Sermão de sexta-feira da Mesquita do Brás – Sheikh Wissam Issa – As características da vida – 04/01/2019

Em nome de Deus, O Clemente, O Misericordioso.

Louvado seja Deus, o senhor do universo. Que a paz e as bênçãos de Deus estejam sobre o nosso senhor, o selo dos profetas, Mohammad ibn Abdillah (S.A.A.S.), sobre seus purificados Ahlul Bait (A.S.), sobre seus bons companheiros e todos os que os seguem verdadeiramente até o juízo final. Ó Deus nosso, perdoe os fiéis e as fiéis, os vivos e os mortos.

Servos de Deus, recomendo a todos o temor a Deus, louvado seja. O temor que constrói uma vida boa, estabelecida e tranquila ao ser humano, em ambas as suas vidas.

Deus disse no Alcorão Sagrado: “Qual! Quando a terra for triturada fortemente (21) E aparecer o teu Senhor, com os Seus anjos em desfile (22) E o inferno, nesse dia, for destacado, então o homem recordará; porém de que lhe servirá a recordação! (23) Dirá: Oxalá tivesse diligenciado (na prática do bem), durante a minha vida! (24)” (89)

Numa outra passagem Deus disse no Alcorão Sagrado: “E que é a vida terrena, senão diversão e jogo? Certamente a morada no outro mundo é a verdadeira vida. Se o soubessem!” (29:64

O ser humano vive vários tipos de vidas, e cada uma é diferente da outra, aborda condições e termos diferentes. O que há de concordância entre todos é que há quatro tipos de vidas:

1) A vida no útero

2) A vida terrena

3) A vida do Barzakh (estado intermediário)

4) A vida eterna

A vida no útero é a vida onde o corpo se forma e se mistura com o espírito da pessoa. Alguns dizem que o espírito ingressa no corpo a partir dos 4 meses de idade. Toda esta etapa é vivida em um tempo e local limitado. Para que isso? Para preparar o ser humano a viver a próxima vida.

O segundo tipo de vida é esta que nós estamos vivendo agora, a qual começa com o nosso nascimento e se finaliza com nossa morte. Esta vida possui diversas características e atributos, com leis e regras.

Primeiro: A realidade da vida.

O ser humano vive com a desestabilização, sofrimento e dores nesta vida. Ela não foi criada para a felicidade e conforto. Esta vida foi feita para agir e trabalhar, para se preparar. O auge da felicidade desta vida está mesclado com o sofrimento e a dor, ela é curta e não tem estabilidade.

Como disse o Imam Ali (A.S.): “Pobre filho de Adão, o momento do fim é desconhecido, os males escondidos e as ações registradas. Um inseto o incomoda, faz com que engasgue e o mata, e o seu suor é insuportável”.

Momento do fim é desconhecido…

Ele não sabe o quanto vai viver, se vai ser 1, 10, 20 ou 100 anos.

Os males escondidos…

Ele não sabe, mas a qualquer momento pode começar uma dor ou um desconforto dentro dele.

Ações registradas…

Nenhuma de suas práticas será esquecida. Tudo que ele praticar estará sendo registrado e coletado para o dia do juízo final. Como Deus mesmo disse no Alcorão Sagrado: “…Ai de nós! Que significa este Livro? Não omite nem pequena, nem grande falta…” (18-49)

Um inseto o incomoda…

Mesmo se formos maiores e mais fortes, até mesmo um inseto, o qual às vezes nem enxergamos, pode nos incomodar.

Faz com que engasgue e o mata…

Às vezes a pessoa está comendo ou bebendo algo e engasga e morre.

E seu suor é insuportável…

Seja lá quem for ele, se ficar suado todos, inclusive ele mesmo, ficarão incomodados com o cheiro de seu suor.

Esta é a realidade da vida de acordo com o dito do Imam Ali (A.S.). Seja lá quem for este ser humano, se for presidente, rico, juiz, rei, governante ou simplesmente uma pessoa pobre e humilde. Todos são iguais perante as condições reais desta vida. Esta vida nunca será diferente, pois enquanto ela existir será esta a sua realidade, será uma vida de sofrimento e muito limitada.

Segundo: Trabalho e ação.

Esta vida tem a característica de ser uma vida na qual o ser humano precisa agir para tudo, para viver, para se sustentar, para conhecer, para aprender, enfim, para tudo. Ele precisa da família, de alimento, de filhos, de sustento, e para conseguir ele tem que sair em campo para conquistar. Ele é obrigado a sair, pois a continuação de sua vida depende disso e ele tem que buscar e agir para continuar vivo.

Terceiro: O preparo.

