Por: Ahmed Ismail
Imam Al Hussein (as), filho do Emir dos fiéis, Ali Ibn Abi Talib (as) e Fátima Az Zahra (as), neto do nobre Mensageiro de Allah (as), consagrou sua vida e sua morte em defesa do Islam e da integridade desta Mensagem. Seu nobre exemplo de luta contra a opressão e a tirania, luta que é componente essencial do Islam,é lembrado por todos muçulmanos que são conscientes que o amor e a reverência ao Mensageiro de Allah (saas) é em estado de espírito inseparável do amor e a reverência a seus familiares (ahlul bait (as)).
O Cenário Histórico
Com o martírio de Imam Ali (as) no ano 40 da hijra, após um califado de 4 anos e 9 meses, o seu primogênito Imam Al Hassan (as) não teve o apoio dos muçulmanos quando Muwaya, governador da Síria, reivindicou o califado para si reunindo revoltosos para conflagrar a guerra fratricida (como já havia feito na época de Imam Ali(as)). Imam Al Hussein (as) foi testemunha de todas as sublevações que se sucederam contra o direito de seu irmão, preparando-se para enfrentar o que o destino lhe reservava.
Muwaya, tomando o califado, manteve o seu poder por mais de uma década. Passando-se por líder dos muçulmanos, exigindo obediência destes, ainda que fosse indigno de tal posição, transformou o modelo de justiça e equidade do governo islâmico do Profeta (saas) em uma corte cheia de pompa e luxo, deixando seu filho Yazid como seu sucessor. Quando Yazid chegou ao poder, já era conhecido por sua vida ociosa e corrupta e por seu ódio e desprezo a família do Profeta (saas). O sangue pagão de seus antepassados derramado em luta contra Allah e seu profeta (saas) incitava-o ao desejo de vingança e em adição a isso, havia a deformação de seu caráter marcado pela ambição e a crueldade típica dos tiranos que se sucederam no poder no período omíada. Yazid escreveu ao governador de Medina exigindo o juramento de fidelidade do Imam Al Hussain (as), (o que significaria o reconhecimento moral de seu governo). Se este se negasse a isso, Yazid exigia que o governador o condenasse a morte por insubmissão ao califa.
Imam Al Hussain (as) entendeu que era o momento de relembrar aos muçulmanos o exemplo do nobre Profeta (saas), do qual há muito haviam se afastado, deixando-se submeter a tirania e a corrupção, e reuniu seus familiares e companheiros. Dirigiu-se a Makka, onde permaneceu algum tempo. Em virtude das centenas de missivas que recebeu do povo de Kufa prestando apoio a sua causa e pedindo que os liderasse na luta contra o tirano Yazid, em 15 de Ramadan Imam Hussein (as) enviou seu primo Muslim Ibn Aquil como seu emissário.
Yazid a seu turno, pôs em ação seu serviço de espionagem, enviou homens a Makka com a missão de assassinar o Imam (as) (mesmo isto significando uma profanação da cidade sagrada). Contudo, Al Hussein (as) já havia se retirado para o Iraque com a intenção de preparar sua tropa para um confronto que era inevitável.
A traição em Kufa
Na mesquita de Kufa haviam congregado grande número de homens para a prece Maghrib. No lado de fora da mesquita um enviado do Califa lia em voz alta uma proclamação: “Deve saber o povo de Kufa que Obaidullah filho do califa Yazid, vê com desagrado que o povo tenha dado boas vindas a Muslim Ibn Aquil, emissário de Hussein, que se nega a prestar fidelidade ao califa. Portanto, informo a todos que qualquer pessoa que se associar a Muslim, será considerado rebelde contra o califa e por isso será decapitado com sua família e suas propriedades serão confiscadas.”
