O Islam e as Escolas de Jurisprudência

Em nome de Deus, O Clemente, O Misericordioso

Por S. H. Al Musawi.
Traduzido por Ismail Ahmed Barbosa Júnior

Nos dias do Mensageiro de Deus (S.A.A.S.) os primeiros muçulmanos costumavam recorrer diretamente a ele para o esclarecimento das questões e dúvidas sobre os mais diversos assuntos. Após o falecimento do Profeta (S.A.A.S.) certas questões e circunstâncias novas surgiram entre os muçulmanos, o que é absolutamente normal nas sociedades; nessa época as pessoas recorriam a alguns dos companheiros do Profeta (S.A.A.S.) tais como Ali Ibn Talib (A.S.), Abdullah Ibn Abbas, Abdullah Ibn Masud e outros. Assim, eles encontravam eventualmente pareceres levemente divergentes sobre algumas questões, as vezes, tão logo que uma opinião correta ou mais apropriada tornava-se conhecida as pessoas a adotavam.

A geração que se seguiu recorreu aos Tabi`in (discípulos dos companheiros), viu-se então mais pessoas exercendo o Ijtihad com diferenças de opinião, muito embora ainda não existisse escolas de jurisprudência como existem hoje. Após o assassinato do terceiro Califa, Uçman Ibn Affan, a maioria dos muçulmanos juraram fidelidade ao Imam Ali Ibn Abu Talib (A.S.) porém, Muawiah ibn abu Sufian recusou-se a isso. Ele estabeleceu um estado independente na Síria e escolheu seus próprios sábios jurisconsultos. Isto provocou a cisão entre os muçulmanos, num tempo em que a maioria dos muçulmanos e dos companheiros do Profeta (S.A.A.S.) consideravam Imam Ali (A.S.) o legítimo Califa e o mais sábio de todos eles.

Quando Muawiah levantou-se contra Imam Ali (A.S.) perpetrando a guerra e a rebelião contra um governante legítimo e justo, havia uma forte tendência a aceitação do Imamato de Ali (A.S.) e de seus dois filhos, Hassan e Hussein (A.S.), membros da casa do Profeta (S.A.A.S.), a quem o Alcorão honrou e ordenou o amor e a salvaguarda. Portanto, essa aderência aos Ahulu Bait (A.S.), o que é conhecido como Xiismo, era naquele momento um forte movimento que acendeu a oposição de Muawiah (e dos hipócritas que há muito ansiavam dividir os muçulmanos).

Após o martírio do Imam Ali (A.S.), seu filho Hassan (A.S.) foi estabelecido como Califa, entretanto, Muawiah fortaleceu sua oposição diante do fraco empenho dos muçulmanos em apoiar o legítimo Imam. Imam Hassan (A.S.) viu-se forçado a abdicar e ceder o Califado sob um acordo com Muawiah, afim de interromper a crescente onda de divisão entre os muçulmanos. Todavia a situação agravou-se quando Yazid Ibn Muawiah, que sucedeu seu pai no califado de modo odioso e covarde, investiu contra a Família do Profeta (S.A.A.S.), martirizando o Imam Hussein (A.S.), seus companheiros e parentes em Karbala (Iraque), no ano de 61 da hijra.

Até este tempo não existiam escolas distintas de jurisprudência como hoje existem. Muito embora existissem duas facções políticas em oposição: Os que apoiavam a Família do profeta (S.A.A.S.) e os que apoiavam o clã omíada (o clã de Muawiah).

Após a metade desse primeiro século os ensinamentos islâmicos espalharam-se e matérias como a interpretação do Alcorão, as Tradições e o Fiqh tornaram-se bem conhecidas. No segundo século esse processo desenvolveu-se mais ainda, surgiram muitos juristas e Sábios que praticavam o Ijtihad e conseqüentemente, diferentes opiniões e deduções. É por isso que encontramos hoje algumas diferentes opiniões e pareceres jurídicos entre os muçulmanos. Foi somente neste segundo século, sob influência do governo Omíada que estas diferentes opiniões tornaram-se distintas escolas de jurisprudência, sendo que quatro destas escolas foram reconhecidas pelos Omíadas, enquanto que a escola xiita ou Fiqh Jafari, em virtude de seu caráter único e historicamente reivindicador do justo direito dos Ahlul Bait (A.S.) permaneceu como uma oposição ao governo Omíada, não sendo portanto reconhecida pelos mesmos.