Essa vida é parecida de uma forma ou de outra com a vida no útero, pois é uma preliminar para a outra vida. A vida no útero prepara o ser humano para vida nova de uma forma correta. O ser humano se vê obrigado a se empenhar, trabalhar e conquistar a outra vida após a morte. Ele é obrigado a praticar o bem, buscar o conhecimento, adorar a Deus, tudo isso para que possa conquistar a outra vida. O ser humano só nasce ou sai do útero de sua mãe quando estiver maduro e desenvolvido para poder viver a nova vida. Para conquistar a outra vida o ser humano terá que ter acreditado em Deus, em suas mensagens e em todas as questões que Deus ordena, e assim o ser humano será levado para a outra vida. O ser humano que não se empenhar e não buscar o conhecimento não vai carregar nada senão o sofrimento desta vida. O ser humano deve agir e trabalhar, correr atrás. O Profeta Mohammad (S.A.A.S.) disse: “Esta vida é uma plantação para a outra”. A pessoa planta e colhe na outra vida. Esse mundo é o mundo da ação, o mundo do trabalho.

Numa outra passagem o Imam Ali (A.S.) disse: “Em verdade, o mundo é transitório, passa rápido, o que sobrou desse mundo foram as gotas de um recipiente”.

A pessoa que toma água num recipiente observa que sobrou algumas gotas. Essa vida para o Imam Ali (A.S.) é como aquelas gotas que ficaram no recipiente. Vocês já viram alguém bebendo e se importando com estas gotas? Não. Porque são tão poucas e insignificantes que o ser humano não deve valorizá-las tanto. Hoje é o dia da ação sem o julgamento, e na outra vida será o julgamento sem ação. Esta vida é uma das melhores para agir. Isso para evitar que cheguemos na outra vida e digamos o que o malfeitor dirá: “…Oxalá tivesse diligenciado (na prática do bem), durante a minha vida!” (89:24).

Devemos aproveitar da oportunidade, praticar, enriquecer e não desperdiçar nossa energia e nosso tempo por esta vida esquecendo da outra. O Alcorão Sagrado diz: “Mas procura, com aquilo com que Deus tem te agraciado, a morada do outro mundo; não te esqueças da tua porção neste mundo…” (28:77). Em verdade essa vida vale para que o ser humano se empenhe para ter o agrado e a satisfação de Deus na outra vida. Eu digo isso para mim e para os próximos, muitas pessoas se empenham por essa vida de tal maneira como se foste apenas ela e não houvesse outra. Eles deixam de ganhar a outra vida. Alguns entendem esse verso de uma forma contrária. O verso nos diz para se empenhar nessa vida e assim ganhar a outra vida, e não para se matar nesta vida para apenas conquistar esta vida.

Digo para mim e para as outras pessoas, os meus irmãos, que infelizmente as pessoas enxergam essa vida, gastam seu potencial por esta vida e não para a outra. Talvez elas não gostem de se empenhar para a outra vida, e isso é algo contrário ao propósito pelo qual o ser humano foi criado, contrário aos ensinamentos de Deus. Então, esta vida deve ser uma forma de conquistar a outra.

Quarto: O ser humano é alvo de Satã

Uma das questões desta vida é o fato que nela o ser humano é o alvo preferido de Satã, para desviá-lo da senda e do caminho certo. Deus disse no Alcorão Sagrado: “… a alma é propensa ao mal…” (12:53). Numa outra passagem Deus disse no Alcorão Sagrado, sobre Satã: “Disse (Satanás): Por Teu poder, que os seduzirei a todos (82) Exceto, entre eles, os Teus servos sinceros! (83)” (38). Numa outra passagem Satã diz: “E, então, atacá-los-ei pela frente e por trás, pela direita e pela esquerda e não acharás, entre eles, muitos agradecidos!”. (7:17)

O ser humano deve estar ciente dos ataques do diabo, que quer desviá-lo da senda reta. Ele deve agradecer a Deus e pedir para ser orientado e guiado diariamente.

Depois de tudo isso, o ser humano deve focar e observar a outra vida porque foi para aquela vida que ele foi criado. Ele só deve buscar os elementos que o fazem ser um bom ser humano, para ganhar a outra vida. O seu propósito e objetivo deve ser alcançar os mais elevados graus e chegar nas proximidades de Deus, e estar na companhia dos profetas, dos Imames, dos mártires e dos bondosos no dia do Juízo Final.