Muslim, que dirigia a prece, ouviu a proclamação e ao finalizá-la viu que todos que haviam lhe dado apoio, naquele momento o abandonaram. Somente Hani Ibn Urwah, que dava hospedagem aos dois filhos adolescentes de Muslim, se manteve ao seu lado e se ofereceu como emissário para avisar o Imam Hussein (as) para que mudasse o rumo de sua viagem. Sem perda de tempo, Ibn Urwah se dirigiu à sua casa e montando os dois jovens em seu melhor cavalo mandou que saíssem da cidade, pois corriam grande perigo. Poucos minutos depois, as tropas do governador cercaram a casa e o prenderam, decapitando-o horas mais tarde. Com o coração ferido pela traição do povo de Kufa, Muslim saiu no escuro da noite não tendo para onde ir. Os soldados a cavalo patrulhavam as ruas e todos os caminhos. Muslim se refugiou no portal de uma casa, quando uma senhora ao vê-lo, lhe deixou entrar por amor a família do Profeta (saas), porém seu filho ao perceber sua presença, tentado pela soma de dinheiro oferecida por sua cabeça, sem perda de tempo correu ao governador para delatá-lo. Muslim foi arrastado e conduzido diante de Obaidullah que ordenou que o torturassem publicamente antes de decapitá-lo e atirar seu corpo do alto de um edifício. Uma testemunha desses fatos partiu na manhã seguinte ao encontro do Imam Al Hussein (as) explicando-lhe em detalhes o ocorrido e rogando-lhe que voltasse a Medina e salvasse sua vida, ao que o Imam (as) respondeu: “SEGUIREI ADIANTE O MEU DESTINO E IREI CUMPRIR ASSIM O PROPÓSITO DE MINHA VIDA. MINHA MORTE ESTÁ ME CHAMANDO.”
Desde sua partida de Medina Imam Al Hussein (as) sempre disse que seu objetivo era defender o Islam de gente como Yazid, estabelecer a ordem do bem e a proibição do mal, proteger o sagrado Alcorão e manter viva a religião.
O Cerco em Karbala
Uma tropa do exército comandado por Hurr veio a seu encontro impedindo seu avanço a Kufa, obrigando-o a acampar no deserto de Karbala, a cerca de 70 km da cidade, com a ameaça de “que se resistisse teria que matá-lo”. Imam Hussein (as) disse a Hurr: “ACASO PRETENDEIS ATEMORIZAR-ME COM A MORTE? CRÊS QUE MATANDO-ME SE RESOLVERÃO VOSSOS PROBLEMAS? FÁCIL É A MORTE NO CAMINHO QUE LEVA A GLÓRIA E A VIVIFICAÇÃO DA VERDADE. POR OUTRO LADO, PODEIS FAZER-ME ALGO MAIS DO QUE MATAR-ME? COMO NÃO PODES DESTRUIR MINHA HONRA E MINHA NOBREZA NÃO TEMO A MORTE. EU SOU HUSSEIN, FILHO DE ALI E DE FÁTIMA, A FILHA DO MENSAGEIRO DE ALLAH, ENTÃO RECITOU O AL QURÁN: “ENTRE OS QUE CRÊEM HÁ OS QUE CUMPRIRAM O PACTO COM ALLAH, HÁ OS QUE SE SACRIFICARAM SUAS VIDAS PARA CUMPRIR SUA PROMESSA E OUTROS QUE ESTÃO ESPERANDO MORRER SEM HAVER VIOLADO SEU PACTO O MÍNIMO SEQUER.” ( S. AHZAB V. 23)
Durante nove dias permaneceram no deserto, ao final dos quais o cerco se estreitou e o exército inimigo aumentou até o número de 30.000 homens. À noite, antes da batalha, Imam Hussein (as) reuniu seus parentes e companheiros e comunicou que os livraria de seu juramento de fidelidade para com ele, e que não tinham obrigação de tombar em Karbala com ele. Disse-lhes: “QUERIDOS AMIGOS, YAZID E SEUS HOMENS ANDAM ATRÁS DO MEU SANGUE E SE DECIDIS ENTREGAR-VOS ELES ESTARÃO CONTENTES EM DAR-VOS SALVO-CONDUTO PARA SAIR DE KARBALA. O QUE HAVEIS FEITO POR MIM É SUFICIENTE PROVA DE LEALDADE E VALENTIA.” E dizendo isso, ordenou que se apagassem as luzes das tendas para que quem quisesse entregar-se pudesse fazê-lo livremente e sem sentir vergonha. Depois de um bom tempo, Hussein (as) voltou a acender as luzes e viu as faces de todos seus amados parentes e companheiros banhadas em lágrimas. Muitos deles eram idosos e outros eram muito jovens e crianças; finalmente Habib Ibn Mazahir tomou a palavra: “Hussein, para nós tu és tudo, como poderíamos explicar que a vida para nós seria sem sentido sem tí?” O único pensamento que estava na mente de todos era defendê-lo até a última gota de sangue.
