Por: Noam Chomsky
Tradução: Ahmed Ismail
É um virtual reflexo dos governos alegar preocupações com segurança quando adotam qualquer ação controversa, frequentemente como um pretexto para alguma outra coisa. Um exame cuidadoso é sempre apropriado. A chamada barreira de segurança de Israel, objeto de audiências iniciadas na Corte Internacional de Justiça, em Haia, é um bom exemplo.
Poucos questionariam o direito de Israel de proteger seus cidadãos de ataques terroristas, nem mesmo de construir um muro de segurança se isso fosse um meio apropriado. Também é claro onde tal muro seria construído, se a segurança fosse a preocupação principal: em Israel, dentro da fronteira internacionalmente reconhecida, a Linha Verde estabelecida depois da guerra de 1948-49. O muro poderia ser tão hostil quanto as autoridades quisessem: patrulhado pelo exército em ambos os lados, pesadamente minado, impenetrável. Tal muro elevaria ao máximo a segurança, e não haveria violação da lei internacional.
Esta observação é bem compreendida. Embora a Grã-Bretanha apóie a oposição americana às audiências em Haia, seu chanceler, Jack Straw, escreveu que o muro é “ilegal”. Outro funcionário ministerial, que inspecionou a “barreira de segurança”, disse que ela deveria ficar na Linha Verde ou “realmente no lado israelense da linha”.
Uma comissão parlamentar de inquérito britânica também pediu que o muro seja construído em território israelense, condenando a barreira como parte de uma “estratégia deliberada” de Israel, de subjugar a população palestina.
O QUE ESTE MURO ESTÁ FAZENDO NA VERDADE, É TOMAR TERRAS PALESTINAS.
Também, está ajudando a transformar comunidades palestinas em masmorras, perto das quais os bantustões da África do Sul parecem símbolos de liberdade, soberania e autodeterminação. Antes mesmo da construção da barreira começar, as Nações Unidas estimaram que barreiras, projetos de infra-estrutura e colônias israelenses haviam criado 50 bolsões palestinos desconexos na Cisjordânia. Quando o projeto do muro estava vindo à luz, o Banco Mundial estimou que ele poderia isolar entre 250 e 300 mil palestinos, mais de 10% da população, e poderia efetivamente anexar até 10% do território da Cisjordânia. E quando o governo de Ariel Sharon finalmente publicou sua proposta de mapa, ficou claro que o muro dividiria a Cisjordânia em 16 enclaves isolados, confinados em apenas 42% do território que Sharon afirmara anteriormente que poderia ser cedida a um Estado palestino.
O muro já tomou algumas das terras mais férteis da Cisjordânia. E, crucialmente, ele estende o controle de Israel sobre recursos hídricos importantes, dos quais Israel e seus colonos podem se apropriar à vontade, enquanto a população local frequentemente fica sem água para beber.
Os palestinos na fresta entre o muro e a Linha Verde terão permissão para solicitar o direito de morar em suas próprias casas, os israelenses têm automaticamente o direito de usar essas terras.
“Esconder-se atrás de raciocínios sobre segurança e da linguagem burocrática aparentemente neutra das ordens militares é a porta para a expulsão dos palestinos” escreveu a jornalista israelense Amira Hass no diário Haaretz . “Gota a gota, sem ser vista, não tanto ao ponto de ser notada internacionalmente e chocar a opinião pública”.
O mesmo vale para os assassinatos regulares, o terror e a brutalidade, a humilhação diária dos palestinos nos últimos 35 anos de cruel ocupação, enquanto a terra e recursos foram tomados para colonos atraídos por amplos subsídios. Estes israelenses já transferidos para a Cisjordânia desfrutam de terra ampla e água fresca, enquanto 1 milhão de palestinos mal sobrevivem com seus escassos suprimentos de água praticamente inutilizáveis. Gaza é uma gaiola e, à medida que a cidade de Rafah, no sul, é sistematicamente demolida, os residentes podem ser privados de qualquer contato com o Egito e isolados do mar.
É equivocado chamar essas políticas de israelenses. São políticas americano-israelenses, tornadas possíveis pelo contínuo apoio militar, econômico e diplomático dos EUA a Israel. Tem sido assim desde 1971, quando, com o apoio americano, Israel rejeitou uma oferta de paz total com o Egito, preferindo a expansão à segurança.
Em 1976, os EUA vetaram uma resolução do Conselho de Segurança pedindo uma solução de dois Estados de acordo com um esmagador consenso internacional. A proposta de dois estados conta hoje com o apoio de uma maioria dos americanos e poderia ser executada imediatamente se Washington quisesse.
No máximo, as audiências em Haia acabarão numa advertência de que o muro é ilegal. Isto não mudará nada. Qualquer chance real de uma solução política – e de vidas decentes para o povo da região – depende dos EUA.
(N. Como previsto pelo autor, a Corte de Haia desaprovou a construção do muro. Israel com o apoio dos EUA prosseguiu a construção, certo de sua condição de ACIMA DA LEI enquanto contar com o apoio da Casa Branca).
NOAM CHOMSKI é professor de lingüística, de origem judaica, conhecido escritor e ativista nos EUA.