A única oportunidade é essa vida, que nós vivemos para conquistar a outra, e não se deve desperdiçá-la com bobagens e besteiras, pois não teremos mais outra oportunidade. O ser humano deve se empenhar para conseguir alcançar o agrado de Deus e a outra vida com base em dois elementos:

Primeiro: conhecimento e sabedoria

Sobre o conhecimento e sabedoria, nenhuma religião, doutrina ou livro sagrado se importou tanto com o conhecimento como o Islam. Deus disse no Alcorão Sagrado: “…Os sábios, dentre os servos de Deus, só Ele temem, porque sabem que Deus é Poderoso, Indulgentíssimo (28) Por certo que aqueles que recitam o Livro de Deus, observam a oração e fazem caridade, privativa ou paladinamente, com uma parte daquilo com que os agraciamos, almejam um comércio imorredouro (29) Deus lhe pagará as suas recompensas e lhes acrescentará de Sua graça, porque é Compensador, Indulgentíssimo (30) E o que te revelamos do Livro é a verdade que corrobora os Livros que o precederam; sabei que Deus está inteirado, e é Observador de Seus servos (31)” (35)

Quanto mais a pessoa tiver conhecimento mais terá temor a Deus. O profeta Moisés (A.S.), procurou pelo conhecimento do Hoder quando lhe disse com toda humildade: “E Moisés lhe disse: Posso seguir-te, para que me ensines a verdade que te foi revelada?” (18:66). Moisés, o profeta, o grande sábio, o maior de todos, que falava com Deus, com toda humildade pediu permissão para acompanhar Hoder para aprender com ele.

O profeta Mohammad (S.A.A.S.) foi o mais sábio e conhecedor, mas mesmo assim ele disse como registrado no Alcorão Sagrado: “Exaltado seja Deus, o Verdadeiro Rei! Não te apresses com o Alcorão antes que sua inspiração te seja concluída. Outrossim, dize: Ó Senhor meu, aumenta-te em sabedoria!” (20:114)

A busca pelo conhecimento deve ser sincera e com uma pura intenção a Deus, e não para se mostrar ou dominar as pessoas. Não é importante o quanto ele sabe e sim a busca por mais conhecimento com sinceridade, se afastando da arrogância ou de tirar proveito da posição, porque ter conhecimento é uma das formas de se aproximar de Deus, e Deus ama todos aqueles que se apegam a uma das suas características.

Segundo: a prática do bem

No Alcorão Sagrado Deus cita em muitos versos as práticas virtuosas. As ações boas são resultado de uma boa fé, embora saibamos que a ação independe da fé. A boa ação é traduzida na devoção no relacionamento com o próximo, e o objetivo dos profetas era reformar a sociedade e cuidar das pessoas.

Há uma tradição sobre um sábio que foi questionado sobre o que faria se fosse morrer em uma hora. Ele disse: “Ficarei na porta da minha casa e atenderei aos pedidos das pessoas para ajudá-las. Seja qual for o pedido”.

Deus disse no Alcorão Sagrado: “Dize-lhes: Agi, pois Deus terá ciência da vossa ação; o mesmo farão o Seu Mensageiro e os fiéis” (9:105). Numa outra passagem Deus disse: “A quem praticar o bem, seja homem ou mulher, e for fiel, concederemos uma vida agradável e premiaremos com uma recompensa, de acordo com a melhor das ações” (16:97).

Um personagem histórico conhecido como Bohol estava passando numa das ruelas da cidade e encontrou um grupo de crianças. As crianças estavam brincando mas haviam uma criança chorando no canto. Bahol se direcionou até a criança mas não sabia que ela era o Imam Al-Hassan Al-Askari (A.S.), o futuro pai do Imam Mahdi (A.F.). Bohol achava que o motivo do choro era por não estar participando das brincadeiras. Então, ele disse para a criança acompanhá-lo pois ele iria comprar um brinquedo para ela. Mas a criança disse: “Ó homem, Deus não nos criou para brincar!” Ao escutar tal resposta Bohol ficou impressionado e curioso, e questionou quem era aquela criança e porque ela disse aquelas palavras. Ele perguntou o motivo da nossa criação para a criança. E ela respondeu: “Fomos criados para o conhecimento e a prática”. Bahol questionou a criança de onde ele teria tirado aquilo, e então a criança recitou o versículo do Alcorão Sagrado: “Pensais, porventura, que vos criamos por diversão e que jamais retornareis a Nós?” (23:115). Bohol questionou a criança novamente e lhe disse para não complicar as coisas tanto, e para se divertir, pois ainda era uma criança apenas, e tinha uma vida longa a viver para viver sem se preocupar antecipadamente com as questões complexas da vida. A criança então disse: “Vi a minha mãe ascendendo a fogueira da casa com lenha pequena, e não lenha grande. Tenho medo que se desde criança eu não pensar grande serei considerado com aquela lenha pequena”.

Passamos muito tempo no entretenimento, mas quando a morte fica sobrevoando a nossa existência não damos conta disso, pois estamos perdendo as oportunidades sem entender o motivo de nossa criação.