Uma Explanação sobre as Principais Escolas

A Escola Hanafi

É a que segue as opiniões do sábio Abu Hanifa, nascido em 80 (hijra) na Pérsia. Ele foi educado em Kufah, onde estudou com um Tabiin de nome Hammad ibn Abi Salamah por 18 anos. Logo, tornou-se um sábio destacado de seu tempo desenvolvendo seus próprios pareceres e exercendo o Ijtihad. Baseava-se em “opinião e analogia”, metodologia que foi refutada por Imames de outras escolas (Malik, Hambal, Jáfar entre outros). Sua escola de pensamento espalhou-se por diversas partes do mundo islâmico e hoje é majoritária entre os muçulmanos.

Abu Hanifa viveu por 52 anos sob o governo Omíada; não concordando com este governo e acreditando que o direito ao califado pertencia aos filhos de Ali (A.S.), Abu Hanifa emitiu um fatwa (parecer) em apoio à revolução dos Alawi liderada por Zaid ibn Ali Ibn Hussein, chegando mesmo a asseverar sobre o pagamento de Zakat àqueles revolucionários. Os Omíadas, tentando cooptar seu apoio ofereceram a posição de juiz a Abu Hanifa que recusou. Em virtude disso foi preso e chicoteado por alguns dias quase até a morte, porém o carcereiro ajudou-o a fugir. Ele refugiou-se em Makka e Medina por 2 anos, permanecendo em Medina até a queda dos Omíadas e a ascenção dos Abássidas. Abu Hanifa recusou-se a cooperar com os abássidas e conseqüentemente foi aprisionado por Mansur, que ordenou que o torturassem, assim, ele foi assassinado a chicotadas (110 chicotadas).

Abu Hanifa disse: “Esta é minha opinião e isto é o melhor do que eu posso pensar disso. Se alguém trouxer outra opinião nós podemos aceitá-lo. É haram para qualquer pessoa emitir Fatwa baseado em minhas palavras sem conhecer minha prova.”

Depois de sua morte seus discípulos, como Abu Yusuf, entraram em bons termos com os Abássidas, fazendo uso de seus postos no governo para propagar suas opiniões.

A Escola Maliki

É a que adota o Fiqh de Malik Ibn Anãs nascido em Medina em 93 (hijra). Malik estudou com alguns juristas de seu tempo como Nafi, o escravo liberto de Abdullah Ibn Umar e também com o Imam Jafar Assadeq (A.S.).

Durante o período Omíada ele alcançou fama como sábio, depois da queda dessa dinastia e a ascenção dos abássidas, ele também emitiu Fatwa conclamando apoio popular à revolução de Mohammad Ibn Abdillah Ibn al-Hassan. O governo abássida aprisionou-o e flagelou-o com 50 chicotadas até que seu ombro direito fosse deslocado devido a violência dos golpes. Posteriormente, o Califa Mansur mudou seu pensamento e melhorou suas relações com Malik, e solicitou que ele escrevesse um livro jurídico para que fosse adotado pelo povo. Malik escreveu al-Mawwata, e deste modo seu Fiqh propagou-se especialmente pelo norte da África e em Andaluzia. Malik morreu em 179 (hijra).

Sobre sua opinião jurídica ele costumava dizer: “Eu sou humano e posso estar certo ou errado; assim, comparem o que eu digo ao Alcorão e a Sunna”.

A Escola Xafyy

Segue os ensinamentos de Mohammad ibn Idris Xafi, que nasceu em 150 (hijra). Ele instruiu-se com vários ulama (sábios) de seu tempo, tais como Muslim Ibn Khalid al Makhzumi e Malik Ibn Anas. Após a morte de Málik , Xafi exerceu algumas funções oficiais no Iêmen. Durante o governo de Ar-Rashíd em 178 (hijra) ele foi acusado de apoio aos Alawitas sendo levado a julgamento em Bagdá com outros prisioneiros. Alguns foram mortos, Xafi porém, escapou da morte e viajou para o Egito e ali se estabelecendo desenvolveu seu Fiqh, o qual se propagou por vários países islâmicos.

