As narrativas seguintes foram atribuídas ao Imam Abu Ja’far Mohammad ibn Ali Al-Jawad (A.S.).
Quando Al Ma’mun, o califa abássida, decidiu dar sua filha, Ummmul Fadl, em casamento à Abu Ja’far Mohammad ibn Ali (A.S.), seus parentes protestaram e disseram, “Ó Amirul Mu’uminin, pedimos a ti que não nos prive do assunto em que temos a prioridade e a honra que conferimos a nós mesmos. És conhecedor da velha e da nova inimizade que existe entre nós e a família de Ali (bin Abi Talib)”.
Al Ma’mun, porém, pediu que não falassem mais no assunto, pois não daria ouvidos a nenhum protesto. Então, eles disseram: “Acaso darás em casamento a tua filha, o deleite de teus olhos, a um jovem que não possui conhecimento dos assuntos religiosos e que não é capaz de distinguir o halal do haram ou estimar o que está entre o obrigatório e o recomendável? Sugerimos que adies a questão até que o jovem (que tinha nove anos de idade) aprenda a recitação do Alcorão Sagrado e conheça o lícito e o ilícito”.
Al Ma’mun respondeu: “Ele conhece melhor os assuntos da religião do que vós, e é mais instruído nas questões que se referem a Allah, a Seu Mensageiro, a Sunnah e as normas. Além disso, recita o Alcorão Sagrado melhor do que vós e possui conhecimento profundo dos versículos decisivos, alegóricos, abrogadores, abrogados, específicos e gerais do Alcorão Sagrado. Ademais, reconhece a revelação e a interpretação do Alcorão Sagrado melhor do que vós. Perguntai a ele, se car comprovado o que alegastes, acatarei vossa sugestão, do contrário, irei em frente com minha decisão”.
Assim que se despediram do califa, os familiares de al Ma’mun mandaram chamar Yahya bin Akhtam, que era o qad’i (juiz) da corte, e prometeram a ele recompensas valiosas se conseguisse apresentar uma questão religiosa que não pudesse ser respondida por Abu Ja’far (A.S.). Abu Ja’far e outras pessoas, compareceram na reunião marcada em que os familiares de Al Ma’mun solicitaram ao califa a permissão para que Yahya apresentasse uma questão religiosa. Disse o califa: “Sim, Yahya, apresenta uma questão a Abu Ja’far, para que possamos examinar a extensão de seu conhecimento nos assuntos religiosos”.
“Ó Abu Ja’far,” perguntou Yahya, “Allah te orienta à virtude, o que dizes sobre um muhrim que abateu uma caça?”
O Imam (A.S.) disse, “Esse muhrim abateu a caça no Território Sagrado ou fora dele? Tinha ciência do que fazia ou era ignorante? O fez intencionalmente ou não? Era um servo ou um homem livre? Era uma criança ou um adulto? Era a primeira vez que o fazia ou não? O animal abatido era um pássaro ou não? Era um animal jovem ou velho? Estava o muhrim com remorso pelo que fez ou não? Abateu o animal em seu ninho ou à luz do dia? Estava naquele momento com a intenção de realizar o hajj ou a visita a Caaba?”
O embaraço de Yahya ficou muito claro a todos os presentes. As pessoas também não puderam esconder sua surpresa com os detalhes citados por Abu Ja’far (A.S.). Então, Al Ma’mun pediu ao Imam (A.S.) que falasse ou que declarasse sua intenção de casamento com sua filha3.
O Imam (A.S.) disse: “Todo louvor pertence a Allah como um reconhecimento de Sua graça. Todo louvor é devido a Allah como uma demonstração de respeito à Sua onipotência. Allah abençoa Mohammad e a sua família sempre que é mencionado. Uma das ordens de Allah aos Seus servos foi que Ele lhes apresentasse os procedimentos lícitos de maneira que não precisassem recorrer ao ilícito. Ele, o Majestoso, diz: “Casai os celibatários dentre vós, e também os virtuosos dentre vossos servos e servas. Se forem pobres, Allah os enriquecerá com a Sua graça, porque é Munificente, Sapientíssimo”. (Alcorão Sagrado, C.24 – V.32)
Mohammad bin Ali declarou sua intenção de casamento com Ummul Fadl bint Abdullah (al Ma’mun) e pagou a ela quinhentos dirhams como dote. Al Ma’mun convidou os presentes para um banquete naquela ocasião e presenteou a cada um, segundo sua posição, os de classe superior, os populares, os destacados e os o ciais. Quando a maioria das pessoas havia ido embora, Al Ma’mun pediu a Abu Ja’far (A.S.) que explicasse a norma para cada tipo de muhrim que abatesse uma caça tal como ele havia mencionado antes.
