradição cristã em suas terras; não teríamos centenas de igrejas seculares e algumas milenares em vários países asiáticos de maioria islâmica. Essa é uma prova histórica indiscutível de que a acusação lançada contra o Islam não procede. Também os judeus, podem reconhecer que, durante as Cruzadas tiveram nos muçulmanos, protetores contra a sanha assassina dos cruzados.
Portanto atribuir os crimes de grupos fanáticos e extremistas a todos os muçulmanos ou ao próprio Islam é uma leviandade.
É possível haver conversão forçada?
Do ponto de vista islâmico, a conversão forçada de um cristão ou judeu é nula; além de significar um desrespeito à norma de Dhimma, que garante aos povos do Livro (judeus e cristãos) direitos e garantias numa comunidade ou nação islâmica.
Diz o Alcorão: “Não há imposição quanto à religião, pois já se destacou a verdade do erro…” (2:256)
Dhimma
O Alcorão determina o respeito de certos direitos dos Povos do Livro (que receberam as escrituras divinas anteriores: judeus e cristãos), por meio de um acordo de proteção (dhimma): o direito de livremente adotar o Islam ou manter sua crença, o direito de reunião e culto, o direito de organização e manutenção de seus templos, instituições, etc. Nas comunidades islâmicas a comunidade cristã ou judaica paga um imposto (jyzia), uma vez que está isenta do zakat, que é obrigatório somente para os cidadãos muçulmanos aptos. Em contra partida, o Estado se obriga a garantir a proteção e a segurança dessas comunidades, templos ou sinagogas.
Importante ressaltar que Dhimma não inclui direito de proselitismo (está vedado qualquer proselitismo), uma vez que a shariah se opõe à promoção da apostasia entre os muçulmanos. Esse ponto, sobretudo nos últimos anos, tem se tornado um grande problema gerando animosidades entre muçulmanos e cristãos. Diversas seitas cristãs oriundas do ocidente, empreendem missões evangelizadoras em países muçulmanos e desconsideram as leis e os costumes autóctones, o que gera reações conflitantes, principalmente dos radicais. Na verdade, o que agrava o problema é que o proselitismo implica em ofender os fundamentos da fé muçulmana (a sacralidade do Alcorão, a figura do Profeta, etc).
É inegável que houve, sobretudo nas últimas décadas, um grande número de ações de radicais contra cristãos e outras minorias em muitos países de maioria muçulmana. Esse fenômeno tem se agravado como um reflexo dos problemas da política mundial, a atitude das potências ocidentais e principalmente a interferência nos conflitos do oriente médio, têm fortalecido o discurso dos elementos radicais em muitos países. Assim, a rejeição à cultura ocidental e à religião cristã (identificada com o ocidente), vista como um elemento desagregador no mundo muçulmano, gera maior hostilidade e radicalismo.
Fenômeno semelhante verificamos no ocidente, os atentados e a migração em massa de refugiados têm servido para fortalecer o discurso xenófobo dos radicais de direita e a islamofobia, que se transformou numa bandeira do fundamentalismo cristão.
Pouco se tem feito para impedir o acirramento do conflito cristão-islâmico; infelizmente devemos dizer que os fundamentalistas dos dois lados têm prevalecido. Entretanto, é possível e desejável apostar no diálogo, combater a desinformação e desmobilizar a ideologia da intolerância que trabalha para alimentar o ódio e o preconceito.