Muslim Ibn Awsala, venerável companheiro do Profeta (saas), também se encontrava no acampamento. Ele havia sido testemunha do amor do Profeta (saas) a seus netos. Apesar de sua avançada idade lhe restava agilidade para o combate que estava para acontecer, seu espírito luminoso mantinha forte sua determinação para a luta. Estava também entre seus fiéis companheiros Hamadain, um famoso e bravo guerreiro. Quando soube do cerco uniu-se ao Imam (as) para a luta pela causa de Allah. Foi ele quem, vendo chorarem de sede as crianças do acampamento (pois haviam cortado o acesso ao rio desde o primeiro momento) se dirigiu até a margem do rio para conseguir água. Os soldados de Amr Saad que se encontravam ali para impedi-lo perguntaram quem era. Respondeu: “Sou Burair Hamadain, seguidor do Imam Hussein e estou aqui para pegar água para as crianças do acampamento que estão sedentas.” “Pois não te daremos permissão para que colhas uma gota sequer para os filhos de Hussein.” Responderam. Cheio de fúria ao ouvir isso e com toda valentia, ele e os que lhe acompanhavam sacaram as espadas e lutaram com tanta energia e firmeza que dispersaram os soldados inimigos. Porém, quando retornava, uma flecha atravessou o recipiente não chegando uma única gota para aplacar a sede das crianças.
Hurr, filho de Yazid Riyahi, no princípio comandou o exército inimigo. Quando se estabeleceu na área ao encontrar com Imam Hussein (as) ele e seu exército estavam com as reservas de água esgotadas e estavam completamente exaustos. Quando Imam Hussein (as) os viu em tais condições lhes ofereceu de sua provisão de água para que bebessem, eles e seus cavalos. Na verdade, Hurr acreditava que poderia haver uma saída pacífica por negociações com Amr Saad, só na noite de 9 de Muharram quando foi anunciado por Amr Saad que não haveria mais trégua à Hussein e que no dia seguinte começaria o ataque, que então Hurr tomou consciência do grande erro que havia cometido forçando Hussein a ir para Karbala. Neste momento, Hurr decidiu e comunicou a seu filho e a seu criado: “Irei me unir ao neto do Profeta (saaw) esta mesma noite”. Ambos concordaram que era mais correto morrer ao lado do que participar e ser cúmplice da morte da Família do Profeta (saas), assim os três montaram em seus cavalos dirigindo-se ao acampamento de Hussein (as). Ao chegarem, puderam ouvir o sussurro de preces e litanias e o choro das crianças pequenas. Vendo-lhes chegar, Imam Hussein (as) e Abbas se aproximaram. Hurr caiu de joelhos e rogou perdão pelo mal que havia feito, com lágrimas nos olhos disse: “Ó Hussein, meu Senhor, venho para morrer antes que qualquer um dos teus seja morto e trago meu filho comigo para morrer defendendo a teus filhos, eu te imploro perdão.” Imam Hussein (as), emocionado abraçou-o e disse: “Meu nobre amigo, se há algo para ser perdoado já está esquecido” e sem o menor tom de amargura ou reprovação lhe deu boas vindas.
Imam Hussein (as) e seus companheiros dedicaram cada minuto desta noite à recordação de Allah. Ao despontar o dia, Ali Akbar fez o chamado à prece. Já desde esse instante o inimigo iniciou o ataque ferindo a 23 companheiros que haviam se colocado diante do Imam (as) para protegê-lo durante a oração.