Perguntamos se o ser humano deve deixar de trabalhar pelo sustento e ficar somente estudando e passando seu tempo todo em escolas e faculdades ou nas mesquitas? Não, isso também não está certo. O ser humano deve se empenhar para ganhar a outra vida partindo desta vida. Esse é o desejo de Deus, uma vida equilibrada onde a pessoa divide seu tempo. A pessoa que trabalha 14 horas por dia e descansa o resto não tem tempo para outras tarefas. Onde fica a família? Onde ficam então os atos devocionais? Onde ficam os estudos? Onde ficam as boas ações? Onde ficam os pais, os amigos e os parentes?

Deus enriquece o ser humano não somente para que ele armazene sua riqueza num banco, e sim para construir e conquistar o bem na sua vida e na dos outros. Quando nos referimos a outra vida não queremos dizer que essa vida não seja importante. Esta forma de pensamento está errada, na verdade essa vida é o nosso maior tesouro, ela é a nossa única chance e oportunidade para que possamos construir e conquistar a outra vida, o que já é uma grande riqueza. Essa vida é uma bênção e não pode se transformar numa maldição devido as nossas ações, ambições e decisões errôneas.

Há questões a que o ser humano é atraído a elas, mas se levam a perdição o ser humano deve excluí-las de sua vida. Os profetas, os Imames, os virtuosos e os sábios nos advertiram sobre estas questões, e tudo aquilo que nos afasta de Deus é amaldiçoado e deve ser excluído de nossas vidas. Tudo aquilo que nos aproxima de Deus deve ser buscado, e tudo aquilo que nos distancia de Deus deve ser abandonado de nossa vida.

Com sua ajuda aos pobres e órfãos, por exemplo, estará garantindo sua morada na outra vida. As pessoas que ensinam o conhecimento aos outros e orientam à senda reta estão na verdade garantindo e construindo suas próprias moradas na outra vida, no paraíso.

Sabemos que esta vida está cheia de fascínios… Bem-estar, conforto, família, bens, fama, posição social, tudo isso e muito mais traduz a importância dessa vida. Mas não temos que esquecer o que Deus disse no Alcorão Sagrado: “Os bens e os filhos são o encanto da vida terrena; por outra, as boas ações, perduráveis, ao mais meritórias e mais esperançosas, aos olhos do teu Senhor.” (18:46). Numa outra passagem Deus o Altíssimo disse: “E cobiçais insaciavelmente os bens terrenos!” (89:20).

O tirano Harum Al-Rashid reconheceu que sua posição de califa era o direito do Imam Mousa ibn Jafar Al-Kadhem  (A.S.) quando seu filho o perguntou quem seria o merecedor deste cargo? Ele disse: “Se este cargo é merecedor do Imam (A.S.) porque então não o entrega a ele?” Então, Harum Al-Rashid disse: “O reinado é cego e é uma ambição. Se meu próprio filho brigar comigo por este cargo irei cortar a sua cabeça”.

Todos nós devemos observar essas questões de uma forma séria, para mudarmos nossas referências sobre esta vida. Quando alguém ama demasiadamente sua posição, fama, riqueza, família, casa, carro, lojas e etc… isso significa que esta pessoa é uma pessoa mundana e ama a sua própria vida sem dar atenção ao seu verdadeiro propósito e objetivo. Isso pode ocorrer com todos, até mesmo com os sábios e líderes de todas as categorias, que gostam de aparecer ou que buscam o conhecimento e o estudo só para aparecer e se destacar na sociedade ou ganhar fama ou posição social.

O Imam Ali ibnol Hussein (A.S.) disse: “Essa vida se divide em duas partes: a vida das conquistas e a vida amaldiçoada”. Conquista refere-se a aquilo que podemos usar para conquistar a outra vida e a amaldiçoada é a parte da vida que não servirá para conquistar a próxima.

Um homem veio até o Imam Assadeq (A.S.) e lhe perguntou: “Nós buscamos essa vida a cada momento e gostamos dessa vida e do que ela oferece”. O Imam Assadeq disse: “Por que você gosta dessa vida e o que você busca nela?” O homem então respondeu: “Gostamos dela para me cuidar, cuidar da minha família, cuidar dos meus parentes, pagar a Sadaqah, para praticar o Haj (Peregrinação) e a Omrah”. Então, o Imam Assadeq (A.S.) respondeu ao homem: “Isso não é amar e buscar esta vida. Isso é amar e buscar a outra vida”.

O Profeta Mohammad (S.A.A.S.) disse: “A paixão pela vida é o início de todo erro”.

Pedimos a Deus, louvado seja, que nos ajude a conquistar a outra vida. E nos ajude a praticar algo para a outra vida.

Que a paz e as bênçãos divinas estejam sobre o profeta Mohammad e sua família.

Que a paz esteja com todos vocês.

 

 

 

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