A Escola Hambali

Segue os ensinamentos de Ahmad Ibn Hambal nascido em 164 (hijra) em Bagdá. Ele foi discípulo de Xafi e de Abu Yusuf, e também aprendeu com outros Sábios de sua época. Sua escola não se expandiu tanto como as anteriores, ficando circunscrita especialmente no Hijáz (região da Península Arábica). Hambal faleceu em Bagdá em 241(hijra).

A Escola Jafari (Xiita)

É a que segue a orientação legada pelo Profeta (S.A.A.S.) ao Imam Ali (A.S.) e a seus descendentes, e que se fundamenta no encargo divino do Imamato dos Ahlul Bait (A.S.), crendo portanto nos 12 Imames (A.S.) da linhagem do Profeta (S.A.A.S.).

Imam Jafar Assadeq (A.S.) nasceu em 82 (hijra), durante a dinastia omíada. Ele foi educado e instruído sob a supervisão de seu pai, Imam Mohammad al-Baquer (A.S.) de quem recebeu os ensinamentos legados de geração em geração provindos diretamente do Profeta (S.A.A.S.), com base nesse legado Imam Jafar (A.S.) emitiu milhares de pareceres concernentes às mais diferentes e variadas questões, sistematizando o Fiqh xiita e proporcionando um vasto conhecimento a inúmeros sábios. O número de estudantes e confiáveis narradores e teólogos que receberam seu conhecimento foi estimado em 4000, e certos historiadores calculam que este número tenha sido muito maior.

Os sábios e historiadores contemporâneos reconheceram seus méritos, seu ascetismo e sua erudição. Malik Ibn Anas (imam dos malikitas), que estudou com ele, declarou: “eu costumava visitá-lo em tempo integral e eu nunca o vi em outro desses 3 estados: ou estava em prece, ou em jejum ou estava recitando o Alcorão”.

Imam Jáfar (A.S.) narrou milhares de tradições citando como fontes seus antecessores, debateu com grandes sábios e filósofos, refutou os ateístas e apóstatas provando falsos seus desvios e opiniões equivocadas. Sobre a autoridade de seus ensinamentos disse: “Minhas tradições são as de meu pai e as tradições dele são as de meu avô, e as de meu avô são as de Ali Ibn Abu Taleb, e as de Ali Ibn Abu Taleb são as do Mensageiro de Deus, e as tradições do Mensageiro deDeus são as palavras de Deus, O Poderoso, O Altíssimo.”

Imam Jafar (A.S.) morreu aos 68 anos em 148 (hijra), seu corpo purificado repousa no cemitério de Baqi em Medina.

Conclusões Importantes

Nós sabemos que o Islam trazido pelo Profeta (S.A.A.S.) não tinha seitas ou diferentes preceitos, as atuais diferenças foram geradas por circunstâncias políticas e históricas que produziram diferenças do Ijtihad dos sábios. Todos os Muçulmanos são uma única nação (Ummah). Individualmente devemos buscar o entendimento e não alimentar o que divide os muçulmanos, devemos também buscar o preceito correto (pelo estudo e pelo raciocínio) agindo em acordo com o preceito que esteja baseado em correta prova, com ampla compreensão e um fiel testemunho.

O conhecimento da história verídica dos primeiros tempos do Islam é de suma importância nessa busca, para desfazer as más interpretações e as idéias preconcebidas que os hipócritas e os ignorantes por séculos têm insuflado com o objetivo de confundir e alimentar rivalidades em meio aos muçulmanos.

Os erros e os desmandos cometidos por tiranos travestidos de líderes da Ummah produziram distorções e desvios que enfraqueceram a nação muçulmana em todos os campos; possibilitaram inclusive que seitas heréticas surgissem alimentando ainda mais o extravio nas camadas populares. Movimentos heréticos e flagrantemente contrários ao verdadeiro Islam como Wahabi na Arábia Saudita, Baha”i no Irã, Ahmadiyah no Paquistão e a Seita Ismaelita são sintomas dessa situação lamentável em que a nação islâmica se encontra.

Mais do que nunca os verdadeiros muçulmanos devem unir-se e buscar o conhecimento correto que desfaça os desentendimentos que os separam.

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