Imam Ali Ibn Al Hussein “Zainul Abdin” (as) relatou: “Eu me encontrava enfermo e escutei que meu pai declarava a seus companheiros: “LOUVO A ALLAH COM O MELHOR LOUVOR E O LOUVO TANTO NA ALEGRIA COMO NA TRISTEZA. Ó ALLAH! EU VOS ERGO MEUS LOUVORES POIS NOS HONRASTE COM A PROFECIA, NOS MANDASTE O ALQURÁN E NOS INSTRUÍSTE NA RELIGIÃO, NÃO CONHEÇO COMPANHEIROS MAIS LEAIS E BONS QUE OS MEUS, NEM FAMÍLIA MAIS PIEDOSA E MAIS UNIDA QUE A MINHA. QUE ALLAH LHES RETRIBUA DE MINHA PARTE COM A MELHOR RECOMPENSA. Ó SENHOR MEU! TÚ ÉS O MEU AMPARO, O MEU RECURSO EM TUDO QUE ME ACONTEÇA.”
Os primeiros a voluntariamente saírem e morrerem no campo de batalha foram Hurr, seu filho e seu servo, que lutaram com grande valentia. Seguidamente, um a um, foram caindo em defesa do neto do Mensageiro de Allah (saas). Todos seus companheiros e parentes. Cada um deles enviou sua última saudação ao Imam (as), antes de partirem para o campo de batalha. Durante toda manhã os corpos purificados dos queridos mártires foram recolhidos e Imam Hussein (as) chorou sobre eles, emocionado por sua generosidade e amor ao Islam e a casa profética. Logo tombaram Ali Akbar, seu filho de 18 anos, os filhos de Imam Hassan (as) de 13 e 11 anos, os filhos de Zeinab e o filho recém-nascido do Imam Hussein (as) morreu quando estava em seus braços. As últimas palavras do Imam Hussein (as) antes de dar combate e encontrar o martírio foram: “SENHOR, TENHO PACIÊNCIA A RESPEITO DE TEU DECRETO, Ó SENHOR! NÃO HÁ DIVINDADE SENÃO TÚ Ó AMADO DOS QUE IMPLORAM AUXÍLIO”.
Um soldado chamado Harmala lançou uma flecha que atingiu seu coração purificado. Imam Hussein (as) caiu de seu cavalo perto de uma árvore, onde foi atingido por várias setas. Estava coberto de sangue e ainda vivo quando outro soldado chamado Chemer Ibn Dhil Jauchan se aproximou e decapitou-o. Os soldados atearam fogo às tendas, saquearam tudo e com as cabeças dos mártires nas pontas das lanças partiram no dia seguinte, levando as mulheres e as crianças como prisioneiras. Ao chegarem em Kufa desfilaram em uma procissão humilhante para aquelas pobres criaturas, exibindo as cabeças dos mártires e depois conduziram os prisioneiros à Damasco onde se encontrava Yazid. Os corpos de Imam Hussein (as) e seus fiéis companheiros permaneceram por três dias, sob o sol abrasador do deserto até que o Imam Ali Ibn Hussein (as) e outros homens que viviam perto de Karbala os recolheram e os sepultaram.
Imam Hussein (as) com sua nobre e corajosa atitude deixou selado com seu sangue que para liderar os muçulmanos se deve cumprir os mandamentos do Alcorão, estabelecer a justiça e ter completa fé na religião. Imam Hussein (as) ofereceu tudo que tinha com plena convicção de que o princípio de ordenar o bem e coibir o mal é primordial para salvaguardar o Islam e ofereceu sua vida por esta fé, deixou na história um testemunho que não pode ser apagado, que hoje, ontem e sempre seguirá guiando a ação dos verdadeiros muçulmanos. Disse Imam Hussein (as):
“Ó Allah! Tu sabes que tudo que fazemos não é por desejo de poder político ou de riquezas, mas sim, com o objetivo de demonstrar aos homens os brilhantes princípios e valores da tua Religião e para defender os direitos de teus servos oprimidos”.
Fontes de Pesquisa:
Artigo de Gómez Cendros
Bibliografia; La Vida de Los Doce Imames – Sayyed Tabatabai
Kitabul Irshad – Sheikh Mufid