O papel do ensino e das escolas na convivência pacífica e a importância do ensino no mundo islâmico
Grande parte da crise que hoje enfrenta o mundo árabe-islâmico tem raízes na educação. Os muçulmanos desde sempre atribuíram um importante papel à educação. Recomendavam viajar para ampliar os conhecimentos e não é acaso o fato de que três das dez grandes universidades da antiguidade tenham sido muçulmanas: Al Qarawyyn (Marrocos- 850), Al Azhar (Egito- 970) e Al Nizamya (Iraque sec.XI).
O idioma árabe foi também língua de comunicação por excelência na antiguidade. De modo que o papel das universidades islâmicas foi decisivo na preservação do patrimônio cultural daquele período da história e estendeu uma ponte entre Oriente e Ocidente.
Entre os ocidentais, devemos destacar o papel de personalidades que se esmeraram em aproximar esses dois mundos por meio do conhecimento: Abelardo, Ramón Lul, Nocolás de Cusa, Juan de Segóvia, Lessing e Bodino. Um papel especial foi desempenhado por São Francisco de Assis, que atuou como mediador diante do Sultão Malik al Kamil do Egito, durante a quinta cruzada.
Não podemos deixar de mencionar o papel fundamental da escola de tradutores de Toledo. Assim, chegaram as obras clássicas gregas ao ocidente, como também obras de autores árabes como o poeta sírio Ibn Al Marri, que na atualidade não se discute sua influência sobre a obra de Dante Alighieri. Não obstante o genial florentino não tenha conhecido diretamente o trabalho de Al Marri, seu mestre Brunetto Latini estava ciente do grande impacto que os muçulmanos haviam causado à cultura da região.
O auge da cultura islâmica em termos gerais termina em 1258, com a queda de Bagdá nas mãos dos mongóis. Esses conquistadores não vacilaram em lançar ao rio Tigre, livros e professores. E a decadência da importância geoestratégica do mundo árabe-islâmico trouxe profundas consequências. Essa civilização possuía até o início do séc. XVI a proeminência nas ciências e na tecnologia, áreas em que superavam em muito o Ocidente.
Assim, teria que retomar o ritmo, e nesse contexto cabe mencionar o contato que um nobre libanês, o emir Fajredin, realiza com a Itália renascentista.
Não podemos esquecer a tarefa dos jesuítas no Oriente Médio, os mesmos que haviam sido expulsos das terras americanas em 1767. A grande universidade Católica de Beirute é fruto desse esforço.
Chegam também missões protestantes ao Oriente Médio. O Egito por sua vez envia a primeira delegação de estudantes para aperfeiçoamento na França, no ramo das ciências humanas, em 1826. Um dos destacados elementos dessa primeira delegação foi Rifah Al Tahtawi (1801-1873) que exortou os muçulmanos a abrirem-se a um mundo novo de ideias políticas e sociais.
Diante da situação de prostração do mundo islâmico iam surgindo algumas respostas, como a tradicionalista. A mesma constitui os elementos básicos da ideologia fundamentalista dos wahabitas, sobretudo de Al Afghani e seus discípulos: Mohammad Abdul Rasid e Al Kawakib da Síria. Para esses, a religião é a única capaz de unificar a nação, de dar forma à consciência nacional, de manter a coesão entre os diferentes elementos da sociedade.
Mohammad Ibn Abd Al Wahab (1703-1792) foi muito mais categórico. Em seu livro “A Unicidade Divina” acusa os demais muçulmanos de politeísmo. Ibn Taymyya, nascido em Harran, Síria, foi um pensador fortemente influenciado por Wahab.
Uma segunda opção foi a proposta liberal. Após a Segunda Guerra Mundial surgia a problemática da liberdade. Um grande número de partidos, parlamentos e constituições surgem e tomam por modelo o Ocidente.
Uma terceira alternativa foi a socialista, caracterizada por golpes de estado e reivindicações sociais e econômicas, como na Síria (1948), Egito (1952), Iraque (1958) e Líbia (1969). Essa etapa se traduziu politicamente por verdadeiras lutas de independência, socialmente pela transformação social e materialmente pela industrialização estatal e as reformas agrárias.
Devemos mencionar também a variante nacionalista, a problemática do arabismo. Com a revolução egípcia, a corrente nacionalista chegou ao seu momento glorioso. Nasser foi o último líder. A guerra de 1967 marcou o fim do sonho nacionalista. Os acordos de Camp David põem um ponto final a essa corrente.
Por último está a resposta desenvolvimentista. Inspira-se numa visão truncada do desenvolvimento. Fortalecida pelo aumento do preço do petróleo em 1973 e o rápido crescimento de alguns países árabes.
Pelo que foi mencionado, podemos observar que o caminho ao desenvolvimento, à cooperação e à convivência pacífica é a educação, nas escolas e universidades com o intuito de construir uma nova sociedade de compreensão e tolerância, e pensamos que seria um bom instrumento para alcançar esses fins “a aliança das civilizações”, programa adotado pela ONU em 26 de abril de 2007.
Dr. Alejandro Hamed Franco
Professor Universitário, Ex Ministro das Relações Exteriores do Paraguai e Ex Embaixador do Paraguai na Síria e no Líbano.
Encontro Islâmico no Brasil – Os muçulmanos e a luta contra o terrorismo e o radicalismo.
São Paulo, 29 de julho de 2017.