O Imam (A.S.) disse: “O muhrim que abate uma ave de grande porte fora do Território Sagrado deve pagar, como expiação, uma ovelha. Se abater a ave dentro do Território Sagrado, nas mesmas condições anteriores, a expiação deverá ser dobrada. Se ele abater um pintinho fora do Território Sagrado, deve pagar um carneiro como expiação. Contudo, não deverá pagar o valor da ave abatida. Se abater um pintinho dentro do Território Sagrado, a expiação será um carneiro e o valor da ave abatida. Se o animal abatido for uma zebra, a expiação será uma vaca e se for uma avestruz, será um camelo. No caso em que for impossível para ele pagar tais expiações, deverá então alimentar sessenta necessitados. Se isso também não for possível, deverá jejuar dezoito dias. Se o animal abatido for uma vaca, o muhrim deverá pagar uma vaca em expiação. Se não puder fazê-lo, deverá alimentar trinta necessitados. Se também não puder fazê-lo, deverá jejuar nove dias. Se o animal abatido for um antílope, o muhrim deverá compensar com uma ovelha, em expiação. Se não puder fazê-lo, deverá alimentar dez necessitados. Se também não puder fazê-lo, deverá jejuar três dias. A expiação será dobrada se os animais tiverem sido abatidos dentro do Território Sagrado. O animal a ser utilizado na expiação deve ser obrigatoriamente oferecido na Caaba, e, para aqueles que realizam o hajj em Mina, o animal deverá ser Sacrificado no local onde os peregrinos fazem seus sacrifícios. Se for durante a visita (umrah), o animal deve ser Sacrificado em Mecca, na área da Caaba. Além disso, o muhrim deve dar esmolas equivalentes ao preço do animal para que a expiação seja dobrada. O muhrim que abater uma lebre ou uma raposa, deverá compensar, como expiação, com o valor de uma ovelha em caridade. O muhrim que abater algum dos pombos do Território Sagrado deverá dar um dirham em caridade e comprar comida para os pombos que ali vivem, no valor de um dirham. Meio dirham deverá ser empenhado em expiação se um filhote de pombo for abatido. A expiação para um ovo de pombo, é de um quarto de dirham.
Não se exige dos muhrims qualquer expiação por seus atos cometidos sem intenção ou sem conhecimento, exceto os animais abatidos para os quais deverão pagar a expiação, quer seja em desconhecimento ou ignorância da norma, intencionalmente ou não. Os senhores deverão pagar integralmente as expiações que forem impostas aos seus servos. Nenhuma expiação é imposta aos meninos que não são ainda responsáveis por seus atos que tiverem abatido um animal, porém, se reincidirem, Allah os castigará. Os muhrims que fizerem alusão ao local onde está um animal, que, em consequência disso, venha a ser abatido, deverão pagar uma expiação. Aquele que reincidir no abate de animais durante o estado de ihram enfrentará a punição na vida futura. Aquele que se arrepender por ter abatido um animal em estado de ihram, será perdoado, depois de que tiver pago a devida expiação. Se um muhrim abater uma caça em seu ninho durante a noite, sem intenção, não terá que pagar qualquer expiação, a menos que sua intenção tenha sido caçar um animal. O muhrim que pretender caçar à noite ou durante o dia, deverá pagar algo em expiação. O muhrim que estiver realizando o hajj deverá Sacrificar o animal expiatório em Mecca”.4
Al Ma’mun deu ordens para que se registrasse as explicações de Abu Ja’far (Imam Al Jawad). Em seguida, voltando-se para os seus parentes, que o tinham criticado por dar sua filha em casamento ao Imam, perguntou: “Algum de vós é capaz de encontrar tais respostas?” “Não, por Allah”, responderam, “Nem mesmo o qad’i é capaz disso”. Então, disseram a Al Ma’mun, “Ó Amirul Mu’uminin, tu o conheceste tão profundamente e nós, não. Qual a razão disso?” Al Ma’mun respondeu, “Ai de vós! Não sabeis que ele, como também a sua família, não é uma pessoa comum? Não sabeis, acaso, que o Profeta (S.A.A.S.) aceitou o juramento de obediência de Al Hassan e Al Hussein quando eram crianças, e não aceitou tal juramento de nenhum outro jovem? Não sabeis que o pai daquela Casa, Ali (A.S.), acreditou no Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) quando tinha apenas nove anos de idade? No entanto, Allah e o Profeta aceitaram sua fé de modo exclusivo. Ademais, o Profeta não chamou nenhum outro jovem além de Ali, para o Islam. Não sabeis que no caso daqueles que descendem um do outro tudo o que se aplicar ao primeiro será aplicável ao último?”
2 Muhrim é aquele que veste a vestimenta da peregrinação à Meca e intenciona realizá-la no devido período e seguindo as devidas condições.
3 O verbo árabe “Ukhtub” possui dois sentidos: fazer sermão ou propor casamento.
4 A norma aqui contraria a anterior; portanto, devemos considerar a afirmação um erro de redação.